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No time de waterpolo

Sábados os ônibus de e para Troinex saem mais ou menos de hora em hora. Com vários planos para hoje, acordei às 7h. Uma hora depois, peguei o ônibus das 8h para o supermercado em Carouge. Uma hora depois, voltei pra casa no ônibus das 9h (mesmo motorista) pra deixar as compras.

As compras, aliás, eram extraordinariamente muitas, incluindo diversos tipos de queijo e de chocolate para oferecer uma degustação às visitas (mana Lu e cunha James chegando amanhã à tarde!), além de oito pacotes de mistura para fondue (tradição natalina da minha família).

Uma hora depois, peguei o ônibus das 10h para ir à piscina de Pervenches (e ao me ver pela terceira vez no mesmo dia o motorista teve que sorrir).

Determinado a nadar 2000 metros, entrei na piscina e fiquei surpreso com a ausência das divisórias de raias. Mas comecei a nadar. Alguns minutos depois, entrou um grupo de pré-adolescentes. E um homem mais velho me chamou à borda pra perguntar se eu estava com o time de waterpolo. “Hã?”

Acontece que a piscina estava fechada para o time (os pré-adôs)… Eu não fazia ideia! O homem então disse, “sem problemas: estamos a fulana e eu aqui fazendo treino de natação nestas duas raias de cá; se quiseres, podes ficar e nadar conosco, contanto que sigas a nossa série de exercicios.” E eu topei, claro – porque assim eu cumpriria o plano de nadar 2000 metros e porque quem tá na chuva tem que se molhar e porque quem tá na piscina e já se molhou não quer sair e voltar pra casa tendo nadado apenas uns 200 metros.

No fim das contas, não só nadei os 2000 metros que tinha me determinado a nadar como também tive uma aula de natação grátis, com vários exercícios legais, dicas de técnica e convite para participar todos os sábados! E esse ficou sendo o dia em que eu quase – muito quase – entrei para um time de waterpolo.

Genebra sob a neve II

Depois da primeira nevadinha básica da temporada, veio o caos: com as tempestades dos últimos dias, hoje há 31 cm de neve acumulada no solo em Genebra, um recorde histórico para o mês de dezembro! Terça (dia 30/11), por causa dos atrasos e por fim por causa da interrupção dos serviços de transporte público, demorei mais de 2h 30min para chegar em casa, incluindo 30 minutos de caminhada sob a tempestade de neve. Ontem (dia 1/12), tive que trabalhar de casa, porque os ônibus a partir de Troinex estavam for a de circulação.

Vista do meu escritório, enquanto ainda havia pouca neve

Voltando pra casa no dia 30, no meio da tempestade

É preciso amar a neve

Ploc tentando achar pasto

Vista do pátio do prédio vizinho

Árvore na frente de casa

O antes, o depois e o mais tarde ainda

Genebra sob a neve

Sexta-feira passada nevou pela primeira vez nesta temporada aqui em Genebra. Uma nevezinha bem mixuruca. Cheguei a tirar uma foto da vista do escritório com um pouco de neve, já que – pelo que dizem – o fenômeno é raro aqui na cidade (nas montanhas acontece seguido, claro). Sábado de manhã, porém, quando acordei e olhei pela janela, me caiu o queixo: tudo branco!

À tarde não resisti (ou melhor: resisti firme e forte ao gelo que estava na rua) e fui ao centro histórico tirar fotos. No domingo, ao voltar do culto, tirei algumas fotos em Troinex também. Em vez de fazer um postálbum aqui, coloco uma foto só (do meu prédio antes e depois da neve) e convido o leitor a visitar o novo álbum do picasaweb do Guri, onde há muitas mais.

P.S.: O leitor atento vai observar, como meu amigo Felipe, que a neve levou embora um dos carros que aí estavam estacionados. Tsss…

O jegue do meu vizinho

Troinex, onde moro, faz parte da “Grande Genebra”. É uma localidade bem residencial, mas beirando o rural. Prova contundente disso é que um de meus vizinhos tem um jegue.


Ploc, o jegue do meu vizinho


O jegue do meu vizinho em seu habitat; ao fundo, o Salève;
a casa à direita na foto é onde moro

Um tempo atrás, por curiosidade e para tentar suprir minha total deficiência de conhecimento em zoologia, pesquisei sobre as diferenças conceituais entre jegue, jumento, asno, mula e burro.

