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Radical

Depois do almoço no último sábado, pensei em fazer algo que raramente faço: tirar um cochilo. Estava cansado e a semana tinha sido pesada; parecia uma boa ideia para repor as energias. Depois de meia hora de taquicardia e tentativas de pregar os olhos, sem sucesso, desisti.

Eram quatro da tarde. Frustrado, saltei da cama e comecei a me preparar para fazer outra coisa que raramente faço. Ao perceber que eu não estava dormindo, minha mãe veio falar comigo e me encontrou passando filtro solar. Fez cara de ponto de interrogação.

1088028_19926489“Vou à praia”, afirmei, com a maior naturalidade.

“Que radical!”, ela reagiu, com cara de espanto.

Eu tive que rir. Não há nada de radical, é claro, em ir à praia num sábado quente de verão em São Lourenço do Sul. Centenas (milhares?) de pessoas fazem isso.

No meu caso, ela tinha razão. Foi radical. Mesmo visitando meus pais – que moram a duas quadras da lagoa – desde o início do ano, a primeira vez que fui à praia, propriamente falando, foi sábado.

Tomei sol (usando três camadas de filtro solar com FPS 360), li vários capítulos de um livro, dei um mergulho… tudo tão óbvio e acessível e agradável. Isso que eu nem gosto tanto de praia.

Tendo ido à praia, nem gostando tanto assim de praia, percebi que é um absurdo não ter escrito nenhuma vez no blog em 2015 – e outro absurdo não ter escrito nele nenhuma vez no último trimestre do ano passado. Tenho muitos assuntos pendentes.

Em 2014, foram muitas emoções. Fiquei internado em um hospital por nove dias tomando antibiótico na veia. Saí do hospital e, no mesmo dia, pedi demissão. Comecei um trabalho ainda mais legal. Não contei nada disso! Absurdo.

A trabalho, ou simplesmente porque sim, viajei um tanto. Fui a Buenos Aires, Curitiba, Frankfurt, Genebra (duas vezes), Limburg an der Lahn (duas vezes), Montreux (duas vezes), Newport News, Nova York (duas vezes), Santo Domingo, Seattle, Washington… e acho que só contei de Buenos Aires! Absurdo.

Começou uma coceirinha por resolver esses absurdos. Ou seja, voltei.

Agora vou ligar pra minha mãe e contar, só pra ouvi-la dizer:

“Que radical!”

Tecnologia não se elogia

No post de ontem, em que eu (com pouca competência?) inter-relacionei spam, biblioteca, suicídio e arquitetura, fiz incidentalmente um elogio deslavado ao filtro de spam do Gmail.

Horas depois, recebi diretamente na minha caixa de entrada uma mensagem de remetente desconhecido e enviada para mim em cópia oculta. O corpo da mensagem veio em branco. O recado veio todo na linha de assunto (em português, mesmo):

Você pode me ajudar dublê como meu beneficiário e recolher 7,5 milhões com um banco, para o financiamento de organizações de caridade que eu estou sofrendo de câncer de esôfago.

Com não vieram mais detalhes, resolvi ser proativo. Imediatamente respondi, enviando nome completo, CPF, dados bancários, endereço postal, telefones. E anexei uma cópia digitalizada de um documento de identidade com foto. #sqn

Não se pode elogiar, mesmo.

Excel? O que é Excel?

Dizem que a conversa foi exatamente assim:

“Pra isso, em fez de uma tabela no Word, melhor fazer uma planilha no Excel.”
“Excel? O que é Excel?”
“Capaz que tu nunca ouviu falar no Excel!”
“Não. Nunca.”
“Mas… É o Excel! Programa do Microsoft Office! Tem o Word, o PowerPoint, o Excel…”
“Ah, claro que ouvi falar! É o primo verde do Word!”

Proficiência em Excel

Dizem que a entrevista foi exatamente assim:

“Observei em seu currículo que você tem proficiência em Excel. Isso é muito importante, porque trabalhamos com planilhas de dados bastante complexas. Você pode detalhar ou dar um exemplo de sua experiência no uso do Excel?”

“Claro. No meu trabalho anterior, eu trabalhava direto no Excel, com tabelas de muitas linhas e colunas. Eu preparava as tabelas para impressão, formatava as bordas e o sombreamento. Só nunca soube usar bem essa coisa de fórmulas.”

Feitiço de segunda-feira

Tudo começa com uma noite maldormida de domingo para segunda-feira.

Primeira pergunta que me fazem no trabalho: por que essa cara acabada?

Última pergunta que me fazem no trabalho: alguém te deu um soco no olho?

É, parece que estou com lindas olheiras já no primeiro dia da semana.

No intervalo de almoço gasto uma boa grana não orçada trocando um componente elétrico não consertável do carro (que eu tanto pensara em vender e não vendi por pouco).

Meu trabalho não rende tanto quanto gostaria, esperava e precisava.

Fui jantar na casa da minha madrinha, disposto a fazer o dia dar certo afinal. Estava indo tudo muito bem — até que respinguei umas gotas de molho escuro na camisa clara.

Perdi um de meus celulares (que eu nem deveria ter, porque não sou homem de ter dois celulares).

Também perdi tempo precioso procurando o celular perdido, em vão, e não aproveitei como queria a visita dos meus pais.

Antes de ir dormir, esfreguei tira-manchas na camisa e coloquei-a na máquina para enxaguar. Enquanto isso, aproveitei para ler. Na página 200 do livro, uma surpresa: encontrei uma nota de 50 reais, que tinha colocado ali e nem me lembrava mais.

Olhei as horas. Já era terça-feira.

