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Bye Bye, Budapest: triatlo na Ilha Margit

O último dia da Expedição 2015 em Budapeste foi de arrancar lágrimas de nostalgia: céu perfeitamente azul, temperatura ideal e um passeio agradável e tranquilo.

Nada mais apropriado para se despedir de Budapeste – sem causar ciúme nem a Buda nem a Peste – que passar o dia na Ilha Margarete ou Margit (Margit-sziget), que fica no meio do Danúbio (mapa) e, portanto, não é propriamente nem Buda nem Peste!

A parte do triatlo, no título do post, é só brincadeira. Não fizemos triatlo nenhum. Mas quase: andamos de bicicleta, caminhamos bastante (mas não corremos…) e nadamos. 😀

Começamos o dia com um brunch húngaro reforçado no Művész Kávéház (mapa, website em Húngaro, facebook), na chiquérrima Avenida Andrássy, 29. Como (estranhamente) não tirei foto lá, o Művész acabou ficando de fora do post sobre cafés e restaurantes de Budapeste. Foi inaugurado em 1898, em estilo Neo-Renascentista, e restaurado em 2008. Quase em frente à Ópera, é mais um dos muitos cafés elegantes da época, como o New York Café e o BookCafé.

Depois do Művész, passamos um tanto de dificuldade e perdemos um tempinho tentando alugar uma segunda bicicleta do sistema de compartilhamento MOL Bubi usando o aplicativo de celular. Teria sido mais fácil e rápido ir logo até a máquina disponível na Déak Ferenc ter, como afinal fizemos – e em um minuto ambos tínhamos bicicletas alugadas!

Fomos pedalando pelo centro de Peste, passando pelo Parlamento, até a Ponte Margit (Margit híd). A ponte em T liga Buda e Peste, e também permite descer na Ilha Margit, no Danúbio.

Danúbio e o lado Buda da Ponte Margit

A partir do século XI a Ilha Margit foi ocupada por diferentes ordens religiosas. Vimos lá importantes ruínas medievais: da igreja e do convento dominicanos, do século XIII, e da igreja franciscana em estilo gótico, do século XIV. No convento dominicano viveu a Princesa Margit, filha do Rei Béla IV, na segunda metade do século XIII; a ilha acabou recebendo o nome da princesa. Os religiosos abandonaram a ilha em meados do século XVI, para fugir da ocupação dos turcos, que destruíram as construções. Só no século XIX as ruínas foram reencontradas.

A ilha foi aberta ao público em 1869 e hoje é um grande parque, com gramados, muita um jardim japonês, um roseiral, hotéis-spas, um complexo esportivo e, claro, banhos termais.

Na entrada sul da ilha, o chafariz e, ao fundo, o monumento ao centenário da unificação de Buda e Peste (comemorado em 1973)

Um dos belos jardins

Detalhe do roseiral

O grande gramado do centro da ilha – e nenhuma nuvem no céu espetacularmente azul!

Almoçamos no restaurante aos pés da Torre da Caixa d’Água e depois, subimos seus 57 metros. A torre foi construída em 1911 e hoje funciona como espaço para exibições artísticas, além de oferecer vistas incríveis da ilha e da cidade.

Não é uma foto panorâmica, mas ao longe se podem ver alguns marcos da cidade. Da esquerda para a direita, temos a cúpula da Basílica e outros prédios do centro de Peste, o Monumento à Libertação no alto de Gellért Hill, a cúpula do Parlamento e o Castelo de Buda.

Superzoom: o Parlamento, em Peste, e o Castelo, em Buda

Por fim, depois de andar de bicicleta e caminhar pela ilha, fomos nadar na Praia Palatinus (Palatinus Strandfürdő, mapa, website em inglês). Há 11 piscinas , todas externas, incluindo uma de ondas e outra com toboáguas. O movimento tranquilo no dia em que fomos (início de temporada) permitiu que aproveitássemos bastante. Desci os quatro toboáguas!

Deu um aperto no coração encerrar o agradável dia no Palatinus, mas, como se vê nas últimas fotos, a tarde estava caindo… Alugamos bicicletas para voltar a Peste, jantar pela última vez em alto estilo húngaro (no Callas, com música ao vivo), voltar ao apartamento e fechar as malas, para partir cedo da manhã no dia seguinte de volta para as Américas.