Começa fácil: jegue, jumento e asno são nomes diferentes para o mesmo equino. O híbrido nascido de égua e jumento é mula se for fêmea ou burro se for macho. E ainda tem o bardoto (fêmea ou macho), que é o hibrido nascido de jumenta e cavalo. Esse bardoto é o mais pobre bicho de todos, porque o seu desenvolvimento é afetado pelo espaço limitado do útero da jumenta.

Mas saindo desse papo genérico (e bastante aleatório) quero voltar ao particular do jegue do meu vizinho, o qual é tres sympa. (Quero dizer que o jegue é legal; o vizinho… não sei; não o conheço. Mas ele deve ser legal também. Tal jegue, tal dono.)

Um dia desses dormi além das 6:54, hora do meu despertador, e o jegue do meu vizinho me serviu de função soneca. Às 7:10 ele comecou com seus ih-ohs característicos, deliberadamente para me acordar e garantir que eu me levantasse a tempo de pegar o ônibus, às 7:52. Jegue suíço, pontualidade britânica.

Por essas e por outras gentilezas que o jegue do meu vizinho me faz, resolvi dar-lhe um nome sympa como ele: Ploc. Nesse clima pre-Adventício, o nome Ploc é uma homenagem a uma memória de infância. Não, nada a ver com o chiclete Ploc. É que nos meus tempos de culto infantil na Igreja São João tinha uma música de Natal assim:

Um jumentinho
Ploc ploc ploc ploc
Vai pela noite fria

Vai de mansinho
Ploc ploc ploc ploc
E entra numa estrebaria…

Findi 13–14 de novembro

Sábado dia 13 acordei decidido a passear, mas sem a mínima ideia de que passeio fazer. Tinha que ser “outdoors”, pra aproveitar o lindo dia. “Quem sabe o teleférico que sobe ate o Salève, a montanha que fica ‘atrás de casa, ali na França’?” Entrei no site do teleférico e, para meu alívio e ao mesmo tempo para minha maior urgência ainda em sair de casa, vi que era o último findi de funcionamento do teleférico, antes de fechar durante o inverno!


Guri no Salève


Genève vista do alto do Salève


Destaque para o Jet d’Eau


Os Alpes


Descendo de teleférico


Le Salève

Depois de descer da montanha, dei uma caminhada por Troinex. Em particular, visitei o centro (um microcentro), onde tem o salão comunitário, a mairie (prefeitura), a praça da prefeitura e… não muito mais que isso. Mas é bonitinho – Troinex, c’est joli.


Troinex-Mairie


Troinex-Mairie


Ali eu moro! Ao fundo, o Salève

No domingo encontrei Noriko e Valériane, duas amigas do mestrado. Nós três fomos colegas na aula de Solução de Controversias na Organização Mundial do Comércio, passamos no bar exam de Nova Iorque e estamos trabalhando na Suíça!


Em frente ao relógio florido


Em frente ao Jet d’Eau

Por fim, para matar tempo antes de irmos ao culto, a Noriko e eu fomos à orla do lago para tirar fotos noturnas, coisa que fazia tempo eu queria fazer. (Quem acompanha o blog ou o picasaweb do Guri sabe que tenho uma quedinha por fotografia noturna de longa exposição…)


Jet d’Eau iluminado


Geneva skyline! 😛


Rolex, Patek Philippe, Cathédrale Saint-Pierre

De volta ao TPG

TPG é sigla de “Transports Publics Genevois”, mas podia muito bem ser de “tempo de postagem do Guri”. Meus últimos posts foram escritos durante minhas viagens de ônibus e bonde entre Genebra e Troinex. Por um tempinho acabei deixando de lado o TPG (a ambiguidade é intencional!). Agora, de volta ao TPG (de novo!), explico o que aconteceu nas ultimas duas semanas.

Sexta-feira 22 de outubro fui de trem à Alemanha. Mesmo trabalhando de lá durante a semana, passei bastante tempo com meus familiares (reunião de família a 77%) – e especialmente babei nos meus sobrinhos recém-nascidos, Isabel e Felipe.

Sábado 30 encontrei o Lev, um grande amigo de Nova Iorque que mora em Colônia. Ele veio ao meu encontro de trem e seguimos juntos, de carro, até Loreley, uma rocha à margem do Reno, no trecho mais estreito do rio entre a Suíça e o Mar do Norte. É um lugar bem folclórico, conhecido por causa da história da Loreley, uma sereia-moça que encantava os navegadores com sua voz e assim causava a morte deles (coisa típica de sereia).

