Surgiu um cartazinho afixado no meio da porta de entrada do edifício onde moro. Mas agora, diferentemente da outra vez em que isso aconteceu, não chego a pensar em arrancá-lo.
Esteticamente, o anterior era horrendo, mas o atual até passa. O uso de caixa alta é agressivo, mas perdoável. Um pouquinho mais perdoável porque o redator cuidou de usar versalete, pelo menos no título e na última frase; só se descuidou na primeira frase – perdoável.
Socialmente, o anterior era grosseiro, principalmente por ser sarcástico, mas também pela sua forma tosca. O atual transmite uma mensagem importante, não necessariamente óbvia aos moradores. Apesar de um pouco pedante (“vimos por meio deste” foi um pouco excessivo), é simpático: mérito das palavras “solicitar” e “colaboração”, que são simpáticas.
Administrativamente, o anterior era inútil; como eu havia dito, dificilmente algum fumante se sentiria incentivado a tomar uma atitude por causa do cartazinho. Prova disso é que, depois da publicação do cartazinho petulante, eu mesmo vi pessoas fumando e descartando cinzas nos jardins. (Pausa para embasbacamento.) Quase colei um cartazinho na testa dos transgressores.
O cartazinho atual, porém, pode ser bastante eficaz. No meu apartamento já foi instalada a “chapinha para furo do gás”; não fosse o caso, o cartazinho me serviria de lembrete.
Gramaticalmente, o cartazinho petulante anterior era um absurdo. O atual não chega a ser um absurdo gramatical; apenas contém uns absurdinhos gramaticais:
- “Vimos por meio deste, solicitar…”: “Por meio deste” deveria estar entre vírgulas (“Vimos, por meio deste, solicitar…”) ou, para os mais permissivos (nem todos concordariam), deveria não estar entre vírgulas (“vimos por meio deste solicitar…”). Ou seja, faltou ou sobrou vírgula. Mesmo assim, perdoável, em consideração ao acerto do “vimos”: muita gente teria escrito “viemos”, que é passado, em vez de “vimos”, que é presente e, neste caso, mais adequado.
- “[S]olicitar que deve ser agendado […] a colocação”: “Solicitar que deve” é uma expressão que não faz muito sentido, não? Ficaria melhor dizer “solicitar que seja agendado“, já aproveitando para usar o subjuntivo, que aqui cabe melhor. E ficaria ainda melhor livrar-se dessa voz passiva, “ser agendado”, e dizer “solicitar que agendem”, já que o pedido é aos condôminos (“solicitar que [os Srs. Condôminos] agendem”). Com isso, já se resolveria também o problema de concordância do “agendado […] a colocação”: a colocação é agendada, claro, não agendado. Enfim: “solicitar que agendem […] a colocação”. De novo, perdoável, compensando com o aposto devidamente colocado entre vírgulas (“Sr. Antônio”).
- “[A] colocação da chapinha para furo do gás, que é obrigatório por lei e será vistoriado pelos bombeiros no próximo PPCI”: O que é obrigatório por lei e será vistoriado pelos Bombeiros (aliás, com maiúscula, porque se refere ao Corpo de Bombeiros)? Temos duas palavras masculinas: “furo” e “gás”. O furo ou o gás são obrigatórios e serão vistoriados? Não. A colocação da chapinha! Usar o feminino, “que é obrigatória por lei”, causaria ambiguidade: obrigatória é e vistoriada será a “colocação” ou a “chapinha”? Eu resolveria com um ponto e repetiria “colocação”: “A colocação da chapinha é obrigatória e será vistoriada…” ou “Essa colocação é obrigatória e será vistoriada…”. Pronto. De qualquer forma, também perdoável, em homenagem à frase final, tão educada. “Cooperação”, sua linda.
Considerando as críticas gramaticais acima, não se pode dizer que eu esteja mais tolerante (!), mas perdoo com mais facilidade quando reconheço a melhoria de qualidade geral que houve do cartazinho petulante para o atualmente afixado. Ou então só estou mais cômodo quanto ao cartazinho atual porque o que me incomodava no anterior não era a gramática, mas o sarcasmo, a forma tosca, o mau gosto, a grosseria. Não encontrei esses pontos de incômodo no novo cartaz.
Se não saio do cortiço, aos poucos o cortiço vai saindo daqui. A administração do condomínio ganhou um pouquinho mais do meu respeito. (Será que a síndica lê meu blog? #not)