Voltamos com a bagagem cheia de nostalgia. A Expedição 2015 foi um sucesso absoluto.

Os gêmeos Barolo e Salvo, separados pelo Río de la Plata

Visitar outros lugares, pra mim, é coisa séria. Se viajo para passear, retorno invariavelmente mais exausto que na partida, por causa da intensidade dos passeios. Se viajo por outro compromisso, retorno exausto por causa do compromisso — e da intensidade dos passeios nas horas vagas! Acordar cedo, caminhar muito, fazer um lanche ou pular uma ou outra refeição (o que não quer dizer deixar de comer naquele restaurante legal!), dormir tarde. A lógica é: se quiser descansar, vou para um spa ou resort. O que nunca fiz, claro.

Ainda assim, sempre acabo com vontade de voltar, mesmo para rever o que já vi (nostalgia…), ou para ver um ou outro lugar que não tive tempo de ver. E o verbo “ver” aqui se lê como ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar. Qualquer experiência sensorial vale. Aliás, emocional também.

No caso da minha última viagem a Buenos Aires, o gostinho de quero mais ficou por conta do Palacio Barolo, na Avenida de Mayo. O edifício já tinha chamado minha atenção quando fui a Buenos Aires pela primeira vez, em 2007.

Torre do Palacio Barolo, quando a fotografei em 2007, numa linda tarde de verão em Buenos Aires

Em 2012, fui pela primeira vez a Montevidéu. Lá foi o Palacio Salvo que me chamou a atenção, não só por ser um edifício de 27 andares (95 metros) em plena Plaza Independencia, coração de Montevidéu, mas também por me parecer familiar. “Eu já te vi em outro lugar…”

Palacio Salvo, em Montevidéu, 2012

Torre do Palacio Salvo, Montevidéu, 2012

A semelhança não é mera coincidência: os edifícios foram desenhados pelo mesmo arquiteto, Mario Palanti, italiano radicado em Buenos Aires. O Palacio Barolo foi inaugurado em 1923 em Buenos Aires; o Palacio Salvo, em 1928, em Montevidéu.

Palacio Barolo foi o primeiro edifício construído em concreto armado na Argentina. De um estilo arquitetônico único (formado de uma mescla de vários!), faz diversas referências à Divina Comédia de Dante Aliguieri. O andar mais alto (22º) oferece uma vista para toda Buenos Aires, com destaque para o Congresso e a Casa Rosada (em extremos opostos da Avenida de Mayo).

visitas guiadas, tanto diurnas quanto noturnas, do que infelizmente só fiquei sabendo depois de ter ido embora… Vou pré-agendar essas visitas para a próxima ida a Buenos Aires!

Palacio Barolo e a Avenida de Mayo no inverno de 2014

Belle époque sobre trilhos subterrâneos

Em 1913, após dois anos de escavações e construções, foi inaugurada a Línea A do subte, o metrô de Buenos Aires. Assim surgiu a primeira linha de metrô da América Latina e do hemisfério austral, apenas alguns anos depois do underground (tube) de Londres, do métro de Paris, do U-Bahn de Berlim e do subway de New York City.

Entre os primeiros trens usados no subte estavam os fabricados na década de 1910 pela empresa La Brugeoise, na cidade de Bruges, Bélgica. Os vagões tinham revestimento e bancos de madeira, luminárias em forma de tulipa, portas com abertura manual.

Quando fui a Buenos Aires pela primeira vez, em 2007,  fiquei deslumbrado que esses trens centenários ainda circulassem na Línea A. Tive a oportunidade de andar neles algumas vezes. Era um passeio ao início do século XX. A penumbra dos vagões ainda exalava a nostalgia da belle époque porteña, em que Buenos Aires era conhecida como a París de Sudamérica.

Ao voltar a Buenos Aires em 2014 e novamente andar na Línea A do subte, senti falta das “Brujas”, como são conhecidos os trens, por causa do nome espanhol (Brujas) da cidade belga (Bruges) onde eram produzidos. Como “bruja” também quer dizer “bruxa”, ficou o trocadilho.
O que eu não sabia é que em 12 de janeiro de 2013 houve uma caça às bruxas: os centenários trens, então os mais antigos em operação no mundo, foram tirados de circulação.