Fato curioso é que a poucos quilômetros de Loreley fica Damscheid, onde nasceram meus antepassados maternos. A beleza fascinante de Loreley, sua voz encantadora, seus olhos verdes e seus cabelos loiros confirmam o que dizem na região e que na minha família sempre se soube: Loreley era Lolô de Damscheid, minha tataravó.

E que ninguém venha me criticar dizendo que estou aumentando a lenda, porque nem lenda é. Muitos (inclusive eu, até poucos dias atrás) acham, erroneamente, que a história da Loreley vem de uma lenda antiga. Na verdade, ela se originou de um poema de Clemens Brentano. Esse poema foi seguido de vários outros, sendo o mais famoso o poema de Heinrich Heine (1797-1856). Dizem que é tudo ficção, mas pode muito bem ser uma “história baseada em fatos reais”. Lolô de Damscheid viveu na mesma época em que Heinrich Heine. Pra mim, é evidente que foi sobre ela que ele escreveu.

Às 13h busquei o Lev na estação de trem de Montabaur e às 17h já o deixei na estação de Koblenz, porque ele tinha de voltar logo para Colônia. Em apenas quatro horas, almoçamos com tranquilidade, dirigimos mais de 100Km em terras desconhecidas (para ambos), conversamos como dois amigos que não se viam há meses (o que era verdade!), e ainda fizemos um lindo passeio turístico. Um rendimento inacreditável, mas não tão inacreditável quanto a beleza das paisagens outonais que vimos durante a viagem e do alto de Loreley.


Lev e eu, no alto de Loreley


Do alto de Loreley


Sankt Goar, do lado de lá do Reno


Sankt Goarshausen e Burg Katz, do lado de cá do Reno


Mais provas de que estivemos lá! Hehe!


Damscheid fica praqueles lados


Vista “sul”


Com a Loreley


Burg Rheinfels, no outro lado do Reno (Sankt Goar)


Mais Sankt Goar


Heinrich Heine, o autor do poema


Na volta pra casa, na Isselbacher Straße. Ainda bem que não tinha ninguém, porque eu tive que parar pra tirar uma foto!


De volta a Isselbach, onde meus pais moram (no térreo)

Domingo 31, Dia da Reforma (e não me venham com outros eventos para essa data), ironicamente deixei para trás o país da Reforma Luterana para voltar a Genebra, de onde foi propagada a Reforma Calvinista. Vim de carro com meus pais – dirigi todo o trecho dentro da Suíça, o que foi um quase prazer. Logo na chegada em Genebra, fiz com eles a caminhada típica de boas-vindas: da margem do lago até a Catedral de Saint Pierre. Por três dias eles passearam por aí, visitando vários museus que eu sugeri (inclusive alguns que nem eu vistei ainda), enquanto eu trabalhava, e à noite algum tempo juntos. Terça-feira, por exemplo, fizemos algo tipicamente suíço: jantamos fondue (para mim, segunda vez desde que moro em Genebra). Ontem eles seguiram viagem, para a Alemanha, via Berna.

E eu fiquei por aqui… tentando me acostumar à de novo à rotina. Nesses primeiros dias da semana, como meus pais estavam aí de carro, dirigimos até o meu trabalho todas as manhãs. (De lá, eles pegavam ônibus ou trem para fazer seus passeios sem se preocupar com estacionamento.) A nova experiência de direção em Genebra serviu para confirmar que fiz um excelente escolha ao decidir não ter carro aqui. O trânsito em hora de pico é lento e irritante. Ganho muito mais passando esse tempo no TPG e usando-o como TPG.

A terra do relógio

Primeira semana em Genebra: alguns relatos sobre as primeiras impressões e infelizmente poucas fotos. A cidade é mais tranquila que Nova Iorque, mas meu dia-a-dia, ao contrário, é bastante mais conturbado: com 9h no trabalho mais 1h para ir até lá e outra para voltar, não tem sobrado muito tempo para blogar – e menos ainda para passear.

No sábado passado, quando cheguei à estação de Cornavin em Genebra, já estava à minha espera o Fernando, o senhor português que me aluga um quarto no sótão do seu apartamento. Havíamos combinado que ele levaria uma bandeira suíça e eu, uma brasileira, para nos reconhecermos, já que não nos conhecíamos pessoalmente. Deu tudo certo. Primeiro ele me levou ao apartamento, para deixarmos as malas que quase quebraram minhas costas. Fica em Troinex, um pequeno vilarejo ao sul de Genebra, a poucos minutos da fronteira com a França. A seguir, fomos até a região central de Genebra; caminhamos à beira do lago e subimos até a catedral de St. Pierre. Eram cenas conhecidas para mim, de quando visitei a cidade em 2008.


