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Armadilha

Eu vinha atravessando a Avenida República, em Pelotas, voltando da casa da minha vizinha e amiga de infância para a casa dos meus pais. Fui direto ao portão da garagem – “porta dos fundos” por onde eu costumava entrar em casa.

Para minha surpresa e insegurança, embora não houvesse ninguém em casa, o portão estava aberto. De novo! Poderia ser, de novo, o problema no sistema eletrônico do portão. Em dias de  tempestade, ele abria por si só, misteriosamente, sem ser acionado por ninguém. Ou então, poderia ser o pior: talvez o portão tivesse sido arrombado. De novo.

Ao aproximar-me da garagem, vi que os dois carros (o Fiesta preto e o Escort azul) estavam ali. Respirei com alívio – a possibilidade de arrombamento parecia menos provável. Senti-me seguro. Entrei na garagem e acionei o controle remoto para fechar o portão.

Mas à medida que o portão fechava – e assim me fechava dentro da garagem – comecei a ouvir um barulho estrondoso vindo de dentro de casa; aliás, era tão estrondoso que podia vir de dentro da própria garagem, de dentro dos carros ou até de dentro de mim mesmo. Era um barulho de colapso metálico… ou de uma explosão? Ou poderiam ser tiros!

Não sei. O que sei é que era um barulho horrorizante. Tive medo de estar preso em uma armadilha criminosa. Quis sair da garagem, para buscar ajuda, para fugir correndo, para me abrigar em outro lugar… Mas o portão estava quase fechado e eu, sem saída.

Gritei pelo meu pai, pensando que ele podia, afinal, estar em casa ou por perto – se bem que, a essas alturas do meu desespero, acho que na verdade estava chamando pelo meu Pai! Tudo se passava em frações de segundo eternas: o ruído aterrorizante continuava e o portão se fechava; eu estava em pânico e ninguém respondia ao meu grito de socorro.

Não cheguei a entender o que estava acontecendo, porque, ainda aterrorizado e gritando, acordei numa casa em uma silenciosa cidadezinha suíça.

Faz quase ano e meio que não vou a Pelotas e quase dois que não atravesso a Avenida República. A casa lá nem pertence mais à família – os dois carros tampouco! Essas coisas, agora, cheiram a antigo; nada disso me pertence. Mas antigos medos continuam a pertencer ao meu subconsciente (ou o meu subconsciente continua a pertencer aos medos?) de uma forma macabramente real e atual.

Ontem postei cedo demais

No fim das contas, sim senhores, vim a Pelotas no dia do aniversário da cidade! Puro acaso. No início da tarde de ontem me liga uma tia, “tive que vir a São Lourenço… estou aqui!”. Além de ganhar visita em São Lourenço, ganhei carona pra Pelotas. Como igual teria que vir hoje para uma aula, resolvi aproveitar a carona e também passar um tempo com tios e prima.

Quem sabe, quando menos esperar, ganho uma carona pra cá no bicentenário? Só Deus sabe como será o futuro. (E não é apenas força de expressão; eu creio muito nisso!) Ainda bem que é assim.

Salve, salve, ó Pelotas querida

Aniversário de 197 anos da minha terra Natal! O título do post é o primeiro verso do estribilho do hino da cidade.

Salve, salve, ó Pelotas querida
Formisíssima terra do Sul
Tens coberta de glórias a vida
Como é lindo o teu céu tão azul

Quando criança, pensava que estaria presente na festa do bicentenário da minha cidade. Mas será? Nem agora estou, morando a apenas 40 milhas (sim, preciso ir me acostumando) da cidade… E a tendência é que não esteja mais perto que isso em 7 de julho de 2012.

Aliás, onde será que estarei?

Diz-me quem fala e te direi se o que ele fala presta

Está confirmado: a Copa de 2014 será no Brasil. Vejo pontos positivos e negativos nisso, mas na real não tenho paciência para esse tipo de ponderação. Por isso, não pretendo discutir o mérito da decisão da FIFA. O que me chamou mais a atenção hoje foi a comitiva brasileira que apresentou a candidatura do Brasil à Copa; em particular, refiro-me ao discurso de um de seus membros: o imortal escritor (será que eu deveria usar aspas?) Paulo Coelho.