A ideia, naturalmente, era modernizar o sistema, mas, também naturalmente, houve oposição e polêmica. As Brujas foram formalmente declaradas patrimônio histórico e cultural da cidade de Buenos Aires. Algumas estão sendo restauradas e voltarão a circular, mas fora de serviço, apenas para passeios turísticos em finais de semana. Em 2014 já se fizeram alguns testes com Brujas cujos componentes eletromecânicos foram restaurados e modernizados.

Até que os trens de metrô mais antigos do mundo voltem a circular, ficamos só na nostalgia…

Alguns links recomendados, para quem quiser ler ou ver mais:

  • A revista Perfil e a BBC prepararam galerias de fotos com a história do subte, incluindo a construção e os primeiros anos de operação.
  • Mais leituras e fotos sobre o Taller Polvorín, construído em 1914 pela Compañía de Tranvías Anglo-Argentinas como lar para os trens da Línea A, então chamada de Línea Anglo-Argentina.

Noche de milonga: um autêntico baile de tango

Minha viagem a Buenos Aires incluiu uma experiência deslumbrante: ir a uma autêntica milonga (baile de tango), numa imersão no tango, sua beleza, sua paixão e sua riqueza cultural, o que inclui seu código de etiqueta mui particular e romântico. (Foi muito além do trabalho e dos passeios-repeteco relatados no post anterior.)

Minha amiga Joe e eu entramos em contato com meu hermano Enrique e sua novia Lucrecia (que eu ainda não conhecia pessoalmente) para combinar um encontro em algum momento. Minha sugestão, por WhatsApp: “Podemos ir a un sitio de tango que elijan ustedes, porque nos gustaría verlos bailar tango. Ver a ustedes. No bailaríamos nosotros, por motivos obvios.” (Para quem não acha que os motivos sejam tão óbvios assim: infelizmente não sei dançar tango!)

Então eles nos levaram a El Beso, a milonga onde se conheceram e (também por isso) gostam de voltar às vezes. Antigamente, no mesmo local funcionava um cabaret.

InstaBeso: El Beso, Milonga de Los Domingos.
Domingo 22 Hs.
Riobamba 416, 1er Piso, Bs. As.
Reservas: 4953 2794.

Chegamos pouco antes das 22h, ainda cedo para padrões argentinos (não era tarde, mesmo, mas a Joe e eu estávamos cansados de caminhar todo o dia!). A gerente da milonga, conhecida de meus amigos, explicou que estava terminando uma aula de tango no salão. Ficamos conversando (e espiando um pouco a aula) enquanto esperávamos e, assim que terminou, buscamos uma mesa para quatro.

Aos poucos o salão foi ficando mais cheio. Os homens se sentavam de um lado e as mulheres, de outro — quer dizer, isso entre os indivíduos avulsos, porque os casais que foram juntos, para dançar sempre um com o outro, sentavam também juntos.

E então começou o ritual, detalhadamente explicado a cada etapa por Enrique e Lucrecia. Ele dança tango há bastante tempo e, quando viajou pelo exterior, chegou a dar aulas para ajudar no orçamento. Ela, além de ser muy amable e ter uma didática excelente, é bailarina profissional. A especialidade dela é dança contemporânea; para ela, tango é diversão, válvula de escape, e não trabalho. Ambos archi-requete-contra argentinos.

Os homens, sentados de um lado, observam o ambiente e silenciosamente metralham olhares para as mulheres, sentadas de outro lado. Quando a luz dos olhos de um deles encontra a luz dos olhos de uma delas, o homem convida a mulher para dançar, com um simples gesto, inclinando cordialmente a cabeça: é o cabeceo. Para aceitar o convite, a mulher também faz o cabeceo olhando para o homem; para rejeitar, simplesmente desvia o olhar. Tudo muito discreto, sem constrangimentos. Somente se a mulher aceita o convite é que homem pode ir buscá-la para bailar — e pode confiar que não será rejeitado.

