O Parque Memento (website em inglês, mapa) foi, de longe, um dos melhores passeios que fizemos durante a Expedição 2015 a Budapeste.
(E falando em longe… o parque fica bastante longe do centro da cidade; 30 a 40 minutos de ônibus. Minha irmã, meu cunhado e eu fomos de ônibus urbano, com uma conexão bem complicada – mas, pra facilitar, voltamos ao centro com o ônibus direto que liga o parque à Déak Ferenc tér, a estação que conecta as linhas M1, M2 e M3 do metrô. Vale reservar umas três horas para o passeio. E vale muito fazer a visita guiada – nossa guia foi excelente.)
Vamos ao parque. Mas, antes, aos antecedentes do parque!
Na Segunda Guerra, a Hungria estava do lado perdedor. O Exército Vermelho Soviético chegou para libertar os húngaros da tirania das forças alemãs nazistas. O Dia da Libertação, com ficou conhecido o 4 de abril de 1945, significava para a Hungria, a um só tempo, o fim dos horrores de um regime opressor, de uma Grande Guerra e da sombra do Holocausto.
Mas os libertadores soviéticos foram prolongando sua ocupação… e acabaram estabelecendo no país o regime comunista e uma ditadura totalitária, com mais opressão e estado de terror. E assim a Hungria continuava do lado perdedor.
De 1947 a 1988, o regime soviético espalhou pelas ruas e praças de Budapeste não só terror, mas também diversas estátuas e monumentos (muitos deles também aterrorizantes – e odiados pelo povo) em homenagem aos ideais comunistas e aos seus líderes.
Com o fim do regime comunista no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, antes que a população farta da ditadura destruísse os monumentos que o glorificavam, o governo de Budapeste decidiu removê-las e preservá-las em um parque memorial – o Parque Memento.
As botas de Stálin
Uma construção esquisita em frente ao parque (fora dele) – botas sobre um pedestal? – lembra que não se trata de uma homenagem ao comunismo, mas em homenagem à sua queda.
Nos primeiros anos da ditadura soviética, tinha sido instalado na praça Felvonulási tér – na parte sul do Parque da Cidade – um pedestal elevado e, sobre ele, uma estátua de bronze de 8 metros de altura de Josef Stálin, Primeiro Secretário do Partido Comunista, Chefe de Estado, General. Era diante desse pedestal e da estátua de Stálin que se realizavam as paradas militares organizadas pelos soviéticos.
Mas num levante civil húngaro contra a ditadura, em 23 de outubro de 1956, a multidão cortou a estátua pelas pernas, derrubando o corpo. Ficaram só as botas – um deboche ao ditador.
Infelizmente aquele 23 de outubro não foi o fim da ditadura. Os próprios comunistas removeram as botas e remodelaram o pedestal (sem repor a estátua). O que está em frente ao Parque Memento é uma réplica em tamanho real do pedestal e das botas de Stálin.

O portal do Parque Memento
Ákos Eleőd foi o arquiteto cujo projeto venceu o concurso para o desenho do parque, inaugurado em 1993. Seu projeto é rico em simbolismo, como ficará evidente em muitos dos comentários ao longo do texto. Foi intitulado “Uma Frase sobre Tirania”, em homenagem ao poema do húngaro Gyula Illyés; o poema está gravado na grande porta central do parque.
O imponente portal de tijolo à vista lembra elementos arquitetônicos muito usados pelos comunistas: formas clássicas, grandes colunas, alcovas em arco. O arquiteto usou esses elementos para representar o regime comunista, que, com mania de grandeza, esmagou as liberdades individuais e humilhou a população húngara.
O portal também representa a promessa vazia do comunismo. Apesar da imponência aparente, não há nada atrás, nenhum edifício. Só fachada.
A grande porta central (onde está gravado o poema) está, como na foto abaixo, sempre fechada. Para entrar, é preciso encontrar uma outra solução, uma porta lateral. É outra alusão do arquiteto à vida no regime comunista: “para cada grande porta existe uma pequena janela”.

Na parte esquerda do portal, está uma estátua de bronze de Lênin, outro líder do Partido Comunista na Rússia. A estátua de 4 metros de altura, esculpida por Pál Pátzay, ficava também na Felvonulási tér, próxima à estátua (e, depois, às botas) de Stálin.
Na parte direita do portal, fica uma estátua de 1971 do escultor György Segesdi, retratando Marx e Engels, teóricos alemães do comunismo. A tem 4,2 metros de altura e, originalmente, ficava perto da sede do Partido Comunista. É a única estátua cubista de Marx e Engels. O escultor queria construí-la com chapas de aço, mas os políticos da época insistiram no uso de um material mais pesado e tradicional – o granito.

Soldado Soviético Libertador
Entrando no parque, à direita, fica a estátua de bronze de 6 metros de altura do Soldado Soviético Libertador, esculpida por Zsigismond Strobl Kisfaludy, em 1947.

Essa estátua ficava numa posição extremamente privilegiada: no alto do Gellért Hill, aos pés do Monumento à Liberdade (na foto abaixo ainda se vê o pedestal onde ficava). Pretendia ser, por assim dizer, o “protetor soviético” do próprio espírito de liberdade!

