Por causa do texto de ontem e do sentimento que me inspirou a escrevê-lo, hoje pensei em Ruy Barbosa. Importante jurista brasileiro na transição do século XIX para o XX, em diversas oportunidades ele escreveu sobre a importância do advogado e do exercício da advocacia conforme princípios éticos. Por exemplo:
A profissão de advogado tem, aos nossos olhos, uma dignidade quase sacerdotal. Toda a vez que a exercemos com a nossa consciência, consideramos desempenhada a nossa responsabilidade.
Lendo um pouco sobre o autor da frase, percebi que ele e eu temos um tanto em comum além da formação jurídica e da defesa da ética na advocacia. Ele acreditava no poder da escrita. Gostava de línguas estrangeiras. Defendia o Direito Internacional. Era metódico, obstinado, perfeccionista, detalhista, revisor compulsivo. E por muitos contemporâneos seus era tido como um mala.
Também percebi outro tanto de diferenças entre ele e mim. A primeira e mais evidente é que Ruy Barbosa foi uma figura de importância histórica inegável e de inteligência admirável, enquanto eu não passo de um guri. Envolvia-se ativamente na vida política do país e tinha influência. Ele também era um grande patriota, até ufanista, o que eu não conseguiria ser nem se quisesse.
Ele ainda era prolixo e pedante. Eu, se tenho esses defeitos, tenho as defesas de que já fui pior (“estou melhorando”) e de que pelo menos tento melhorar, deliberadamente. Já ele era prolixo e pedante sem medo de ser feliz. E isso não é uma crítica. Talvez fosse apenas o estilo de redação e oratória do mundo em que ele viveu, mas que não cabe no mundo em que vivo.
Voltando ao discurso ético de Ruy Barbosa, tenho uma história de infância para contar sobre uma das mais célebres frases dele:
De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.
Meu pai costumava ter um poster com essa frase em seu escritório. Por isso, conheço-a desde meus primeiros anos escolares. Quando ainda não tinha condições de entendê-la, tinha a impressão de ser longa e desnecessariamente complicada, porque poderia ser expressa de forma mais simples e sucinta. Depois que passei a entendê-la, minha impressão tornou-se certeza.
Hoje, mesmo discordando do estilo de argumentação, compreendo o argumento e o sentimento que o motiva. Porém, mesmo tendo essa compreensão, não concordo com o argumento nem compartilho do sentimento que o motiva.
Quanto mais nulidades eu vejo triunfar, quanto mais vejo prosperar a desonra, quanto mais vejo crescer a injustiça, quanto mais vejo agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, mais sede eu tenho de virtude, honra e honestidade. Se por causa dessas situações eu desanimasse da virtude ou me risse da honra ou tivesse vergonha de ser honesto, não seria um homem, como Ruy Barbosa parece sugerir — eu seria um rato.
(A Revista Época publicou um especial sobre Ruy Barbosa. Vale a leitura.)