A emoção do futebol, ela é totalmente atípica. Eu já vi pessoas ficarem cinco horas discutindo sobre um jogo, e nunca vi ninguém ficar discutindo cinco horas sobre uma relação sexual. Conseqüentemente, pelo menos a emoção do futebol dura mais! […] (Não tô dizendo que seja melhor ou pior; digo que dura mais!)

Entenda cada um como quiser. Aliás, pesquisei algumas reações em sites com notícias esportivas. O Globo Esporte, na minha opinião, foi o mais objetivo e imparcial: Paulo Coelho teria comparado “isto” com “aquilo”, quer dizer, “paixão-do-brasileiro-pelo-futebol” com “sexo”. Outros foram bem mais dramáticos. Para o Estadão online, a comparação feita representaria a essência do espírito brasileiro tal como o escritor a percebe: futebol, para brasileiro, seria mais importante que sexo. A Lancepress foi mais ou menos pelo mesmo caminho: Paulo Coelho teria dito que “o brasileiro deve preferir o esporte ao ato sexual”.

Da platéia (autoridades políticas brasileiras em peso: Presidente da República, Governadores de Estado, Ministros de Estado, Chanceler), a comparação arrancou risadas. Já o Presidente da FIFA, Joseph Blatter, ficou impressionado com o senso de humor “apurado” ou “muito específico” ou “muito particular”. Os sites de notícias que eu consultei, independentemente da interpretação sobre a analogia entre futebol e sexo, classificaram o discurso como irreverente (me parece que num sentido positivo).

Quanto a mim, a reação foi de puro asco. Por vários motivos.

Antes mesmo de não gostar do discurso, não gostei da presença da figura ali, pelo que ela representa. E não me refiro ao que ela representa (será que caberia um “ou não”?) em geral, para a literatura de língua portuguesa, mas ao que ela representava naquele lugar, naquele instante. Autoridades políticas, ok, perfeitamente compreensível: trazer uma Copa do Mundo para o Brasil é um esforço com evidentes reflexos políticos e econômicos. Craques do futebol, ok também, obviamente. A presença deles ali é uma mensagem para o mundo: “só pra lembrar – o futebol brasileiro é tudo isso e muito mais, e merecemos sediar de novo uma Copa”. Agora… o escritor? Por acaso a idéia seria vender o peixe da cultura do povo brasileiro? (Ainda não entendi bem a história da propaganda ecológica ou ambientalista na Copa, mas também me cheira a golpe.) Aliás, a propósito de vender o peixe, a pergunta que não quer calar: por que Pelé não estava lá? Pelé é muito mais imortal do que qualquer imortal que se pudesse chamar para uma comitiva encarregada de tratar de futebol. Se nem mesmo Pelé estava lá, por que mesmo o escritor?

Já quanto a não gostar do discurso em si, em especial do trecho citado, digo de forma bem sincera: não achei graça. Talvez me diga o leitor que meu senso de humor não é apurado o suficiente. Acho improvável. (Posso discordar radicalmente da tua opinião, mas defenderei até a morte o teu direito de expressá-la!)

Mais do que sem graça, achei impertinente. E por quê? Sugiro, só para ilustrar meu ponto de vista, um exercício de imaginação: substitui a figura do Imortal pela do Excelentíssimo. Ele vai lá dar o discurso, compara futebol a sexo, dá uma risadinha, coça a barba com cara de sacanagem. Tudo igual. Mas pronto: a reação seria totalmente diferente. Todos os meios de comunicação divulgariam a imperdoável gafe, uma vergonha para a nação. Só teria faltado falar em samba e cachaça, porque futebol já era o tema principal do evento, e alguém deu um jeito de falar em sexo. Seria um prato cheio para todos os sites de frases não muito felizes do Presidente Lula. Experimenta só googlar as palavras “Lula” e “frases” pra ver o que aparece… Talvez me diga o mesmo leitor (aquele que criticou meu senso de humor) que eu estou enganado, que não seria assim. De novo, eu não mudaria de idéia por causa da crítica.