Contatos de segundo grau

Visitei hoje um escritorio de advocacia a convite do sócio-gerente, com quem tinha entrado em contato em virtude de um evento de arbitragem internacional. Não: não foi uma entrevista de emprego.

Fui muito bem recebido. Primeiro que o advogado tem opiniões muito lúcidas sobre os problemas do regime internacional do investimento estrangeiro, que eu pesquiso todos os dias no trabalho.

Segundo que ele, além de ser supercool e ter na sua mesa fotos com o George Clooney e com os Obamas (as pessoas de verdade – não de museu de cera, como as que eu tenho), foi também supergentil, oferecendo dicas para minha busca de emprego e me apresentando outros três advogados do escritório.

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Uma das minhas fotos dos Obamas,
de quando os visitei na Casa Branca (aham…)

O jegue do meu vizinho

Troinex, onde moro, faz parte da “Grande Genebra”. É uma localidade bem residencial, mas beirando o rural. Prova contundente disso é que um de meus vizinhos tem um jegue.


Ploc, o jegue do meu vizinho


O jegue do meu vizinho em seu habitat; ao fundo, o Salève;
a casa à direita na foto é onde moro

Um tempo atrás, por curiosidade e para tentar suprir minha total deficiência de conhecimento em zoologia, pesquisei sobre as diferenças conceituais entre jegue, jumento, asno, mula e burro.

Começa fácil: jegue, jumento e asno são nomes diferentes para o mesmo equino. O híbrido nascido de égua e jumento é mula se for fêmea ou burro se for macho. E ainda tem o bardoto (fêmea ou macho), que é o hibrido nascido de jumenta e cavalo. Esse bardoto é o mais pobre bicho de todos, porque o seu desenvolvimento é afetado pelo espaço limitado do útero da jumenta.

Mas saindo desse papo genérico (e bastante aleatório) quero voltar ao particular do jegue do meu vizinho, o qual é tres sympa. (Quero dizer que o jegue é legal; o vizinho… não sei; não o conheço. Mas ele deve ser legal também. Tal jegue, tal dono.)

Um dia desses dormi além das 6:54, hora do meu despertador, e o jegue do meu vizinho me serviu de função soneca. Às 7:10 ele comecou com seus ih-ohs característicos, deliberadamente para me acordar e garantir que eu me levantasse a tempo de pegar o ônibus, às 7:52. Jegue suíço, pontualidade britânica.

Por essas e por outras gentilezas que o jegue do meu vizinho me faz, resolvi dar-lhe um nome sympa como ele: Ploc. Nesse clima pre-Adventício, o nome Ploc é uma homenagem a uma memória de infância. Não, nada a ver com o chiclete Ploc. É que nos meus tempos de culto infantil na Igreja São João tinha uma música de Natal assim:

Um jumentinho
Ploc ploc ploc ploc
Vai pela noite fria

Vai de mansinho
Ploc ploc ploc ploc
E entra numa estrebaria…

Inusitado 800mg

Um dos pontos altos da vida em Nova Iorque é a alta dose de inusitado que se toma involuntariamente dia após dia. No caminho pra estação de metrô de Roosevelt Island, por exemplo, caminhava à minha frente um rapaz com um papagaio no ombro direito. Já o tinha visto por aí outro dia, mas hoje discretamente fotografei.

Buzina

Alguém buzinou pra mim enquanto eu caminhava pelo Village, da estação de metrô à biblioteca, arrastando minha mala (literalmente: é uma pequena mala, dessas de levar de bagagem de mão) com os livros para meus estudos. Às 8h da manhã, com o Village quase deserto, dá pra ter certeza: a buzina era pra mim. Não foi uma buzina-xingamento; foi antes uma buzina rápida e simpática.

Em Pelotas, buzina rápida e simpática normalmente significa que um conhecido te viu na rua e quis te cumprimentar. Aqui, porém, a chance de isso acontecer é nula: ninguém que eu conheça tem carro. Mas mesmo assim eu olho, como há pouco olhei, pra ver quem era. Claro, sou de Pelotas. Vai que seja algum conhecido? Santa ingenuidade.

Outra vez que isso aconteceu (em pleno domingo de manhã, na caminhada de uma quadra entre a igreja e o prédio onde eu morava), baixaram o vidro do carro e cumprimentaram meus atributos físicos, de uma forma tão particularmente nova-iorquina que prefiro não transcrever aqui. Nada de mais, e nem teria sido incômodo, não fosse por um detalhe: era um cara (!). Não sei por que eu insisto em olhar… Ignorar e seguir caminhando (o que em Pelotas é grosseria) aqui é sempre a opção certa.

Hoje, de novo, não resisti e olhei. Obviamente não era nenhum conhecido. Era um taxista. O táxi estava reduzindo a velocidade e pouco a pouco se aproximando do meio-fio. Aí que me dou conta (sabe como é, de manhã o raciocínio é um pouquinho mais lento): como me viu puxando uma mala, talvez o taxista tenha suposto que eu gostaria de pegar um táxi. Estranho, de qualquer forma, porque conseguir um táxi em Manhattan é a coisa mais trivial; se eu realmente quisesse um, estaria dentro de um, não caminhando na calçada. Aí por aqueles segundinhos incômodos ficou o taxista a me olhar, meio que indagando se eu queria um táxi. Quando me dei conta, claro, fiz o que deveria ter feito desde o início (ignorar e seguir caminhando), pra ver se o taxista seguia seu rumo. E foi o que ele fez.

Já é a segunda vez que tenho esse tipo de interação com taxistas. Vai ver que os taxistas de NYC estão ficando sem serviço e estão correndo atrás da demanda? Impossível. Vai ver, então, que estão se tornando mais simpáticos? Duvido ainda mais. Acho que isso só acontece para eu ter aleatoriedades matinais para postar no blog.