Uma pareja assim formada dança não só uma música, mas toda uma tanda, que normalmente se compõe de três ou quatro músicas tocadas em sequência. Numa mesma tanda, o estilo das músicas é um só: ou tango (mais lento, dramático, passional), ou milonga (mais rápido e animado, normalmente em 2/4) ou vals (mais lento, em três tempos, como a valsa).

Não se começa a dançar logo no início de cada música: há uns 15 ou 20 segundinhos de conversa entre as parejas. “Essas parcelas de minuto são todo o tempo que el varón tem para conhecer la mujer, dar-se a conhecer e, afinal… conseguir o número de telefone dela,” explicou o Enrique, rindo.

Deu certo no caso de Enrique e Lucrecia. Eles se conheceram ali, no El Beso, uns quatro anos atrás. Claro que depois veio o tempo de fortalecer o relacionamento, conviver, conhecer família e amigos de um e de outro… Mesmo assim, foi na milonga que surgiu a primeira faísca. Hoje estão noivos, de casamento marcado para 2015!

O convite do homem é para toda uma tanda, não só para uma música. A mulher que não honra o convite e abandona o homem na pista no meio de uma tanda comete uma ofensa bastante grave, que só se justifica se o homem dança muito mal (pisou no pé dela ou não soube llevarla, conduzi-la) — ou se ele se comportou mal, por exemplo, colocando a mão onde não deveria!

Créditos da foto: Joe (Fernanda Botelho dos Santos)

Entre uma tanda e outra, há a cortina: toca-se uma música nada a ver, de outro estilo (nem tango nem milonga nem vals). É o intervalo para que as parejas saiam da pista e voltem às suas posições iniciais: homens metralhando olhares silenciosos em direção às mulheres… é lindo.

Antes de irmos embora, ainda fomos brindados com uma apresentação de tango escenario, que é aquele mais coreográfico (e às vezes até acrobático!) que se vê nos shows mais turísticos.

Créditos da foto: Joe (Fernanda Botelho dos Santos), com edição minha

Mi Buenos Aires querido

Mi Buenos Aires querido,
cuando yo te vuelva a ver,
no habrá más penas ni olvido.

Demorou uns sete anos, mas enfim volvi a ver mi Buenos Aires querido na semana passada. Tudo começou com um seminário sobre Direito Internacional do Investimento Estrangeiro realizado pela Fundação Friedrich Ebert. Minha chefe não pôde ir, então fui eu, com direito a apresentar uma corajosa palestra sobre arbitragem investidor-Estado — em castellano!

Vista do NH City & Tower Hotel

Foram dois dias de trabalho e dois de passeio que pareceram duas semanas de cada. Além do proveito profissional, extraí da viagem um proveito social impressionante para tão pouco tempo. Conheci pessoalmente um professor, o Bira, e uma colega de trabalho canadense, a Sabrina, com os quais só tinha tido contato virtualmente. Revi meu hermano argentino, Enrique, e conheci sua querida noiva, Lucrecia (em breve, mais uma viagem matrimonial internacional!). Tive uma inesperada reunion do Mestrado na NYU com uma ex-colega argentina, Veronica, e uma ex-colega grega, Theano.

E no sábado chegou minha amiga Joe para nossos passeios intensivos pela cidade! Claro que, sendo a primeira visita dela a Buenos Aires, fizemos diversas atividades turísticas que para mim foram repetecos:

  • Caminhar pela Avenida de Mayo, observando a arquitetura e passando por (e parando em) livrarias, cafés, galerias

Buenos Aires ou Paris?

  • Atravessar a Avenida 9 de Julio, em um só sinal aberto (ou seja, correndo muito)

Lado norte do edifício do Ministério de Obras Públicas, com o retrato de Evita Perón (vista do meio da Avenida 9 de Julio)

  • Entrar na Catedral Metropolitana e visitar o mausoléu de San Martín

O mausoléu do General José Francisco de San Martín

  • Ir à Plaza de Mayo e pedir a um estranho que tire a clássica foto com a Casa Rosada

A foto não teria como ficar boa, porque, enfim, estranhos não tiram fotos boas

  • Caminhar pela Calle Florida e entrar nas Galerías Pacífico para tirar foto do teto e comer um sorvete de doce de leite Freddo

Uma foto das Galerías Pacífico, mas que não seja do teto!