No Brasil, tudo depende mais da pessoa do orador que do conteúdo do discurso. Se é um imortal Dr. Fulano, vale a pena ser ouvido (mesmo que, no fundo, diga asneiras de início a fim, e as diga fora da norma culta, e de improviso). Se é um Zé Beltrano, só diz asneiras (mesmo que, no fundo, diga coisas que valem a pena ser ouvidas, embora não seja um orador irretocável). Pior ainda: se é um Excelentíssimo Zé Beltrano, só diz asneiras, de improviso, e além disso fala errado, e por isso vamos reparar apenas na forma como ele fala, dissecar suas frases, expor seus erros gramaticais publicamente e questionar como é possível que tenha chegado ao posto onde chegou, já que não tem um mínimo exigível de domínio sobre a língua culta, falada ou escrita.

Se a comparação entre futebol e sexo fosse de um Excelentíssimo Zé Beltrano, eu a dissecaria. Mas é de um imortal Dr. Fulano. Deixa assim. Ele tem licença poética.

Uma revolução redacional

Não pretendo em um só post recuperar o atraso do blog, mas desde já faço a advertência: isso pode muito bem acontecer. Este texto resulta de uma profunda reflexão que tenho feito desde que reli um livro realmente transformador: Economical Writing, da Dra. Deirdre McCloskey. Podes parar de bocejar: mesmo que Economia não seja tua praia, o livro tem muito mais de Writing que de Economical. Aliás, na minha opinião deveria chamar-se Academic Writing, ou, sem querer exagerar na abrangência, Writing.

A lição do livro serve para qualquer pessoa, já que escrever bem deveria ser o objetivo de qualquer pessoa. Tudo bem que o público-alvo é o escritor de língua inglesa, e que justamente por eu estar escrevendo um artigo em inglês ao ler o livro acabei aproveitando mais a lição, mas farei aqui apenas comentários que na minha opinião valem para qualquer idioma ou até, de novo sem querer exagerar na abrangência, em qualquer forma de comunicação.

“Escritores amadores acham que escrever é um traço de personalidade, e não uma habilidade.” (p. 1)

Já pensei assim, e talvez também penses. Mas vejamos: escrever não é simplesmente um dom que as pessoas têm. É muito mais transpiração (prática) do que inspiração (talento). É muito mais questão de ter conteúdo e vontade de exprimi-lo do que de ter uma capacidade extraordinária para expressar idéias por escrito. Todos somos falantes competentes da nossa língua. Às vezes o que nos falta para escrever bem é apenas um pouco de domínio sobre aspectos técnicos da língua escrita, e isso só a prática ensina.

“Escrever é pensar. Não aprendes os detalhes de um argumento até que o escrevas em detalhe, e em escrever os detalhes descobres falhas nos fundamentos.” (p. 7)

Fica até difícil comentar essa colocação, porque é auto-explicativa! Muito bem escrito e verdadeiro. Por esse e outros motivos eu digo que esse livro é o máximo!

“Diz o que que vais dizer; dize-o; e depois diz que o disseste.” (p. 11)

Enquanto McCloskey simplesmente abomina essa regra, nós a ouvimos até de professores de Língua Portuguesa ou Redação e de Metodologia da Pesquisa. Para constatar que muita gente leva essa regra a sério, basta ler alguns trabalhos científicos e até livros didáticos (mesmo de ensino superior). Há quem não se canse de repetir a mesma idéia expressa de outra forma. Alguns escritores têm prazer em dizer a mesma coisa em outras palavras. Só para garantir que o leitor entenda, reformulam frase após frase…

Pronto, pronto, já entendeste bem o que eu quero dizer: repetição cansa o leitor! Como é que tem gente que não se dá conta disso? Ah, se fosse só disso que não se dão conta… Tem tanto mais na escrita acadêmica que deveria ser repensado. Queres ver?

