Rascunho de vida sentimental

Entendo que o amor (e não uma paixonite ou um impulso movido por desequilíbrios hormonais na puberdade!) é a razão única para começar a namorar. Para um namoro valer a pena, deveria haver ao menos a perspectiva do forever. Só o amor pode proporcionar essa perspectiva. E o amor simplesmente acontece – ou não acontece.

Nessa minha postura, mesmo sem saber, cumpri (com gosto) a sugestão de Paulo: “Está solteiro? Não procure esposa.” (I Coríntios 7.27b). Jamais estive à procura de alguém. Nunca me pus a “caçar”. Nunca “fiquei”.

Aos 15 anos, no primeiro ano do ensino médio, tinha um grupo ótimo de amigos e amigas na turma do Cefet-RS. Uma das gurias me tratava de um modo especial. Não é a mim que cabe afirmar isto, mas tudo indica que ela me amava. Todos os colegas sabiam disso e, com ela, alimentavam a idéia de que um dia ficássemos juntos. Eu, embora não estivesse indiferente ao que ela sentia, posso afirmar – sem ser frio – que não havia reciprocidade, até porque não estava à procura de um amor.

Ao mesmo tempo, não é que estivesse fechado ao amor. Ela era divertida, carinhosa e me admirava. Tímida, nunca admitiria. Não teria coragem de me olhar nos olhos e declarar seu amor. Mas passei a me sentir amado e a achar que poderia estar respondendo a esse sentimento. Surgiu a dúvida: amo ou não amo? Meu coração ficou inquieto.

Numa festa de aniversário, cedi às pressões (externas e também internas) e a pedi em namoro. Minha intenção era ter um compromisso sério, porque me parecia haver aquela perspectiva de vida futura a dois. Foi um momento de festa (ainda maior!) entre os nossos amigos que estavam por perto… Parecia a remoção da batata engasgante.

Eu, porém, continuava engasgado, inquieto, engolindo em seco. Só fui percebê-lo quando meu pai me buscou. (É claro que ele me buscou: eu tinha 15 aninhos!). Não contei nada a ele; voltei quieto para casa. Como? Deveria ser importante o meu primeiro namoro – por que não conseguia dizer nada? Sentia que tinha cometido um erro. Achava que não nos conhecíamos suficientemente bem… Não tinha certeza de que queria estar com ela, e sabia que deveria ter essa certeza…

Cheguei em casa e chorei de arrependimento. E chorei não só por uma noite, mas durante todo o fim-de-semana. Na segunda-feira, não tinha coragem de olhar para ela, porque tinha consciência do mal que lhe fizera. Ela, coitada, nem sabia ainda, mas tinha de saber. Então expliquei tudo – por carta. Sim! Eu, que gosto tanto de escrever, fui inventar de mandar uma carta. Ah, e eu nunca gostei de escrever a mão… então mandei uma carta impressa. Que monstruosidade! Não acredito que (1) fui capaz de fazer isso por carta e que (2) a carta não era sequer manuscrita.

Terminar esse relacionamento, antes mesmo que se pudesse dizer que tinha começado, foi uma das coisas mais difíceis que já fiz. Talvez isso pareça um exagero, tendo em vista que vários anos se passaram, que tanto eu quanto ela superamos isso (assim acredito e espero!) e que foi coisa de adolescente imaturo. Não importa. Carregarei sempre o peso de ter causado um mal horrível a uma pessoa que me amava profundamente. E a situação é ainda mais grave por poder ter sido facilmente evitada.

Poderia tentar me defender esclarecendo que não pretendia causar mal nenhum, mas esse argumento tampouco importa, porque a verdade é que agi culposamente (em sentido jurídico). Foi uma barbeiragem na minha vida sentimental; um péssimo rascunho, pra começar. Quando penso nisso, até hoje, fico envergonhado. No entanto, não tenho vergonha de relatar o ocorrido. Talvez ainda hoje, mesmo depois de tanto tempo, seja preciso um pouco de auto-humilhação.

Tomara que ela um dia leia este post e aceite meu pedido de perdão…

2 ideias sobre “Rascunho de vida sentimental

  1. Anonymous

    Acho muito legal tudo que você escreve nesse blog, e só devo dizer que não vejo graça nesse sentimento de culpa, afinal, foi uma coisa séria que aconteceu, normal nessa idade, mas mesmo assim importante. Acho interessante, corajoso e inteligente da sua parte escrever essa história.Quem nunca errou nunca viveu 🙂

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