Brasão – Ville de Troinex

No domingo, acordamos cedo para ajudar a preparar um salão comunitário para um almoço que haveria depois do culto. Em seguida fomos ao culto, na Igreja Evangélica Livre de Genebra, e de lá de volta para o salão. À tardinha fomos novamente à beira do lago para aproveitar o dia lindo que todos diziam que eu tinha trazido do Brasil (sendo que eu estava na Alemanha, onde estava chuvoso e mais frio, mas tudo bem). No fim do dia, fomos ao apartamento da dona Madalena, uma senhora que eu conhecia indiretamente (longa história) e que me colocou em contato com o senhor Fernando, seu amigo.

Assim foi que passei um domingo muito social e agradável. Gostei muito da igreja, mas talvez não seja pra mim: há muitos jovens, adultos com mais de 35, e quase ninguém da minha faixa etária. Ainda terei de fazer um pouco de church shopping.


Lago de Genebra e o Mont Blanc (pico da Europa) ao fundo


Lago de Genebra e o Jet d’Eau (Jato d’Água), marca registrada da cidade

Segunda-feira foi o dia de explorar o território. Saí com o carro que o senhor Fernando se dispôs a me alugar e fui até a International Environment House, o local do meu estágio. Encontrei sem problemas (e sem GPS), embora tenha dobrado na esquina errada duas ou três vezes. Fiz algumas comprinhas básicas no Coop e no Migros, dois supermercados de preços bastante acessíveis, perfeitos para estudantes ou jovens profissionais recém-formados com um orçamento apertado (quem?). Achava que o custo de vida seria bem mais caro, mas já penso que não será tanto.

Menos caro ainda será o custo de vida aqui já que decidi, na terça-feira, passar a usar a tgp – “transports publics genevois”. Demora mais, é verdade, mas é bem mais econômico e sem stress. O trânsito em Genebra é surpreendentemente intenso para uma cidadezinha deste tamanhico e são poucas as vagas de estacionamento na rua sem parquímetro. Usando os ônibus e bondes, não preciso me preocupar nem com trânsito nem com estacionamento e posso usar o tempo de viagem para ler. Ou escrever, como estou fazendo neste instante. (E viva o BlackBerry Notepad!)


Alguém me diga se é possível: na casa que fica bem atrás da minha parada de ônibus (Saussac) aqui na minúscula Troinex moram brasileiros! Com um pouco de esforço se consegue ver as bandeiras suíça e brasileira num mastro (na foto, à direita).

Terça-feira foi o primeiro dia de trabalho no programa de investimento do IISD. Conheci boa parte da equipe e já comecei algumas tarefas. O trabalho é uma boa combinação de pesquisa em direito e política do investimento estrangeiro, o que me deixa bastante satisfeito. Os dias no escritório são longos e, ao chegar em casa, não sobra tempo pra muita coisa. Bem, nem teria muito que fazer na pequena Troinex. No findi (que promete ter bom tempo) é que terei algum tempo para um ou outro passeio.

A parte “what really grind my gears” deste post é dedicada a três aspectos de Genebra. Primeiro: os ônibus não são pontuais. Ok, a maior parte dos sistemas de transporte coletivo que já usei não é pontual. E tudo bem – aprende-se a viver com isso, e pronto. O que me irrita é essa pretensa pontualidade dos ônibus aqui no país do relógio. Segundo: a maioria das lojas fecha às 18h ou 18:30. Vai ver que fui mimado por Nova Iorque… Terceiro: a galera aqui fuma feito chaminé, mesmo (ou principalmente) em locais públicos. Neste ar puro de montanha, isso deveria até ser crime ambiental.

Mas preciso finalizar o post em um tom mais alegre, escrevendo um pouco sobre as coisas de que gostei muito já nesta primeira semana. Genebra é uma cidade linda, com o lago e as montanhas e o verde e as cores do outono. Troinex também – pequena, residencial mas com um ar rural, muito tranquila e silenciosa. Em todos os lugares a água é praticamente medicinal. Inodora, incolor e insípida, como água deve ser, segundo o que a gente aprende no primeiro grau (ou melhor, nem aprende mais no primeiro grau, que agora é ensino fundamental… coisa de velho).