“Notas de rodapé são ninhos de pedantes. Uma nota de rotapé deveria ser subordinada. É por isso que está no pé da página.” (p. 48)

Tenho professores que amam tanto as notas de rodapé a ponto de dizer que é nelas que deve estar a contribuição principal do autor: no corpo do texto, caberia apenas fazer um “diálogo” com a literatura já existente sobre o tema. Isso não faz o menor sentido para mim. Notas desviam a atenção do autor, porque quebram a fluência da leitura, especialmente quando colocadas no meio de uma frase. Gosto da regra da McCloskey: “Notas de rodapé deveriam guiar o leitor às fontes. E só” (p. 48). Talvez seja uma opinião radical demais, porque às vezes também acho difícil evitar uma nota explicativa… De qualquer forma, se as notas começam a tomar volume, é porque não têm importância meramente “subordinada”; nesse caso, merecem ser “promovidas” para o corpo do texto.

“Usa verbos, na voz ativa” (p. 70)

McCloskey sugere o uso de verbos na voz ativa e do imperativo (“usa verbos na voz ativa”) como substituto para a voz passiva (“verbos na voz ativa devem ser usados”). A tal da voz passiva, que a autora (des)qualifica de “covardia”, é a recomendação de vários manuais de normas técnicas, redação acadêmica e metodologia da pesquisa, inclusive o da universidade onde estudo. Mas, pra falar a verdade, ninguém pensa na voz passiva e ninguém fala na voz passiva. Muitos dos manuais autorizam a voz ativa, mas ainda em nome da impessoalidade, recomendam o uso da terceira pessoa do plural: “nós”. Agora, convenhamos: se sou autor único do texto, por que diria que “nós” fizemos isto ou aquilo? Na busca pela impessoalidade, pela imparcialidade, pelo distanciamento do pesquisador e tudo o mais, a academia acabou tornando-se um lugar onde se escrevem esquisitices.

“Evitar a Variação Elegante” (p. 56)

Variação Elegante é o uso de várias palavras com o mesmo significado – que muitos escritores usam e muitos professores recomendam com o fim de evitar repetições. Exemplo: “o autor”, “o eminente jurista”, “o doutrinador”, “o discípulo de Beltrano” – sempre para substituir o nome da pessoa, Fulano de Tal. McCloskey, no extremo oposto, chega a recomenda a repetição moderada de palavras, para manter a coerência do texto, usando às vezes pronomes oblíquos “para aliviar a monotonia” (p. 50). É uma solução melhor do que o perigo de, no fim das contas, o leitor nem saber mais a respeito de que estamos escrevendo (p. 56).

Outras dicas de McCloskey válidas para a escrita acadêmica

Não começar um trabalho acadêmico com aquela clássica encheção de lingüiça da “imaginação falida”: “Este paper…”.

Evitar a seção de “background”, “aquele material que coletaste e que depois descobriste que estava além do objetivo do texto” (pp. 36-37). Em outras palavras: manter o foco do texto; não divagar; excluir informações irrelevantes.

Pular o parágrafo-índice: “O presente paper está estruturado da seguinte forma: o primeiro capítulo…”. Dependendo da forma como se escreve esse parágrafo (e aqui me refiro também a “recapitulações” no início de novos capítulos), pode ficar mais fácil para o leitor localizar-se e ter uma noção de unidade do texto. Por isso eu relativizo esta regra…

Nunca repetir sem pedir desculpas: se julgares preciso repetir para reforçar ou relembrar um argumento, cuidado para não insultar a inteligência e a memória do leitor!