  • Seguir da Florida até a Torre de Los Ingleses e a Estación Retiro Mitre

Estación Retiro + Joe Carmen Miranda + Torre de los Ingleses

  • Caminhar pela Feria de San Telmo e [cogitar] comprar souvenirs para meio mundo

A Feria de San Telmo parece que não termina nunca

  • Ir até La Boca só para ver uma ruela colorida, a Calle Caminito

Uma foto de Caminito que não seja de casas multicoloridas

  • Ir a Puerto Madero e tirar uma foto da Puente de la Mujer

Puerto Madero e Puente de la Mujer

  • Ir até o Obelisco e depois afastar-se o suficiente para conseguir tirar uma foto dele

Soy el falo mayor de Buenos Aires,
puedo ser tierno, engañador o arisco,
vivo de amor y por amor me muero
soy un amigo gamba: El Obelisco.

  • Visitar o Jardín Japonés

Jardín Japonés de Buenos Aires

Repetecos, mas não desagradáveis, porque (1) pessoas nostálgicas gostam de reviver experiências e porque (2) tudo fica bem em boa companhia. (Não tem como não se divertir com a Joe. Depois da clássica selfie na frente da Casa Rosada, o pedido dela foi: “Tá, antes de postar no Instagram, coloca um filtro aí que me deixe parecida com a Shakira.”)

Num próximo post, conto sobre as atividades turísticas que não foram repeteco… #suspense

De spam à biblioteca ao suicídio à arquitetura

Confesso que hesitei antes de pôr em prática, logo no primeiro post substancial após quatro meses mudos, a ideia de escrever um texto que tocasse em assuntos não muito agradáveis, como “spam” e “suicídio”. Depois percebi que poderia suavizar a coisa ao tratar, no mesmo texto, de “biblioteca” e “arquitetura”.

Foi com a frustração de um amigo arquiteto (oi, Mateus Coswig!) com minha “publicação para anunciar publicação” que afinal decidi escrever o texto. (Para não deixar dúvida: tomei a decisão porque ele é arquiteto e um pouco porque suponho que goste de bibliotecas; não porque [eu / ele] goste de spam ou suicídio.)

Spam já foi assunto aqui no blog há cinco anos. Aliás, virou categoria de (seis) posts, numa época em que eu recebia (de mim mesmo, aparentemente!) misteriosas mensagens bíblicas por e-mail. Agora tenho até saudade daquele devocional esquisito de que passei a gostar.

Spam é um dos objetos do meu excesso de zelo. O Gmail apaga automaticamente os e-mails não resgatados da caixa de spam depois de 30 dias do recebimento, mas eu não deixo isso acontecer. Cada dia dou uma olhadinha. Em dois ou três segundos leio as linhas de assunto, para me certificar de que o filtro de spam não pegou nada importante. Já encontrei e-mails que deveriam ter ido para a caixa de entrada; bastou para me fazer pensar que o zelo vale a pena. Na maior parte das vezes, não há nada mesmo de importante ali, porque o filtro é bastante bom, como a maioria das coisas no Gmail. (Não, a Google não me paga.)

Ao resgatar do silêncio este blog, aproveitei para limpar seu filtro de spam dos comentários. Havia centenas de comentários no filtro. Todos eram spam. Mas um deles, mesmo sendo spam, era interessante. Chamou minha atenção porque dizia respeito à Bobst.

A Elmer Holmes Bobst Library, ou simplesmente Bobst, é a biblioteca central da NYU. Nela eu muitas vezes estudei para o Bar Exam, o exame da ordem de advogados do Estado de NY. No verão de 2010 eu escrevi sobre essa rotina e compartilhei uma foto do “dilema Bobst”: um montão de coisas para estudar versus o convite ao verão em NYC.

Houve também o post em que contei sobre o dia em que achei que o elevador da Bobst cairia comigo dentro, mas aí já me excedi nas divagações nostálgicas.

Foi junto a um terceiro post, The Bobst Mysteries, que apareceu o comentário spam interessante. Ali eu tinha escrito sobre três aspectos que me intrigavam na seguinte foto, tirada do décimo andar da Bobst, olhando para baixo sobre o grande átrio central.

We are PEOPLE not PROFIT. Bobst.

