O primeiro ano: encanto e desencanto

Com o post de ontem acabei lembrando do texto que escrevi para a Revista da Faculdade de Direito (UFPEL), edição dos 85 anos do Centro Acadêmico Ferreira Viana. O artigo explica muito bem o que eu sentia no primeiro ano de curso (2003).

Para muitos que são ou foram estudantes de Direito, o primeiro ano é, de todo o curso, o tempo mais enfadonho e dispensável, em função de ser essencialmente teórico. A fim de ser justo, convém esclarecer que nem para todos o sentimento para com o primeiro ano é de não gostar; em alguns casos, é mais uma questão de não preferir. A respeito desse desinteresse pela teoria, os professores soem advertir que os estudos no campo das Ciências Sociais constituem base imprescindível para que o estudante compreenda o Direito em sua importância social como meio de normalização de comportamento. Esse argumento parece, entretanto, ser pouco convincente à maioria dos afoitos calouros, que mal podem esperar para manusear códigos e dominar tudo o mais que se relaciona à parte prática e técnica do Direito.

Embora crucial, esse não é o único aspecto que marca o primeiro ano na Faculdade de Direito. O ingresso em uma universidade pode ser desafiador para novatos que, no mesmo tempo em que deixam para trás o colegial, pouco sabem a respeito do que esperar de sua nascente vivência como universitário e como acadêmico de um curso de Direito. Por mais que o estudante creia ter vocação para o curso e provenha de uma boa escola de ensino médio, é quase inevitável a tensão no período anterior aos primeiros instrumentos de avaliação. Nesse período reina a dúvida: todos querem saber se estão preparando-se de maneira adequada e aprendendo, de fato, o que se supõe que aprendam. Nos meses iniciais, não há parâmetros ou indicadores, o que é desesperador para quem costuma saber mensurar o conhecimento adquirido. As disciplinas com as quais se tem contato, desde História até Introdução ao Direito, passando por Sociologia, Política e Economia, desenvolvem-se em colossais ramificações e abordagens, a cada uma das quais corresponde um cabedal literário tal que se tem a impressão de ser impossível ler todas as obras que se deveriam ler, para a melhor compreensão dos temas de estudo.

Na contramão dos que não se comovem por meio desse verdadeiro convite à erudição, posto ao calouro do curso de Direito, e que continuam impacientes, à espera das normas, há os que, como eu, ficam deslumbrados pelos estudos sociais. E não se pode pensar nesse deslumbramento senão como uma situação inquietante, porque acentua as já mencionadas incertezas que há no início do curso – há quem se coloque em uma gangorra de dúvida entre mudar para alguma das Ciências Sociais ou Humanas e seguir o Direito. Embora mais distante da tal gangorra, ainda não sei o rumo exato de minha vida, nem mesmo de minha vida acadêmica. Isso não é sequer minimamente frustrante, tendo em vista que sempre fui consciente de que é pretensão sem tamanho desejar saber tanto a respeito de si próprio, já aos dezoito anos. Porém, sem dúvida, o primeiro ano tem sido um primoroso quebra-gelos.

Para resolver, enfim, minhas incertezas com respeito ao funcionamento desse muito útil navio, tive acesso a uma ferramenta valiosa: li O primeiro ano (do original em inglês, One L), livro em que o advogado Scott Turow relata as experiências no seu primeiro ano na Harvard Law School, nos EUA. Lá o ensino jurídico se desenrola não como no Brasil, mas, desde o princípio, com atividades mais voltadas à prática, o que seria tão desejável por muitos dos afoitos calouros brasileiros. Apesar dessa divergência, constatei que, em geral, as inquietações de Turow como primeiranista eram semelhantes às minhas, com relação a aulas, estudos e leituras, bem como a respeito de minhas considerações sobre as atitudes de professores e colegas. Foi surpreendente verificar tais semelhanças entre esta Faculdade e o mais tradicional estabelecimento de ensino jurídico dos EUA. Não é prudente afirmar que essas semelhanças (ou coincidências?) se verificam em todas as faculdades de Direito, no Brasil e no exterior. Entretanto, os relatos de egressos e de estudantes do segundo ano em diante, além de minha parca mas nem por isso desprezível experiência, levam a acreditar numa universalidade: encanto e desencanto envolvem o primeiro ano dos cursos de Direito. E, mesmo no Brasil, onde os estudos iniciais são carregados de teoria, de minha parte pode-se dizer que Scott Turow tem razão: o primeiro ano é, de fato, um tempo para aprender a gostar do Direito.

8 ideias sobre “O primeiro ano: encanto e desencanto

  1. MDBrauch

    Será que chega a ser uma sacanagem eu postar um texto escrito há mais tempo? Eu não ia ter tempo de postar, e assim pelo menos postei. Cabe quase uma discussão sobre ética dos blogs. 😉

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  2. Angélica

    Martin, conheço mta gnt que faz direito e qse tdos falam que nao gostaram do 1° ano.. tu é o 1° q fala o contrário.. heheheficou mto legal texto :)abraço!

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  3. MDBrauch

    Pois é, Angélica: a maioria dos estudantes de Direito que eu conheço também não gostaram do primeiro ano. Será que esse meu problema é grave? 😛 Mas esse assunto deverá ser discutido em um post futuro… Hehehe

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  4. Gabriela Zago

    Acho que o problema é que, geralmente, os alunos do Direito só percebem a importância do 1° ano depois que já passaram por ele 😛 Colocar só disciplinas de base no começo do curso faz com que a gente demore para entender qual o sentido em estudar aquilo tudo…Muito bom esse teu texto 🙂 — mas não vale criar um blog novo para ficar postando somente coisas antigas 😛 hehe

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  5. MDBrauch

    (Hehe – censurei meu último comentário)É verdade – o que falta é a percepção, por parte dos alunos, da importância do primeiro ano, e mesmo com toda a insistência dos professores… Muitos estudantes (como disse a Angélica) não percebem nem depois e acabam se tornando técnicos do Direito, sem poesia, paixão nem senso crítico.E quanto a essa história de criar blog novo e postar só coisas antigas… não tô fazendo isso, tá?! 😉

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  6. Bruno Angelo

    Salve Martin!! Encantos e desencantos, penso eu, devem acontecer em todos os cursos universitários e com todos os calouros que entraram na faculdade em busca de uma profissão e não apenas de um futuro emprego. Pelo menos comigo foi assim nas duas vezes em que fui calouro. Mas, de qualquer maneira, se nós permanecemos lá é porque o esforço deve valer pra alguma coisa. Abraço e vai postando, Guri!

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  7. MDBrauch

    Que honra, um comentário do meu amigão Bruno Angelo!!! 😀 É bem isso: se o esforço existe, é porque ainda vale pra alguma coisa. Eu tenho essa certeza, mas a origem dela faz parte de explicações futuras, da continuação da velha história do blog… 😉

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