As REGRAS DE OURO ensinadas por McCloskey no seu livro são as duas seguintes, na minha opinião:

1) “Clareza é uma questão social, não algo a ser decidido unilateralmente por quem escreve. O leitor, como o consumidor, é soberano. Se o leitor acha que o que tu escreveste não está claro, então não está, por definição. Desiste de discutir.” (p. 12)

Por não entendermos isso, às vezes somos hostis às críticas de nossos leitores (involuntários revisores!)… Pensamos que está bem escrito e ponto, que se o leitor não entendeu porque é “limitadinho” intelectualmente, que ele não respeita o nosso “estilo”. Não, não, não: clareza não tem nada a ver com inteligência ou estilo. Nosso texto tem clareza, como bem ensina McCloskey, quando tem objetividade e fluência, isto é, quando o leitor (a “sociedade”) compreende o que escrevemos sem embaralhar-se.

2a) Lê, relê, trelê…

A autora dá uma dica para contornar o problema da falta de clareza: “Ler o que escreveste com frieza, uma semana depois de ter feito o rascunho, vai evidenciar partes do texto que nem mesmo tu consegues ler com facilidade” (p. 13). Aliás, também recomenda a leitura do texto em voz alta, para não usar palavras pomposas demais: “Tu ouves uma frase quando a lês em alta voz. É uma boa regra não escrever nada que terias vergonha de falar ao teu público-alvo” (p. 30). Mais adiante, diz ainda o seguinte: “Ler em voz alta é uma técnica poderosa de revisão. Lendo em voz alta, tu ouves o teu texto como os outros o ouvem internamente, e se teu ouvido é bom vais detectar os pontos ruins” (p. 68).

2b) … e reescreve!

“Escrita fácil produz leitura difícil. O Dr. Johnson disse há dois séculos: ‘O que é escrito sem esforço é em geral lido sem prazer’.” (p. 58). Revisar e reescrever é imprescindível. É o resultado da primeira idéia que expus neste texto (lembrando: escrever é uma habilidade, e não um dom) e da primeira regra de ouro (de novo: clareza é uma questão social, e não de estilo). É, enfim, um sinal de respeito ao leitor.

Se eu já era perfeccionista e um revisor compulsivo (de escritos próprios e alheios!), a releitura de Economical Writing me fez ainda pior. Ou melhor. Isso quem há de decidir é o leitor, que é soberano. Agora, uma coisa é certa: a literatura acadêmica muito se beneficiaria da aplicação das regrinhas simples expostas pela Dra. McCloskey. Haveria mais qualidade e interesse na ciência e no ensino-aprendizagem se houvesse mais qualidade na escrita. Encerro como comecei, “sem querer exagerar na abrangência”: teríamos um mundo bem melhor (pelo menos mais agradável para todos nós, leitores!) depois de uma revolução redacional.

Infância patriótica

Sete de setembro
Data tão festiva
Foi a independência
Desta terra tão querida

É uma grande data
Para o meu Brasil
Que hoje está liberto
Cheio de encantos mil

Um dia desses, num típico ataque de flashback, cantarolei essa linda canção (que aprendi nas séries iniciais do ensino fundamental!). Ninguém cantou comigo e eu só recebi olhares estranhos. Tudo bem, admito que tenha sido estranho e talvez inadequado lembrar dos meus saudosos (?) tempos pueris em um intervalo, na Faculdade de Direito. Veio, porém, a dúvida: será que essa musiquinha é fruto da minha imaginação perturbada?

Em verdade, nunca fui nem fiz questão de ser uma criança patriótica. Aliás, nunca fui nem fiz questão de ser patriota, e ponto. O orgulho de Sete de Setembro não me parece verdadeiro. Ai de quem disser que eu não gosto do Brasil, mas sou contrário a manifestações ufanistas. Quando penso em independência, penso nos 2 milhões de libras esterlinas, na Constituição outorgada de 1824, no Imperador-desertor que voltou pra casa pra reivindicar o trono para a filha.

O título desse post é um engano. E a canção que o segue, mesmo que não seja só delírio meu, também. O Grito, porém, não foi uma farsa. D. Pedro falou e disse: Independência ou morte! Eu preferia que tivesse gritado só: Independência! Talvez assim não tivesse aberto caminho para tanta morte: morte política, morte social, morte econômica.