Não carece repetir a história toda; só uma partezinha. O terceiro fator intrigante era o formato de cruz de cada haste da grade de proteção:

Por incrível que pareça, há quem consiga não se sentir suficientemente encorajado pelo vidro de mais de dois metros de altura e pelas grades a ficar com os pés firmes no corredor-galeria e a desistir da ideia de aprender a voar. Seria coincidência o formato das hastes das grades?

Eis que o comentário spam interessante dizia o seguinte (traduzo do inglês):

Não sabia onde postar isto, acabo de encontrar teu blog hoje e saí pela tangente. Encontrei isto: “Fato interessante sobre a biblioteca da NYU: quem para no último andar (lado Sul) e olha para baixo não mais sente vontade de se matar. Foi propositalmente planejado para reduzir [o número de] suicidas que pulam dali. As pontas das grades de metal de cada andar foram projetadas para parecerem cruzes, enquanto o piso foi projetado para parecerem espigões [coisas pontiagudas, “spikes”] à distância. Foi, é claro, inspirado na obra “Depth” [“Profundidade”], de M.C. Escher.”

(Essa obra “Depth“, que eu não conhecia, deve mesmo ter servido de inspiração para o piso do átrio da biblioteca.)

O comentário spam fez referências muito mais explícitas que as minhas aos suicídios ocorridos na Bobst. Foram três. Os dois primeiros foram em setembro e outubro de 2003. Do terceiro eu me lembro. No dia 3 de novembro de 2009, faltando um mês para o fim do meu primeiro semestre de mestrado, li de boca aberta o e-mail circular do presidente da NYU: “É com grande pesar que devo informá-los da morte de um aluno, esta manhã, na Bobst.”

Em 2012, a NYU encomendou de um estúdio de arquitetura uma reforma para dificultar essas manobras. A solução foi separar as galerias do grande átrio com telas de alumínio perfuradas num padrão que imita uma “chuva de pixels”. O resultado dessa reforma eu ainda não vi (nem, portanto, fotografei); apenas conferi a cobertura feita por um blog do NY Times, que inclui várias fotos. A página do estúdio de arquitetura tem outras fotos, muito boas (é só seguir o caminho Projects > Institutional > Academic > NYU Bobst Library).

Numa rápida googlada, acabei encontrando o texto do comentário spam, nas mesmas palavras, no site New York Architecture, com fotos e textos sobre diversos prédios de NYC.

Como e por que esse comentário spam foi, muito apropriadamente, aparecer no post em que eu comentei sobre as hastes em formato de cruz? Assim surge mais um Bobst Mistery.

Gringo pode cantar em português

O texto de ontem e o contexto de um coro no Brasil aprendendo a cantar em inglês arcaico me fizeram lembrar, nostalgicamente, da experiência inversa que tive ao ensinar um coro nos Estados Unidos a cantar em português corrente.

O domingo 19 de setembro de 2010 foi um dia de despedidas difíceis em uma semana de despedidas difíceis, logo no início da minha transição de NYC para Genebra. No meu último culto na City Grace Church naquela temporada, como contei neste detalhado post,

Os pastores anunciaram que eu estava indo embora para Genebra, contaram histórias sobre minha participação na comunidade no último ano, e oraram por mim. Ganhei um CD especial de fotos, um bolo de despedida e agradecimento, e uma quantidade atipicamente grande (mas de forma alguma inapropriada) de abraços.

O que eu não contei foi que, no mesmo culto, um quinteto formado pelos amigos Dana (soprano), Christine (alto), Kyle e Ryan (tenores) e Naoki (baixo) apresentou, acompanhado pelo amigo Lee (piano) e por mim (flauta-doce), duas músicas que preparamos: Em Memória de Mim e Pescador. Em português. Detalhe: ninguém do quinteto sequer fala português.

Os três ensaios (só três!) que antecederam essa apresentação foram divertidíssimos.
Em Memória de Mim virou “Aim may-MAW-ree_ah gee MEEM“; Pescador virou “Pays-cah-DOOR“.
Acho que orientei meus amigos bastante bem quanto à pronúncia — mas o mérito maior, sem dúvida, foi deles, que foram muito dedicados e desempenharam muito bem.