Há queijos de muitos tipos e de muito boa qualidade e com preço acessível. Só pra ter uma ideia: com $1 a mais do que eu pagava em Nova Iorque por dez fatias de queijo mussarela da marca genérica do supermercado (a mais barata!), aqui compro uma peça de 250g de camembert e outra de 250g de brie. Parece mentira, e eu tenho uma tendência ao exagero, mas pode confiar que desta vez estou sendo bastante preciso. Outra coisa que se encontra com alta variedade e qualidade e baixo preço é… chocolate! Bah, não é bom nem pensar, que já fico com vontade de comer chocolate.

Em resumo, acho que a terra do relógio vai conseguir o que a terra do fast food não conseguiu: me fazer engordar.

Encontros e despedidas

Com um tantinho de tristeza, devo dizer que este é o último post da série NYC 2009-2010. Agora que estou (geograficamente, pelo menos) distante da minha realidade nova-iorquina dos últimos 14 meses, tenho uma perspectiva mais ampla da minha mais recente saga – resolver minha vida em Nova Iorque e vir para a Europa em menos de uma semana. Neste post, convido o leitor a acompanhar a versão sem cortes dessa história, que é um dos mais belos exemplos do quanto Deus me tem abençoado por toda a minha vida. Escrevo este texto para os amigos que, de uma forma ou de outra (com ajuda prática ou em oração), fizeram parte desta saga, bem como para mim mesmo – minha memória já é fraca e algum dia eu acabaria esquecendo os detalhes se não os escrevesse.

Se tivesse que escolher uma data, eu diria que o complicado e doloroso processo de dizer adeus a Nova Iorque iniciou-se no final de semana de 18 e 19 de setembro. Passei o sábado com a sogra da minha irmã, que chegou do norte do estado de Nova Iorque para visitar o Zoológico do Bronx e também para ver Roosevelt Island, onde morei por mais ou menos cinco meses. No domingo, foi o aniversário da minha Confirmação – sempre me lembro da data, e este ano teve um quê a mais de significado, porque foi num domingo, como há 11 anos. Fui ao culto na City Grace Church, como fiz quase todo domingo por mais de um ano, mas sem dúvida foi diferente do típico domingo de 2009‒2010, não só por causa do aniversário. Os pastores anunciaram que eu estava indo embora para Genebra, contaram histórias sobre minha participação na comunidade no último ano, e oraram por mim. Ganhei um CD especial de fotos, um bolo de despedida e agradecimento, e uma quantidade atipicamente grande (mas de forma alguma inapropriada) de abraços. À noite, minhas duas boas amigas Dana e Natasha fizeram uma janta de despedida, à qual muitos outros amigos foram. Cada um deles compartilhou uma lembrança curta mas cheia de sentimento sobre mim, e eu dei um discurso de despedida (prolixo e sem inspiração).

Então fui pra casa e suspirei profundamente – por que eu tinha dito a todos que aquele era muito provavelmente o meu último domingo em Nova Iorque? Sim, meu estágio em Genebra deveria começar em duas semanas, e aquele domingo devia de fato ser meu último domingo em Nova Iorque antes de ir a Genebra via Frankfurt. Ainda assim, não conseguia me imaginar partindo. Embora minha ONG na Suíça tivesse solicitado meu visto com permissão de trabalho havia bastante tempo, ela ainda não tinha recebido a carta final de aprovação do governo suíço. Eu teria de levar essa carta ao Consulado-Geral da Suíça em Nova Iorque, onde carimbariam o visto em meu passaporte. Poderia levar ainda um mês para a carta chegar – ou poderia ser que a carta nem viesse. Isso trancava tudo. Como eu não tinha visto, não podia fazer planos. Não queria comprar passagens aéreas sem saber por certo quando (ou mesmo se) o visto chegaria, e portanto nenhuma motivação de fazer as malas (empacotar a vida). O que era ainda pior para um control freak como eu, não tinha nenhum jeito de tornar mais rápido o processo do visto, e era difícil até acompanhar esse processo.

Felizmente, aprendi algumas lições sobre vistos. Já tinha tido problemas com processos de solicitação de visto enervantemente demorados – em 2008, quando solicitei um visto alemão, e em julho de 2010, quando estava esperando pela extensão do meu visto americano de estudante. Primeira lição: surtar não ajuda nem um pouco. Embora isso seja bastante óbvio, infelizmente não é tão fácil evitar um surto. Segunda lição: se é que há qualquer coisa que ajude, só pode ser acompanhar de perto o processo de solicitação de visto junto à organização solicitante e, na medida do possível, junto ao governo estrangeiro ao qual se pede o visto.

