Eu sou capitalista. Isso não significa que eu seja materialista ou consumista. Meus anseios de consumo são, aliás, bastante modestos. Contudo, não me consigo imaginar vivendo sob outro sistema econômico. Por mais injusto que seja, o capitalismo ainda parece ser o sistema que mais responde às inclinações naturais do homem.
Talvez eu pense assim por não ter nenhuma experiência de vida senão a capitalista. Talvez, alternativamente, não pudesse ser diferente – afinal, eu estudo Economia, e nesse meio raros são os casos de quem simpatiza com outro sistema. Uma terceira e última hipótese que explicaria meu posicionamento é a própria observação da realidade. Mesmo o comunista mais ferrenho deve admitir que, por mais nobre que seja o ideal comunista, ele nunca se verificou – ou, se se verificou, não se afigurou tão nobre quanto a encomenda.
Estando ou não convencido por meus próprios argumentos pró-capitalismo, a verdade é que os relAtos (engraçadinho isso: os relatos do livro bíblico de Atos) sempre me causavam certo desconforto. Nesse livro, sobretudo em seus primeiros capítulos, conta-se que os primeiros cristãos “tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade” (Atos 2:44-45). Eis o retrato do comunismo cristão. A pergunta é: cristianismo (puríssimo) pressupõe comunismo? Ou, em outras palavras: é possível ser cristão e capitalista? A prior, eu diria que não. Porém, depois de refletir um pocuo, é interessante organizar as idéias e sintetizar conclusões.
Pesquisando na Bíblia, cheguei à seleção de dois casos. O primeiro deles é de sucesso. Em Lucas 19, Zaqueu, chefe dos cobradores de impostos, humilha-se para ver Jesus e recebe-O em sua casa e também em seu coração. Acaba resolvendo doar a metade de seus bens aos pobres e devolver o quádruplo do dinheiro que tinha cobrado indevidamente. (Isso porque naquela época havia corrupção na cobrança de impostos!)
O segundo caso é de fracasso absoluto. Em Atos 5, o casal Ananias e Safira vendem uma propriedade e, em vez de entregarem o dinheiro todo aos apóstolos, retêm parte para si. Mas essa atitude foi percebida pelo apóstolo Pedro. Tanto Ananias quanto Safira, ao serem desmascarados, caíram mortos. Uma cena inimaginável, a não ser em filme de terror – mas na Bíblia é mesmo essa a forma com que os fatos são descritos: “[Pedro diz a Ananias]: ‘Você não mentiu aos homens, mas sim a Deus’. Ouvindo isso, Ananias caiu morto.” (Atos 5:4-5).
Ora, a diferença é clara. Zaqueu devia ser muito rico – era não só cobrador de impostos, mas chefe deles; talvez um dos homens mais abastados e importantes (e odiados) da cidade. Ao converter-se a Cristo, decidiu doar apenas metade dos bens. Mesmo depois disso e da restituição em quatro vezes do dinheiro extorquido, é provável que tenha continuado a ser bastante rico. Ananias e Safira, por sua vez, não deviam ser tão ricos quanto Zaqueu. Enquanto este pôde abrir mão do muito que possuía com magnanimidade, aqueles não tiveram verdadeira liberalidade nem mesmo para se desfazer do pouco de que dispunham. É claro que, além disso, tentaram ludibriar os apóstolos e o próprio Deus – o que, convenhamos, nunca é uma jogada muito esperta.
A posteriori, desconstruo minha impressão inicial e concluo que… ser capitalista (ou próspero) não é pecado. Ser avarento, ganancioso, mesquinho, sim – a Bíblia está cheia de advertências a respeito disso (Mateus 6:19-24, Marcos 10:17-23, Lucas 12:13-21). A vida é deve ser uma constante busca por Deus, e não por riqueza material. Nossas fortunas pessoais – das enormes às irrisórias – pertencem a Ele e, por isso, estão também a serviço do próximo, quando somos generosos. Afinal, o que os dois case studies demonstram é que, para Deus, não importa tanto o sistema econômico quanto os reais desígnios do coração humano.
Desculpem a ausência recente…Agora, temos de convir que estou em uma fase de postância com profundidade, o que é de certa forma inibido pela regularidade nas publicações. Em outras palavras, trata-se da oposição entre posts freqüentes-superficiais e posts profundos-mas-não-tão-freqüentes. Eu e minhas justificativas. Mas elas convencem ao menos a mim mesmo, e por isso estou feliz! 😀
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Martin, Martin…!Quanto à comunhão de bens dos primeiros cristãos, vale lembrar da tradição romana: quem não adorasse os deuses familiares não era da família, ou seja, não tinha direito nem à roupa do corpo. Como isso foi massivo (entre romanos e judeus, uma vez que também foram renegados por suas famílias), os que possuíam algo acabavam por vender para não deixar perecer os membros da família da fé.Depois eu continuo. Abraço!
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Quanto a este assunto, as passagens mais polêmicas, pelo menos pra mim, são a do jovem rico e a das duas túnicas.
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Acho que eu não seria capaz de um comentário digno da profundidade do post, mas concordo que não há vergonha nenhuma em ser bem sucedido. Trabalha-se a vida toda para ter algum conforto, poder desfrutar das maravilhas da vida que o próprio Deus colocou no mundo, então isso não pode ser pecado. O problema está em ter sucesso as custas de outra pessoa, tirando desta também o seu direito a desfrutar das mesmas maravilhas.E, claro, se há a oportunidade de auxiliar aqueles que, por um motivo ou outro, não tiveram a mesma “sorte”, por que não?! Isso só faz bem :)Acho que me fiz entender 😛
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Sami: nada como alguém com uma perspectiva histórico-teológica para enriquecer este blog! :DBruno: a história do jovem rico está na seleção de textos que citei (advertências, no último parágrafo). Da passagem das duas túnicas eu não tinha lembrado… mas também vale, claro!Sandrine: o que não vale é dizer que não seria capaz de fazer um comentário à altura (à profundidade?!) do post e depois… fazer! 😛 É isso aí: não reprovei especificamente o sucesso às custas de outras pessoas, e talvez não tenha nem ficado implícito… valeu! 🙂
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