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Diz-me quem fala e te direi se o que ele fala presta

Está confirmado: a Copa de 2014 será no Brasil. Vejo pontos positivos e negativos nisso, mas na real não tenho paciência para esse tipo de ponderação. Por isso, não pretendo discutir o mérito da decisão da FIFA. O que me chamou mais a atenção hoje foi a comitiva brasileira que apresentou a candidatura do Brasil à Copa; em particular, refiro-me ao discurso de um de seus membros: o imortal escritor (será que eu deveria usar aspas?) Paulo Coelho.

A emoção do futebol, ela é totalmente atípica. Eu já vi pessoas ficarem cinco horas discutindo sobre um jogo, e nunca vi ninguém ficar discutindo cinco horas sobre uma relação sexual. Conseqüentemente, pelo menos a emoção do futebol dura mais! […] (Não tô dizendo que seja melhor ou pior; digo que dura mais!)

Entenda cada um como quiser. Aliás, pesquisei algumas reações em sites com notícias esportivas. O Globo Esporte, na minha opinião, foi o mais objetivo e imparcial: Paulo Coelho teria comparado “isto” com “aquilo”, quer dizer, “paixão-do-brasileiro-pelo-futebol” com “sexo”. Outros foram bem mais dramáticos. Para o Estadão online, a comparação feita representaria a essência do espírito brasileiro tal como o escritor a percebe: futebol, para brasileiro, seria mais importante que sexo. A Lancepress foi mais ou menos pelo mesmo caminho: Paulo Coelho teria dito que “o brasileiro deve preferir o esporte ao ato sexual”.

Da platéia (autoridades políticas brasileiras em peso: Presidente da República, Governadores de Estado, Ministros de Estado, Chanceler), a comparação arrancou risadas. Já o Presidente da FIFA, Joseph Blatter, ficou impressionado com o senso de humor “apurado” ou “muito específico” ou “muito particular”. Os sites de notícias que eu consultei, independentemente da interpretação sobre a analogia entre futebol e sexo, classificaram o discurso como irreverente (me parece que num sentido positivo).

Quanto a mim, a reação foi de puro asco. Por vários motivos.

Antes mesmo de não gostar do discurso, não gostei da presença da figura ali, pelo que ela representa. E não me refiro ao que ela representa (será que caberia um “ou não”?) em geral, para a literatura de língua portuguesa, mas ao que ela representava naquele lugar, naquele instante. Autoridades políticas, ok, perfeitamente compreensível: trazer uma Copa do Mundo para o Brasil é um esforço com evidentes reflexos políticos e econômicos. Craques do futebol, ok também, obviamente. A presença deles ali é uma mensagem para o mundo: “só pra lembrar – o futebol brasileiro é tudo isso e muito mais, e merecemos sediar de novo uma Copa”. Agora… o escritor? Por acaso a idéia seria vender o peixe da cultura do povo brasileiro? (Ainda não entendi bem a história da propaganda ecológica ou ambientalista na Copa, mas também me cheira a golpe.) Aliás, a propósito de vender o peixe, a pergunta que não quer calar: por que Pelé não estava lá? Pelé é muito mais imortal do que qualquer imortal que se pudesse chamar para uma comitiva encarregada de tratar de futebol. Se nem mesmo Pelé estava lá, por que mesmo o escritor?

Já quanto a não gostar do discurso em si, em especial do trecho citado, digo de forma bem sincera: não achei graça. Talvez me diga o leitor que meu senso de humor não é apurado o suficiente. Acho improvável. (Posso discordar radicalmente da tua opinião, mas defenderei até a morte o teu direito de expressá-la!)

Mais do que sem graça, achei impertinente. E por quê? Sugiro, só para ilustrar meu ponto de vista, um exercício de imaginação: substitui a figura do Imortal pela do Excelentíssimo. Ele vai lá dar o discurso, compara futebol a sexo, dá uma risadinha, coça a barba com cara de sacanagem. Tudo igual. Mas pronto: a reação seria totalmente diferente. Todos os meios de comunicação divulgariam a imperdoável gafe, uma vergonha para a nação. Só teria faltado falar em samba e cachaça, porque futebol já era o tema principal do evento, e alguém deu um jeito de falar em sexo. Seria um prato cheio para todos os sites de frases não muito felizes do Presidente Lula. Experimenta só googlar as palavras “Lula” e “frases” pra ver o que aparece… Talvez me diga o mesmo leitor (aquele que criticou meu senso de humor) que eu estou enganado, que não seria assim. De novo, eu não mudaria de idéia por causa da crítica.

No Brasil, tudo depende mais da pessoa do orador que do conteúdo do discurso. Se é um imortal Dr. Fulano, vale a pena ser ouvido (mesmo que, no fundo, diga asneiras de início a fim, e as diga fora da norma culta, e de improviso). Se é um Zé Beltrano, só diz asneiras (mesmo que, no fundo, diga coisas que valem a pena ser ouvidas, embora não seja um orador irretocável). Pior ainda: se é um Excelentíssimo Zé Beltrano, só diz asneiras, de improviso, e além disso fala errado, e por isso vamos reparar apenas na forma como ele fala, dissecar suas frases, expor seus erros gramaticais publicamente e questionar como é possível que tenha chegado ao posto onde chegou, já que não tem um mínimo exigível de domínio sobre a língua culta, falada ou escrita.

Se a comparação entre futebol e sexo fosse de um Excelentíssimo Zé Beltrano, eu a dissecaria. Mas é de um imortal Dr. Fulano. Deixa assim. Ele tem licença poética.