Além disso, através de experiências relacionadas ou não à obtenção de vistos, aprendi muitas lições sobre o meu Deus. Uma lição importante é: Ele nunca me deixa na mão. Mesmo em situações quando inicialmente pensava que Ele o tinha feito (por exemplo, quando algo que eu queria muito e por que tinha orado não acontecia nunca), cedo ou tarde eu acabava percebendo que Ele não tinha me deixado na mão – em vez disso, Ele tinha me dado algo que eu nem tinha pensado que poderia ter e que era muito melhor que o originalmente almejado. De certa forma, acho que posso dizer que sou mimado de verdade por Ele.

Como qualquer control freak, preciso ter um plano, mas tentei ser uma criatura melhor, tornando essas três lições o núcleo do meu plano, assim:

  1. Não surtarei por causa desse processo de pedido de visto.
  2. Acompanharei insistentemente o processo junto à organização solicitante e ao consulado.
  3. Para atingir (1) e além de realizar (2), confiarei essa questão do visto a Deus.

(3) + (2) = Agostinho: “Ora como se tudo dependesse de Deus. (= 3) Trabalha como se tudo dependesse de ti. (= 2)”

Por favor, não pense que eu sou um herói. Sou bastante novo nessa determinação e ainda tenho que lutar contra minhas neuroses para poder pensar assim. Não é um superpoder inato.

De acordo com meu plano, fui ao Consulado-Geral da Suíça em Nova Iorque na segunda-feira, 20 de setembro (e viva o Rio Grande!). A ideia era perguntar como eu poderia acompanhar o processo do visto junto ao governo suíço, por que estava demorando tanto para minha organização solicitante receber a carta final de Berna, quais eram minhas opções se eu não recebesse a carta e o visto antes que vencesse meu visto americano (o que aconteceria logo, em outubro). Não vou entrar nos detalhes de quão mal eu fui tratado inicialmente; vou dizer apenas que, em algum momento durante um intrincado diálogo com a oficial consular, ela disse, “seu nome está em nosso sistema e estamos autorizados a dar-lhe o visto”. Fiquei surpreso. Não fazia nenhum sentido – eu não tinha que trazer a carta que a organização solicitante receberia de Berna? Era um milagre inesperado que meu nome estivesse no sistema deles. Fui ao consulado novamente na terça-feira para deixar meu passaporte e ainda uma vez na quarta-feira para buscá-lo – com um visto suíço!

A notícia de que eu teria meu visto na quarta-feira desencadeou intensos preparativos para partir imediatamente. Na terça-feira, encontrei uma passagem aérea com preço decente para ir de Nova Iorque a Frankfurt no sábado. Depois de terminar um trabalho de tradução cujo prazo terminava na quarta-feira à tarde, comecei a fazer as malas, uma tarefa que eu só concluiria na sexta-feira à tarde. Após vender, doar, enviar pelo correio, ou jogar fora muitas de minhas coisas, consegui encher duas malas para despachar. Cada uma delas pesava o máximo que a companhia aérea aceitaria levar, mesmo pagando excesso de bagagem (o que eu teria de fazer, inevitavelmente). Minha bagagem de mão tinha o dobro do peso permitido. Então olhei à minha volta… e para o meu pavor ainda tinha um monte de coisa pra levar! Decidi simplesmente jogar tudo dentro das duas malas grandes e torcer que a companhia aérea não fosse muito rigorosa.

No meio da loucura de fazer malas, ainda tive a oportunidade de dar adeus individualmente a muitos amigos, inclusive alguns que não tinham ido à festa de despedida. Na terça-feira, tive um almoço italiano com a Maurizia da NYU, sobremesa-tardia (e uma sobremesa maravilhosa) com a gourmet Christine da City Grace, e um jantar memorável em um restaurante chique (para o qual eu tinha ganhado um vale-presente de $100!) com as irmãs Leslie e Stephanie da City Grace. Na quarta-feira, almoço e sorvete e conversa maravilhosa (como sempre) com o Kyle da City Grace. Na quinta-feira, a Isabela da NYU me ofereceu hospitalidade e comida típicas da Bahia, e mais tarde encontrei novamente a Leslie e a Stephanie em um evento beneficente que a Leslie ajudou a organizar. Na sexta-feira à tarde, a Natasha veio de Nova Jersey me visitar, o que foi um grande incentivo para eu terminar de empacotar (incluindo café, de que eu realmente precisava àquelas alturas). Na sexta-feira à noite, minha última noite em Nova Iorque, fui à festa de inauguração do loft de Kyle, Lee e Ryan, onde vi ainda uma vez muitos dos bons amigos que acabo de mencionar, bem como muitos outros (que não vou citar aqui, porque seria uma longa lista). Foi a forma perfeita de terminar um ano maravilhoso em Nova Iorque.