Originalmente, o monumento em Gellért Hill era em homenagem à libertação da Hungria das forças alemãs nazistas pelo exército soviético. A inscrição no pedestal dizia: “à memória dos heróis soviéticos libertadores – a povo húngaro, com gratidão – 1945”.
O monumento acabou ficando lá e não sendo “condenado” ao Parque Memento porque ganhou novo significado. Hoje a inscrição diz: “à memória de todos aqueles que sacrificaram suas vidas pela independência, pela liberdade e pela prosperidade da Hungria”. Isso inclui os que sacrificaram suas vidas para livrar a Hungria dos soviéticos antes homenageados!
Memorial da Amizade Húngaro–Soviética
Essa estátua de bronze, esculpida em 1956 por Zsigismond Strobl Kisfaludy, tem traços que demonstram o desequilíbrio da amizade entre húngaros e soviéticos. O trabalhador húngaro, em vestimentas simples, oferece as duas mãos, em posição de subserviência; o soldado soviético, por sua vez, mais alto e forte, oferece apenas uma mão e mantém-se afastado.

Monumento aos Pioneiros
Para doutrinar as crianças na ideologia comunista e soviética, o Partido Comunista criou o Movimento dos Pioneiros, para crianças de 6 a 14 anos.

Estátua de Lênin
Nikita Khrushchev, Primeiro Secretário do Partido Comunista da Rússia, visitou a grande siderúrgica húngara Csepel em 1958. Durante a visita, comentou que deveria haver ali uma estátua que lembrasse os trabalhadores da ideologia comunista e os encorajasse ao trabalho. A “falha” foi corrigida rapidamente, e uma estátua de bronze de Lênin, com a mão elevada, foi instalada em frente à fábrica no mesmo ano.

Estrela vermelha de cinco pontas
A estrela vermelha de cinco pontas é um emblema do movimento internacional dos trabalhadores. Durante o regime comunista, foi colocada em prédios públicos civis e militares, fábricas, escolas, até mesmo no topo do Parlamento. No centro do Parque Memento, há uma estrela de flores, semelhante à que havia perto do marco zero de Budapeste, em Buda.

No Brasil, é o símbolo do Partido dos Trabalhadores (PT).
Na Hungria, com uma emenda de 1993 ao Código Criminal de 1993, chegou a ser crime o uso do símbolo – assim como o da suástica, da SS (a polícia nazista), a cruz flechada (símbolo do Partido da Cruz Flechada, o “primo húngaro” do Partido Nazi) e a “foice & martelo” (outro conhecido símbolo comunista – como o do Partido Comunista do Brasil, PCdoB).
A polêmica sobre essa proibição renderia outro post cheio de Direito… talvez ainda renda! Mas o resumo da situação é o seguinte…
Attila Vajnai, um membro do Partido dos Trabalhadores da Hungria, usou um broche da estrela vermelha de cinco pontas e foi multado pelo Judiciário Húngaro. Apelou à Corte Europeia de Direitos Humanos, que, em 2008, decidiu contra a Hungria. Para a Corte, a multa aplicada pela Hungria violava a liberdade de expressão.
Em virtude desse e de casos semelhantes, em 2013 a Corte Constitucional da Hungria declarou inconstitucional aquela norma do Código Criminal, entendendo que a proibição dos símbolos era muito ampla e imprecisa. E o uso dos símbolos voltou a ser permitido em maio de 2013.
Memorial do Movimento dos Trabalhadores
Esse monumento, construído por István Kiss em 1976 em placas de aço, representa a supostamente perfeita ideologia do movimento dos trabalhadores. As duas mãos protegem esse tesouro frágil e ao mesmo tempo o exibem a todos.

Monumento à República Soviética Húngara
Antes da Primeira Guerra, a Hungria fazia parte do Império Austro-Húngaro, que, perdedor, desmantelou-se. O fim da monarquia foi seguido de instabilidade política, econômica, social e de política externa. Em 21 de março de 1919, aproveitando-se dessa instabilidade, ativistas liderados por Béla Kun e inspirados na Revolução Russa proclamaram uma ditadura do proletariado e criaram a República Soviética Húngara. O regime durou apenas 133 dias.
Para homenagear essa (primeira) República Soviética Húngara, os soviéticos do regime comunista posterior à Segunda Guerra resgataram uma imagem usada em posters de 1919, a ilustração “Às Armas!”, de Róbert Berény.
O escultor István Kiss tornou essa ilustração tridimensional por meio de sua estátua de 1969, que ficava também na Felvonulási tér, próxima às estátuas de Lênin e Stálin.
A população de Budapeste não tardou a ridicularizar a estátua. Diziam que parecia um gigante que vinha correndo pelo meio do Parque da Cidade, passando por entre as copas das árvores e tentando chamar a atenção de alguém: “Ei, você esqueceu seu cachecol!”

Por fim, a parede dos fundos do parque
As alusões geniais do arquiteto Ákos Eleőd à promessa ilusória, circular e vazia do comunismo estão por toda parte. Os caminhos internos do parque, que levam às estátuas, têm o formato do símbolo matemático do infinito (∞, um “8 deitado”). O centro desses “infinitos” é o centro do próprio parque, onde está a estrela de cinco pontas feita com flores vermelhas. E o caminho que fica no eixo central do parque, por sua vez, leva a uma parede nos fundos.
Encerro com uma citação do livro “Na Sombra das Botas de Stálin – Guia de Visitantes ao Parque Memento” (In the Shadow of Stalin’s Boots – Visitor’s guide to Memento Park), que – além das informações ensinadas pela excelente guia que nos acompanhou durante a visita – foi referência muito útil na preparação deste post:
Mas a estrada na qual o visitante tem caminhado só continua por mais alguns metros: de repente ela atinge a parede dos fundos. Daqui não se pode ir adiante; só se pode voltar. É um beco sem saída.

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