Aquele período do ano para reflexões

Há duas ou três semanas, causei o sobressalto de uma amiga que almoçava comigo num shopping center. Arregalei os olhos, tapei a boca com os dedos e soltei uma interjeição engasgada de horror, apontando ao longe: “olha, uma árvore de Natal!” Isso foi só o começo.

Mal termina o Dia da Criança e os lojistas já decoram tudo de verde e vermelho. Todo ano é assim e ironicamente eu sempre me surpreendo.

Ao chegar em casa hoje notei que minha vizinha pendurou em sua porta uma escabrosa guirlanda artificial cintilante com um Papai Noel assustador em alto relevo ao centro. Não adianta ignorar a realidade posta. O Advento não começou, mas é quase como se.

Deixando de lado minha aversão a decorações alegadamente natalinas über fiasquentas, esse período do ano costuma (para mim como para muitos) ser de reflexões sobre o que passou, o que ainda passará, o que deveria ter passado e outros tempos verbais cada vez mais complexos.

Este ano foi quando menos escrevi no blog do Guri em seis anos. Existe um porquê, certamente; existem vários, aliás. Não listo todos, porque isso aqui tende a ficar enfadonho. Só alguns, de forma bem genérica.

O silêncio tem a ver, sim, com o trabalho, em seus aspectos de volume, intensidade, tempo de dedicação, conteúdo sigiloso. Tem a ver, também, com instabilidades (ainda) não resolvidas da minha vida. Tem a ver, ainda, com adaptações, nostalgias, frustrações, sei-lá-mais-quê.

E tem a ver, talvez mais que tudo, com a sensação bastante nítida de que minha vida de jovem profissional de rotina pouco variável – de casa para o trânsito para o escritório para a visita ao cliente para a natação para o supermercado para casa – não seja lá muito digna de relatos que possam despertar interesse.

Aqui vou ter de usar minha licença dramática, porque a frase pode parecer exagerada: às vezes eu penso, com toda a sinceridade, que já tive todas as minhas melhores experiências, ou pelo menos as mais dignas de relato, e que a partir de agora a vida terá experiências como a curva de uma função exponencial decrescente.

Mas outras vezes eu me dou conta do absurdo que é isso e despenso tudo. Um desses momentos de despensar foi hoje mesmo, quando um cliente, depois de aconselhar-se comigo ao telefone sobre um assunto jurídico qualquer, agradeceu-me dizendo, “obrigado, Guri”.

Aí me lembrei de que sou mesmo o Guri. Pensei no blog e pensei que tenho, sim, experiências dignas de relato, e que ainda terei muitas mais. E se forem aparentemente menos ricas que as do passado, talvez apenas precisem ser fotografadas com outras lentes ou usando uns filtros de cor interessantes. Só preciso voltar a fotografar e revelar por aqui.

Uma ideia sobre “Aquele período do ano para reflexões

  1. Fah

    Já me ocorreram estes exatos pensamentos sobre as “experiências mais valiosas” já terem passado, mas acho que, conforme comentaste ao final, é tudo questão de ponto de vista. A gente amadurece e muda, também, a nossa relação com o que consideramos “novo” e “valioso”. Acredito que é possível ter experiências valiosas até os 80, 100 anos. Temos muito pela frente, Martin. Avante!

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