O nome dele não é Martin

Uma amiga minha que não lê meu blog (porque egocentricamente se recusa a ler blogs que não tratam sobre ela) ontem me contou sobre uma notícia estarrecedora, que eu ainda não tinha lido. (Está por aí, na mídia, inclusive na BBC.)

No estado do Tennessee, nos EUA, os pais de um bebê de sete meses não conseguiam decidir sobre a guarda e os sobrenomes dele. Por isso, recorreram ao Judiciário. No início desta semana, a juíza Lu Ann Ballew resolveu a disputa, mas a solução dada nem importa tanto quanto o que ela decidiu além disso: determinou que os pais alterassem também o nome de batismo do bebê de Messiah (Messias em inglês) para Martin. Segundo a juíza, o nome poderia causar problemas ao menino à medida que crescesse no Tennessee, que é uma região predominantemente cristã. Além disso, ela argumentou que a palavra Messias é um título e que cabe a Jesus Cristo e a mais ninguém. A mãe do bebê apelou contra a decisão; o recurso será julgado em setembro.

Antes do comentário sério, a piadinha infame inevitável: a mãe do bebê não sabe a honra que seria ter um filho Martin e deveria falar com meus pais sobre isso.

Agora, sim, o comentário sério: a decisão da juíza é contrária ao Direito.

Primeiro, a intervenção do Judiciário sobre o nome escolhido pelos pais só se justificaria se o nome fosse ofensivo ao bebê, como Abobado ou Indesejado. Pobre criança: a intervenção judicial seria bem-vinda e lícita. Não é o caso, porque Messiah não é ofensivo; pode até ser ofensivo à consciência da juíza, ou à minha, mas não ofende o bebê. Há outros meninos com esse nome nos EUA; duvido que os problemas vislumbrados pela juíza realmente ocorreriam. Aliás, mesmo no Brasil há Messias por aí (como sobrenome) e não os vejo sendo perseguidos.

Segundo, a juíza decidiu com base em suas convicções religiosas, impondo-as sobre os pais da criança e, assim, violando a liberdade religiosa deles. Para a juíza, Messiah é um título exclusivo de Jesus Cristo. Para mim, também. Mas isso não nos autoriza, por exemplo, a proibir os judeus de usar esse título quando o Messias deles vier ao mundo. Também não nos autoriza a proibir não cristãos de batizar seus filhos de Messiah simplesmente porque acham bonitinho. No máximo, podemos achar que foi uma escolha de mau gosto (o que, aliás, é de fato a minha opinião).

Uma ideia sobre “O nome dele não é Martin

  1. Karina Soares

    O judiciário é mesmo engraçado! É muito difícil, mesmo para os profissionais do Direito, a distinção entre os aspectos políticos, jurídicos e morais de um problema. Pobrezinho do Martin!

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