Acadêmico

Mais uma vez, devo agradecer pelas cobranças de atualização no blog. É bem provável que desta vez tenha batido o recorde de não-postância. Entretanto, muito embora eu funcione melhor sob pressão, ultimamente, no caso do blog, a pressão não tem sido eficaz (como se pode observar no histórico recente do arquivo de posts!). E existe um só e simples motivo: estou acadêmico. Muito tenho lido, estudado, pesquisado, escrito. E tenho tido prazer – como nunca, talvez – nessas atividades.

Com o fim das minhas pseudo-férias, deparei-me com o sétimo semestre da Economia. Além de ser o “último” (ao menos o último com aulas presenciais, porque no oitavo só restará redigir a monografia), o semestre promete ser interessante e, sobretudo, desafiante. Cadeiras difíceis, professores exigentes. Eu amo um desafio. E o Direito, embora com relativamente menos exigências, está pouco a pouco chegando ao fim. Esgotam-se paulatinamente minhas oportunidades de aproveitar meus cursos de graduação. Não que eu não tenha feito isso até agora – é que começa a bater um certo saudosismo precoce.

Então, este é um pedido de desculpas, mas não chega a ser um pedido de perdão, porque acredito que ninguém possa me acusar, dizendo que estou fazendo a coisa errada. Não estou encerrando o blog, nem me eximindo do compromisso de postar de vez em quando; estou prometendo postar menos. Um desestímulo ao leitor? Talvez. Mas eu sinto que isso (postar menos) é o que eu preciso fazer, pelo menos por enquanto. Existe uma certeza: quanto mais (academicamente) produtivo eu me sentir, mais vou ter vontade de postar aqui. Enquanto esse sentimento não vem, preciso resolver umas pendências, tirar uns atrasados.

[Este post REALMENTE precisa de comentários!]

Eu não disse que altruísmo existia?

Faz meses que meu orientador deixou comigo um livro, para eu ler e, em seguida, deixar como doação à Biblioteca do ICH: é o Freakonomics, que apresenta “as revelações de um economista original e politicamente incorreto”. Faz meses, mas só ontem comecei a ler (pra valer) o livro. E estou certo de que não me demoro em lê-lo, porque até agora só posso dizer que é surpreendente, contundente, excelente. Ainda nem terminei de ler, mas já recomendo a compra ou, no mínimo, a visita ao blog dos autores.

Deixando de lado a propaganda literária gratuita: fui surpreendido, no meio da minha leitura, com uma referência ao altruísmo nas doações de sangue – tema de recente post no Blog do Guri. E basta de explicações, porque melhor mesmo é ler o texto direto:

Nos anos 70, alguns pesquisadores conduziram um estudo que […] pôs em confronto um incentivo econômico e um incentivo moral. Neste caso, procurava-se aprender mais a respeito da motivação por trás das doações de sangue. O resultado mostrou que quando as pessoas recebem uma pequena remuneração para fazer a doação, em lugar de serem apenas elogiadas por seu altruísmo, a tendência é diminuirem as doações. A remuneração transformou um ato de caridade em um meio doloroso de ganhar alguns trocados, fazendo com que ele deixasse de valer a pena. E se aos doadores tivesse sido oferecido um incentivo de $50, $500 ou $5 mil? Certamente o número de doações teria aumentado drasticamente. Mas outra coisa também sofreria uma mudança drástica, pois todo incentivo tem seu lado negativo. Se um litro de sangue passasse a valer $5 mil, muita gente tomaria nota disso e talvez procurasse obtê-lo na ponta da faca. É possível que alguns tentassem fazer passar por seu o sangue de animais. utros talvez falsificassem a própria identidade para doar acima dos limites permitidos. Seja qual for o incentivo, seja qual for a situação, gente desonesta sempre tentará obter vantagens através dos meios. Ou, como disse W. C. Fields: algo valioso o bastante para ser desejado vale a pena ser roubado.

