Encanto arranhado

Ontem, a caminho da parada de ônibus, fiquei sabendo que os ônibus não circulariam todo o dia. Paralisação. Poucos dias depois de ter ficado sem carteira nem carro e de ter escrito o seguinte:

[S]ou superpró-ônibus, desde que não esteja superlotado. É bem mais sustentável e bem menos estressante que enfrentar o trânsito sozinho. Leio, ouço música, até escrevo. Foi o que consegui fazer hoje. Vamos ver quanto tempo dura o encanto.

A paralisação me forçou a enfrentar uma corrida de táxi de 60 minutos e 33 reais para chegar ao trabalho. O encanto ficou um pouco arranhado depois dessa, mas não desistirei.

Primeiro, porque ir ao trabalho todos os dias de táxi seria impo$$ível.

Segundo, porque o problema não é o ônibus como meio de transporte – é a impossibilidade de depender exclusivamente do ônibus, por causa do descaso público quanto ao transporte público.

Terceiro, porque tenho uma dorzinha moral quando uso o transporte individual. Usar o carro pode até ser mais cômodo e econômico para mim, mas impõe custos sociais que eu poderia ajudar a evitar: o trânsito, a poluição (sonora, atmosférica) e a emissão de gases estufa, principalmente.

Aliás, tenho dúvidas se usar o carro é mais cômodo. Dirigindo, não posso ler nem escrever. Digo sem orgulho que escrevo, mesmo assim, mas cuidando para apenas digitar rapidamente no celular enquanto espero um sinal verde – e, mesmo com esse cuidado, assumo conscientemente o risco de uma multa. Dirigir na cidade é tempo improdutivo e estressante. Comodidade há, mas até ali.

Também tenho dúvidas se usar o carro é mais econômico: combustível, estacionamento, seguro (que não custa pouco para um carro modesto de um guri solteiro em uma capital cara e com alto índice de furtos e roubos), IPVA e outros tributos, manutenção, lavagens, consertos eventuais, o preço pago pelo próprio carro, a depreciação do carro e a economia necessária para a compra de outro quando o atual deixar de andar bem e tiver de ser trocado (senão antes). Se colocar tudo na ponta do lápis (leia-se “planilha”), o custo não cobre nem a (questionável) comodidade do carro.

2 ideias sobre “Encanto arranhado

  1. Pingback: Repensando necessidades | Martin D. Brauch

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