Em memória de mim
Buryl Red

Em memória de mim, comei
Em memória de mim, bebei
Em memória de mim, orai
Que seja feita a vontade de Deus

Em memória de mim, sarai
Em memória de mim, reparti
Em memória de mim, abri
A porta para o irmão entrar, ele entrar

Pão, nele vos consolai
Vinho, lembrai-vos também
Que este é meu corpo e meu sangue
Que dei por vós, dei por vós

Em memória de mim, pelejai
Em memória de mim, sempre amai
Em memória de mim, buscai a Deus
No coração, não no céu,
No coração, buscai
Sempre em memória de mim

Grand Canyon

Já fui a tantos lugares tão distantes… Quase caí Grand Canyon abaixo, mas nem cheguei perto do Itaimbezinho. Conheci Montreal, mas Montevidéu, não. Já entrei em catedrais góticas, mas nunca estive nas ruínas das Missões Jesuíticas… Se ver o mundo é preciso, também é preciso aprender a apreciar o que está próximo.

Foi o que escrevi por aqui em 2006. Continuo tendo a mesma percepção e o mesmo gosto por ver o mundo e viajar, para perto ou para longe. Poderia dizer que nos últimos sete anos aumentei um tanto a lista de lugares visitados (como evidencia a categoria viagens) – mas prefiro dizer, sob outra perspectiva, que risquei mais alguns nomes da lista dos lugares a visitar.

Há um ano, fui a Montevidéu, como contei aqui (com fotos aqui). Ao Itaimbezinho fui há três meses. Ainda não contei dessa viagem aqui, mas devo fazer isso em breve! Antes disso, pensava em contar da ida ao Grand Canyon em 2005 (antes de existirem blog do Guri e martinbrauch.com).

Ontem uma colega retornou de férias. Esteve no Grand Canyon, contou suas impressões, falou que se lembrou de mim (porque eu tinha comentado com ela sobre minhas impressões) e me deixou nostálgico. Era o gatilho que faltava para mostrar fotos e escrever sobre o Grand Canyon.

Começo pelas fotos, para dar uma ideia inicial da coisa. Um buraco bem grande. Nada mais. Será?

Como diria minha irmã, “se for pra cair, te atira”
(Créditos desta foto para minha irmã Lucila;
quanto às outras, não sei mais se são minhas ou dela)

Inverno no canyon: gelo pelas beiradas

Uma vista geral do canyon num bom momento do céu

Outra vista geral do canyon, céu ainda colaborando

Os rasgos do leito do Rio Colorado

Não resisti e recuperei meus e-mails de 2005 (viva o Gmail!) para ver o que escrevi a amigos por aqueles dias. A um, escrevi: “GRAND CANYON: em maiúsculas porque é muito GRAND mesmo; é incrível!”. E a outro: “É maravilhoso, fenomenal, indescritível. Parece que Deus o fez só pra ficarmos babando.” Ontem, por coincidência, minha colega que esteve por lá também falou em Deus: “Se eu tivesse dúvidas de que Ele existe, depois de ver o Grand Canyon não teria mais.”

Cheguei a lacrimejar de emoção ao ver o filme sobre o Grand Canyon no IMAX do próprio Grand Canyon. Disse isso à minha namorada à época e ela não entendeu; achou que era bobagem, exagero. Incompreensão total. (Depois dizem que homens são insensíveis. Beh.)

Depois da visita ao Grand Canyon, minha irmã e eu voltamos a San Diego, onde ela e o marido moravam. Lembro que reli o Evangelho de João (o mais poético) praticamente numa sentada. Minha irmã comentou comigo que meu cunhado tinha chegado a dizer a ela, todo preocupado, “acho que teu irmão está entediado”. Não consigo evitar o riso quando me lembro da história.

Nem exagero nem tédio. O esplendor da natureza do Grand Canyon não me fez pensar em erosão (!): me fez pensar em Deus. Nenhum outro lugar me fez sentir tão pequeno e tão dependente dEle. Foi uma experiência ou lição de humildade (a humbling experience) diante do divino.

Meu blog, minha vida

Criei a página martinbrauch.com no facebook, por onde vou canalizar os textos que publico aqui. Também atualizei a versão do WordPress do site. Reorganizei as categorias, como se pode ver na lista à direita. E enfim concluí e incluí as informações do autor e de contato – o menu “SOBRE”.