Em todos os momentos, mas especialmente quando as coisas não pareciam ir muito bem nos meus preparativos, era evidente que eu permanecia sob o cuidado de Deus.

  • Nunca tinha tido problemas para chegar a Roosevelt Island com o metrô F – exceto, é claro, no meu penúltimo dia em Nova Iorque, quando perdi algumas horas por causa de atrasos, acidentes e mudanças de rota inesperadas. Mas nem a MTA (Metropolitan Transit Authority, empresa de transporte público de Nova Iorque) podia me deter: apesar da perda de tempo, ainda consegui me aprontar em tempo.
  • No sábado, o táxi que deveria me levar de Roosevelt Island até a parada do ônibus expresso entre Midtown e o aeroporto de Newark não consegui chegar bem até a parada, por causa de ruas interrompidas em Manhattan. Felizmente, Deus enviou-me um dos Seus anjos, meu amigo Naoki, que me ajudou a carregar as malas até a parada de ônibus.
  • Quando cheguei ao aeroporto de Newark, fiquei em choque quando o ônibus parou e me largou na área de desembarque, não de embarque. Tão frustrante! Tinha que dar um passo adiante com uma das malas, então voltar para pegar as outras duas malas e trazê-las junto à primeira – e assim por diante. Era humanamente impossível carregá-las todas ao mesmo tempo e não havia carrinhos por perto. Aí, do nada, um funcionário do aeroporto se aproximou e me trouxe um carrinho!
  • Então, fui ao balcão da companhia aérea, fazer check-in. Ambas as malas grandes passaram – miraculosamente, até, porque eu sabia que ambas pesavam mais que o máximo permitido. Além disso, não só a moça nem me pediu pra pesar minha mala de mão, mas também ofereceu para despachá-la sem custos adicionais. Inacreditável! Finalmente, ela me ofereceu um assento de corredor (meu tipo preferido) na fila de uma saída de emergência (o espaço para minhas pernas era tão enorme que eu podia dançar valsa ali). E nem precisei pedir.

Tudo parecia estar preparado pra mim. Só Deus poderia ter feito isso dessa maneira. Ele cuidou de detalhes em que eu nem pensei.

Quando desembarquei em Frankfurt, Alemanha, meus pais já estavam esperando por mim no portão. Contei a eles toda esta saga enquanto dirigíamos a Limburg, bem a tempo do culto na igreja evangélica de que minha irmã e meu cunhado participam. À medida que eu me acalmava, sentado na igreja, finalmente percebia que tinha chegado. No domingo anterior, meu aniversário de Confirmação, estava eu em Nova Iorque, dizendo adeus à minha comunidade e aos meus amigos, mas não tinha nem ideia de que receberia o visto e partiria tão rápido. Apenas uma semana depois, estava eu na Europa, com meus pais. Minha irmã e meu cunhado, que eu estava tão feliz de poder ver de novo depois de um ano, em breve chegaria com minha sobrinha e meu sobrinho, que eu estava tão feliz de poder ver pela primeiríssima vez! Eu me sentia realizado, embora exausto da viagem. Não tinha conseguido dormir nada no voo. Além disso, tinha que conciliar a euforia de encontros e desencontros com a tristeza de deixar para trás uma realidade que eu verdadeiramente amava – não estava mais morando em Nova Iorque, aquela igreja não era a City Grace Church, e nenhum dos meus amigos estava ali.

Meu nível de alemão é iniciante (não estou sendo modesto), definitivamente não suficiente para entender um culto inteiro em alemão. Pego umas palavras aqui e ali, infiro algumas a partir do contexto, e isso me permite chegar a um entendimento de uns 65% do que está sendo dito. E não faço ideia de daonde tirei esses 65%, porque é provavelmente bem menos que isso. Ainda assim, por alguma razão divina, eu entendi bem claramente quando o pastor disse que o versículo bíblico da semana era I João 5:4:

“…porque tudo o que é nascido de Deus vence o mundo. E esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé.”

