Ostinato

A maratona de estudos desta semana não me impediu de ouvir online, uma hora ou outra, a Rádio Canadá Internacional. Como estou estudando francês (ouvir rádio em francês é útil), e como morro de saudades do Canadá (ouvir rádio em francês é agradável), ouvir rádio em francês une útil e agradável.

Só que uma música acabou tirando minha concentração: a Valse d’Amélie, da trilha sonora do prestigiado filme francês O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001). O filme, quem já viu sabe, é a coisa mais querida; mais do que isso, um alívio para os cansados da previsibilidade hollywoodiana. Uma fuga da rotina.

A trilha sonora, por sua vez, tem a delicadeza da própria Amélie. A orquestração (três instrumentos, basicamente: acordeon, piano, violão) e as melodias são simples, o que não quer dizer que sejam simplórias. Nessa simplicidade, aliás, é que está a riqueza da arte. O mérito do gênio (dependente, claro, do exercício de sua técnica) está não na realização do inimaginável e do complexo, mas na expressão do básico e do óbvio, de forma original, antes que qualquer outro o faça.

O francês (homenagem aux Bleus?) Yann Tiersen é o compositor de todas as músicas da trilha sonora de Amélie, bem como da de outro belo filme, o alemão Good Bye Lenin! (2003). Escutando mais de sua apaixonante obra, observei o uso recorrente do ostinato. Essa palavra vem do italiano (homenagem à Azurra?) e significa teimoso, obstinado.

Na música, ostinato é a repetição de motivo ou frase musical. De forma bastante peculiar na música de Tiersen, o ostinato produz um ritmo viciante (não vicioso!), marcado, impositivo; parece até que dita o pulso da vida. Conjugado a esse efeito, o jogo que o compositor faz com os mesmos acordes dá ao conjunto da obra um ar de “variações sobre um mesmo tema”. Nada mais adequado para traduzir em música a rotina de funcionamento do próprio mundo.

Também, nada mais adequado para traduzir a minha rotina (não só nos últimos dias): frenética e invariável. Obstinada, como Yann Tiersen – ou pelo menos como a sua música. Aliás, a própria trilha sonora que escolhi para este blog (Unwritten, de Natasha Bedingfield) tem um ostinato; persiste do início ao fim, com um violão que repete insistentemente a mesma linha melódica.

Felizmente, obstinação ou ostinato não implicam em chatice ou monotonia – nem na música (vide exemplos de Yann Tiersen e Natasha Bedingfield) nem na minha rotina. Basta viver com gosto pelo previsível, sem, porém, fechar-se ao inusitado, que sempre encontra suas oportunidades.

Agora que passou a parte dura da maratona de fim de semestre, minha rotina não se interrompeu (ainda tenho aulas, trabalhos, provas…), mas me abriu um espaço para o não-usual: eu vou compor. Não sou um compositor genial aos olhos do mundo – talvez apenas na minha própria concepção de genialidade, que expus acima! Ainda assim, será minha pequena transgressão à rotina. Não se descarte, entretanto, a possibilidade de que a composição contenha um ostinato.

Uma ideia sobre “Ostinato

  1. bruno

    Bah, legal encontrar outra pessoa que gosta da música do Yann Tiersen! Concordo, trata-se de um compositor genial, embora ache a trilha do “Adeus Lenin!” um pouco desgastada perto da fabulosa trilha do fabuloso destino de Amélie Poulain. Ficaria feliz se me sobrassem algumas linhas para oboé nessa nova composição tua, hein 😉

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