(DUBNER, Stephen; LEVITT, Steven. Freakonomics: o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta. Trad.: Regina Lyra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 24-25)

Cristianismo, capitalismo, comunismo: dois “case studies” bíblicos

Eu sou capitalista. Isso não significa que eu seja materialista ou consumista. Meus anseios de consumo são, aliás, bastante modestos. Contudo, não me consigo imaginar vivendo sob outro sistema econômico. Por mais injusto que seja, o capitalismo ainda parece ser o sistema que mais responde às inclinações naturais do homem.

Talvez eu pense assim por não ter nenhuma experiência de vida senão a capitalista. Talvez, alternativamente, não pudesse ser diferente – afinal, eu estudo Economia, e nesse meio raros são os casos de quem simpatiza com outro sistema. Uma terceira e última hipótese que explicaria meu posicionamento é a própria observação da realidade. Mesmo o comunista mais ferrenho deve admitir que, por mais nobre que seja o ideal comunista, ele nunca se verificou – ou, se se verificou, não se afigurou tão nobre quanto a encomenda.

Estando ou não convencido por meus próprios argumentos pró-capitalismo, a verdade é que os relAtos (engraçadinho isso: os relatos do livro bíblico de Atos) sempre me causavam certo desconforto. Nesse livro, sobretudo em seus primeiros capítulos, conta-se que os primeiros cristãos “tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade” (Atos 2:44-45). Eis o retrato do comunismo cristão. A pergunta é: cristianismo (puríssimo) pressupõe comunismo? Ou, em outras palavras: é possível ser cristão e capitalista? A prior, eu diria que não. Porém, depois de refletir um pocuo, é interessante organizar as idéias e sintetizar conclusões.

Pesquisando na Bíblia, cheguei à seleção de dois casos. O primeiro deles é de sucesso. Em Lucas 19, Zaqueu, chefe dos cobradores de impostos, humilha-se para ver Jesus e recebe-O em sua casa e também em seu coração. Acaba resolvendo doar a metade de seus bens aos pobres e devolver o quádruplo do dinheiro que tinha cobrado indevidamente. (Isso porque naquela época havia corrupção na cobrança de impostos!)

O segundo caso é de fracasso absoluto. Em Atos 5, o casal Ananias e Safira vendem uma propriedade e, em vez de entregarem o dinheiro todo aos apóstolos, retêm parte para si. Mas essa atitude foi percebida pelo apóstolo Pedro. Tanto Ananias quanto Safira, ao serem desmascarados, caíram mortos. Uma cena inimaginável, a não ser em filme de terror – mas na Bíblia é mesmo essa a forma com que os fatos são descritos: “[Pedro diz a Ananias]: ‘Você não mentiu aos homens, mas sim a Deus’. Ouvindo isso, Ananias caiu morto.” (Atos 5:4-5).

Ora, a diferença é clara. Zaqueu devia ser muito rico – era não só cobrador de impostos, mas chefe deles; talvez um dos homens mais abastados e importantes (e odiados) da cidade. Ao converter-se a Cristo, decidiu doar apenas metade dos bens. Mesmo depois disso e da restituição em quatro vezes do dinheiro extorquido, é provável que tenha continuado a ser bastante rico. Ananias e Safira, por sua vez, não deviam ser tão ricos quanto Zaqueu. Enquanto este pôde abrir mão do muito que possuía com magnanimidade, aqueles não tiveram verdadeira liberalidade nem mesmo para se desfazer do pouco de que dispunham. É claro que, além disso, tentaram ludibriar os apóstolos e o próprio Deus – o que, convenhamos, nunca é uma jogada muito esperta.

A posteriori, desconstruo minha impressão inicial e concluo que… ser capitalista (ou próspero) não é pecado. Ser avarento, ganancioso, mesquinho, sim – a Bíblia está cheia de advertências a respeito disso (Mateus 6:19-24, Marcos 10:17-23, Lucas 12:13-21). A vida é deve ser uma constante busca por Deus, e não por riqueza material. Nossas fortunas pessoais – das enormes às irrisórias – pertencem a Ele e, por isso, estão também a serviço do próximo, quando somos generosos. Afinal, o que os dois case studies demonstram é que, para Deus, não importa tanto o sistema econômico quanto os reais desígnios do coração humano.