À medida que realizei essas tarefas ao longo do final de semana, revi (ainda que superficialmente, em alguns casos) cada um dos mais de 400 textos publicados neste site. Em dois dias, revivi os últimos sete anos. Relendo os textos, eu me senti exatamente como me sentia quando os escrevi. A experiência foi, ao mesmo tempo, emocionante e assustadora (eu não esperava por ela).

A alegria e a expectativa após ser aprovado para o Mestrado na NYU. A angústia de não conseguir uma bolsa de estudos. As delícias de viajar e conhecer outros mundos. Minhas características constantes: a busca pelo artístico (a Fotografia, a Música), a reflexão, a crítica, a nostalgia.

Todos os registros escritos confirmam quem sou. Eu agora sou essencialmente o mesmo que sempre fui; agora apenas conheço melhor a minha essência (e agora mais) (e agora ainda mais). E reconheço no exercício de manter um blog uma ferramenta útil para o autoconhecimento.

Sim, os textos que escrevi e publiquei contam a respeito de quem sou e de meus sentimentos em tempos específicos. Mas há também um aspecto não tão trivial: os textos que não escrevi também contam sobre mim e sobre o que vivi. O silêncio, no meu blog como na Música, pode ser solene e significativo. Os intervalos silenciosos (normalmente seguidos de pedidos de desculpas aos leitores!) até resultaram, em alguns casos, de falta de tempo para escrever, mas, em regra, corresponderam aos meus momentos de maior ansiedade, num sentido bem autodestrutivo.

Por fim, rever os 400 posts e reviver os sete anos também me fez lembrar da minha motivação primeira para começar um blog: escrever pelo gosto de escrever. Comunicar “porque sim“, nos termos do primeiro post publicado. Hoje eu também poderia dizer: escrever simplesmente pelo bem de produzir conteúdo original, num mundo cada vez mais (mal-)acostumado a não produzir, mas apenas replicar, em suas diversas formas: encaminhar, retweetar, compartilhar.

Woody Allen (New York) State of Mind

Num desses meus acessos de nostalgia nova-iorquina, comecei uma maratona para assistir aos filmes de Woody Allen, especialmente os ambientados em Nova Iorque, desde os mais antigos.

Comecei com Annie Hall (1977) e depois vi Interiors (1978) e então Manhattan (1979) e em seguida Stardust Memories (1980) e também A Midsummer Night’s Sex Comedy (1982) além de Broadway Danny Rose (1984) e ainda The Purple Rose of Cairo (1985). Recomendo todos: alguns mais (Broadway Danny Rose, além dos óbvios); outros, menos (Stardust Memories).

Ainda há muitos na lista do IMDB e a lista segue aumentando. O mais recente, Blue Jasmine (2013), nem estreou ainda no Brasil e outro ainda sem título já está sendo filmado. Woody Allen é muito produtivo e começou com vantagem (antes de eu nascer!), mas um dia eu o alcanço.

Toda quarta-feira de manhã, a rádio WQXR convida os ouvintes a votar na música que gostariam de ouvir ao meio-dia. As três opções de hoje faziam parte da trilha sonora de algum filme de Woody Allen: o Quarteto de Cordas número 15 de Schubert (do filme Crimes and Misdemeanors, 1989), Rhapsody in Blue de George Gershwin (do filme Manhattan, 1979) e o Concerto para Cravo BWV1056, de Bach (do filme Hannah and Her Sisters, 1986).

Curiosamente, eu já tinha me programado para ver Hannah and Her Sisters hoje à noite: mais um nova-iorquino, é o próximo filme da lista. Por isso, e também um pouquinho por gostar um pouquinho de Bach, votei (e olha que não costumo votar nesse tipo de coisa) na última opção.

E é claro que minha escolha não foi a da esmagadora maioria, que pediu Rhapsody in Blue:


Resultado previsível. O público da WQXR, majoritariamente nova-iorquino, escolheu a música de Gershwin só porque ele também é nova-iorquino. Assim como Woody Allen é nova-iorquino. Gente bairrista esses nova-iorquinos.

E com toda a razão.