Fiquei paralisado. Imediatamente interpretei o versículo à luz dos eventos recentes na minha vida – vencer desafios terrenos através da fé e da confiança em Deus. Mas isso era apenas a ponta de um iceberg de significado. Lágrimas começaram a correr dos meus olhos no momento em que ouvi o versículo. Só consegui me virar para o meu pai, que estava sentado ao meu lado – “Pai, tu te lembras? É o meu versículo de Confirmação!”

Eu já tinha derramado algumas lágrimas em três ocasiões no processo de partida de Nova Iorque e já tinha falhado na minha determinação de chorar somente quando estivesse no avião para a Europa. Primeira vez: quando voltei a Roosevelt Island depois da festa de inauguração do apartamento dos meus amigos, minha última noite em Nova Iorque. Segunda vez: quando entrava no túnel Holland, saindo de Manhattan a caminho de Newark. Terceira vez: durante o voo, especialmente quando li os cartões de despedida que o Naoki e a Stephanie escreveram (bem, o Naoki intencionalmente escreveu o seu como um “auxílio para chorar”, para o caso de eu ter me esquecido de levar uma cebola para cortar, como ele mesmo colocou, e a Stephanie disse que o dela era muito “emotional and crap” [difícil traduzir!], nas palavras dela mesma, então não é surpresa que eles me fizeram chorar). Mas aqueles momentos foram diferentes. Eu tinha a situação sob controle e não deixei ninguém ver. Desta vez, em Limburg, eu simplesmente não conseguia parar. Acho que só consegui quando lembrei que conheceria logo minha sobrinha e meu sobrinho de dois meses de idade, e quando percebi que eles teriam se comportado melhor durante o culto do que o seu tio de 25 anos.

Falando bem sério, não sei exatamente por que eu estava chorando – talvez porque estivesse tão aliviado de ter chegado com segurança depois da minha saga, ou porque estivesse triste por sair de Nova Iorque, ou porque estivesse feliz de estar na Europa e de ver minha família de novo, ou por causa de um mix de todas essas razões. Sempre se pode racionalizar e pensar que eu estava exausto e particularmente sensível e sei-lá-o-quê, mas outra possibilidade é que eu tivesse sido movido pelo Espírito. É difícil explicar ou descrever. Foi muito intenso. Minha ousadia em compartilhar essa história só se explica pela minha imensa gratidão a Deus.

Pra deixar o blog perfeitamente atualizado, não bastam estas 2.500 palavras; faltam ainda algumas. Escrevi o post (até o parágrafo anterior) originalmente em inglês, para dar notícias aos amigos em Nova Iorque, mas resolvi traduzir porque os amigos brazucas também merecem a atenção e um relatório completo. Aliás, ainda mais completo, escrito à medida que a história acontece. Do domingo 26 de setembro até hoje (sábado 2 de outubro), fiquei com minha família na região do Westerwald, na Alemanha, babando um pouco nos sobrinhos Isabel e Felipe.

Hoje, às 9h da manhã, tomei um trem rumo a Genebra via Frankfurt e Basileia. Chego em Genebra por volta das 18h. Na estação, vai me esperar o senhor em cuja casa vou alugar um quarto durante esse meu período aqui (até meados ou fins de janeiro do ano que vem). Fica em Troinex, a sudeste de Genebra.

Escrevo durante a viagem de trem. Escrevendo, contemplando, ouvindo música. Destaques da minha playlist de viagem:

  • Empire State of Mind, do Jay-Z (porque sair do “empire state of mind” é uma tarefa difícil)
  • Sonatas de violino de Beethoven (porque achei apropriado para o trecho alemão da viagem)
  • Songs In and For Curious Times (uma coletânea – presente de despedida do amigo Kyle)
  • Zooropa (porque U2 é U2, ora; não precisa de justificativas)
  • Encontros e Despedidas, com Maria Rita (porque achei apropriado para o contexto ferroviário)

Agora que estou no último trecho (Basileia–Genebra), já em território suíço, posso fazer alguns comentários sobre as primeiras impressões da chegada. E só algumas, porque quero parar de escrever logo pra curtir a paisagem! Na Alemanha estava chuvoso, mas desde que entramos na Suíça tem feito um dia lindo de sol, que só faz destacar a beleza natural do lugar. O trem faz curvas por entre os morros e entra em longos túneis e passa por pequenas cidades encantadoras. O que se vê ao redor são morros cobertos de florestas já com sinais de outono, o lago cercado de villas simpáticas e pontilhado de veleiros, as montanhas brancas dos Alpes à distância… é deslumbrante. Tô chegando…

Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir
São só dois lados da mesma viagem

(Encontros e Despedidas)