Quase não recebo cartas. A maioria das contas a pagar vem por e-mail ou são debitadas na conta bancária. Não tenho assinatura de nenhuma revista atualmente. Mesmo assim, sempre que abro minha caixa de correio, está cheia.
Tiro tudo de dentro dali e faço a triagem de um amontoado de irrelevância: folhetos, ímãs de geladeira, panfletos, cupons, jornalecos ou revistinhas institucionais e outras formas de propaganda. Acabo resgatando um ou dois envelopes do meio de um montão de quinze ou vinte ou oitenta papéis. A maior parte da pilha vai para a lixeira convenientemente instalada ao lado da caixa de correio. (Prefiro nem pensar muito no alto risco que corro, ao fazer a triagem com pressa e sem paciência, de descartar algum envelope importante.)
Esse tipo de propaganda definitivamente não me alcança. Pior ainda, me irrita, porque me dá trabalho, desperdiça recursos, exige tempo meu, produz lixo desnecessário.
Talvez o aspecto mais grave seja a sensação de desrespeito à minha soberania como consumidor. Se compro uma revista ou um jornal, posso esperar ser exposto a publicidade; faz parte das regras do jogo. Porém, não me parece fazer sentido ser obrigado a ser exposto, na minha própria caixa de correio, a publicidade indesejada. Noutros países, isso é óbvio.
Em Portugal, a Lei 6/99 regula a “publicidade domiciliária”. Seu artigo 3.º determina:
É proibida a distribuição directa no domicílio de publicidade não endereçada sempre que a oposição do destinatário seja reconhecível no acto de entrega, nomeadamente através da afixação, por forma visível, no local destinado à recepção de correspondência, de dístico apropriado contendo mensagem clara e inequívoca nesse sentido.
Em bom português brasileiro: tendo eu afixado na caixa de correio de minha residência portuguesa um adesivo que indique claramente meu desejo de não receber publicidade, se alguém depositar publicidade ali, estará descumprindo a lei, que fixa uma pena de multa.
Sabe-se lá se essa lei tem sido aplicada ou se tem protegido eficazmente os portugueses da publicidade indesejada. Fato é que lá ela existe. No Brasil, propaganda comercial é matéria de competência legislativa privativa da União (artigo 22, inciso XXIX, da Constituição Federal), mas desconheço lei brasileira no mesmo sentido da portuguesa.
Melhor ainda é a abordagem suíça. Lá, pelo que sei, não há lei no mesmo sentido da portuguesa. Há apenas bom senso, ou, no mínimo, aparência de bom senso. A própria página sobre marketing direto do site de La Poste, o serviço postal suíço, esclarece à clientela comercial (traduzindo e adaptando do francês):
Alguns preferem não receber publicidade não endereçada. Eles podem manifestar essa preferência, afixando um adesivo “Não, obrigado — sem publicidade” em sua caixa de correio. La Poste quer respeitar essa escolha […]. Postagens com fins publicitários não são distribuídas nas caixas de correio em que um adesivo nesse sentido tenha sido afixado.
Em Genebra vi muitas caixas de correio com adesivos “Non, merci — pas de publicité“. Talvez isso não garanta sempre a ausência de publicidade na caixa de correio (não garanto bom senso de ninguém, nem mesmo de cidadãos de países desenvolvidos), mas o fato é que os adesivos “Pas de pub svp” são bastante comuns e a intenção é reconhecida e geralmente respeitada, no mínimo pelo serviço postal.
Se eu afixar um adesivo dizendo “Não desejo receber publicidade — obrigado” na minha caixa de correio aqui em Porto Alegre, será que fará diferença? E se todos nós que não desejarmos receber publicidade na caixa de correio o fizermos?
Pingback: Não desejo receber material publicitário, mas azar o meu | Martin D. Brauch
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