Uma revolução redacional

Não pretendo em um só post recuperar o atraso do blog, mas desde já faço a advertência: isso pode muito bem acontecer. Este texto resulta de uma profunda reflexão que tenho feito desde que reli um livro realmente transformador: Economical Writing, da Dra. Deirdre McCloskey. Podes parar de bocejar: mesmo que Economia não seja tua praia, o livro tem muito mais de Writing que de Economical. Aliás, na minha opinião deveria chamar-se Academic Writing, ou, sem querer exagerar na abrangência, Writing.

A lição do livro serve para qualquer pessoa, já que escrever bem deveria ser o objetivo de qualquer pessoa. Tudo bem que o público-alvo é o escritor de língua inglesa, e que justamente por eu estar escrevendo um artigo em inglês ao ler o livro acabei aproveitando mais a lição, mas farei aqui apenas comentários que na minha opinião valem para qualquer idioma ou até, de novo sem querer exagerar na abrangência, em qualquer forma de comunicação.

“Escritores amadores acham que escrever é um traço de personalidade, e não uma habilidade.” (p. 1)

Já pensei assim, e talvez também penses. Mas vejamos: escrever não é simplesmente um dom que as pessoas têm. É muito mais transpiração (prática) do que inspiração (talento). É muito mais questão de ter conteúdo e vontade de exprimi-lo do que de ter uma capacidade extraordinária para expressar idéias por escrito. Todos somos falantes competentes da nossa língua. Às vezes o que nos falta para escrever bem é apenas um pouco de domínio sobre aspectos técnicos da língua escrita, e isso só a prática ensina.

“Escrever é pensar. Não aprendes os detalhes de um argumento até que o escrevas em detalhe, e em escrever os detalhes descobres falhas nos fundamentos.” (p. 7)

Fica até difícil comentar essa colocação, porque é auto-explicativa! Muito bem escrito e verdadeiro. Por esse e outros motivos eu digo que esse livro é o máximo!

“Diz o que que vais dizer; dize-o; e depois diz que o disseste.” (p. 11)

Enquanto McCloskey simplesmente abomina essa regra, nós a ouvimos até de professores de Língua Portuguesa ou Redação e de Metodologia da Pesquisa. Para constatar que muita gente leva essa regra a sério, basta ler alguns trabalhos científicos e até livros didáticos (mesmo de ensino superior). Há quem não se canse de repetir a mesma idéia expressa de outra forma. Alguns escritores têm prazer em dizer a mesma coisa em outras palavras. Só para garantir que o leitor entenda, reformulam frase após frase…

Pronto, pronto, já entendeste bem o que eu quero dizer: repetição cansa o leitor! Como é que tem gente que não se dá conta disso? Ah, se fosse só disso que não se dão conta… Tem tanto mais na escrita acadêmica que deveria ser repensado. Queres ver?

“Notas de rodapé são ninhos de pedantes. Uma nota de rotapé deveria ser subordinada. É por isso que está no pé da página.” (p. 48)

Tenho professores que amam tanto as notas de rodapé a ponto de dizer que é nelas que deve estar a contribuição principal do autor: no corpo do texto, caberia apenas fazer um “diálogo” com a literatura já existente sobre o tema. Isso não faz o menor sentido para mim. Notas desviam a atenção do autor, porque quebram a fluência da leitura, especialmente quando colocadas no meio de uma frase. Gosto da regra da McCloskey: “Notas de rodapé deveriam guiar o leitor às fontes. E só” (p. 48). Talvez seja uma opinião radical demais, porque às vezes também acho difícil evitar uma nota explicativa… De qualquer forma, se as notas começam a tomar volume, é porque não têm importância meramente “subordinada”; nesse caso, merecem ser “promovidas” para o corpo do texto.

“Usa verbos, na voz ativa” (p. 70)

McCloskey sugere o uso de verbos na voz ativa e do imperativo (“usa verbos na voz ativa”) como substituto para a voz passiva (“verbos na voz ativa devem ser usados”). A tal da voz passiva, que a autora (des)qualifica de “covardia”, é a recomendação de vários manuais de normas técnicas, redação acadêmica e metodologia da pesquisa, inclusive o da universidade onde estudo. Mas, pra falar a verdade, ninguém pensa na voz passiva e ninguém fala na voz passiva. Muitos dos manuais autorizam a voz ativa, mas ainda em nome da impessoalidade, recomendam o uso da terceira pessoa do plural: “nós”. Agora, convenhamos: se sou autor único do texto, por que diria que “nós” fizemos isto ou aquilo? Na busca pela impessoalidade, pela imparcialidade, pelo distanciamento do pesquisador e tudo o mais, a academia acabou tornando-se um lugar onde se escrevem esquisitices.

“Evitar a Variação Elegante” (p. 56)

Variação Elegante é o uso de várias palavras com o mesmo significado – que muitos escritores usam e muitos professores recomendam com o fim de evitar repetições. Exemplo: “o autor”, “o eminente jurista”, “o doutrinador”, “o discípulo de Beltrano” – sempre para substituir o nome da pessoa, Fulano de Tal. McCloskey, no extremo oposto, chega a recomenda a repetição moderada de palavras, para manter a coerência do texto, usando às vezes pronomes oblíquos “para aliviar a monotonia” (p. 50). É uma solução melhor do que o perigo de, no fim das contas, o leitor nem saber mais a respeito de que estamos escrevendo (p. 56).

Outras dicas de McCloskey válidas para a escrita acadêmica

Não começar um trabalho acadêmico com aquela clássica encheção de lingüiça da “imaginação falida”: “Este paper…”.

Evitar a seção de “background”, “aquele material que coletaste e que depois descobriste que estava além do objetivo do texto” (pp. 36-37). Em outras palavras: manter o foco do texto; não divagar; excluir informações irrelevantes.

Pular o parágrafo-índice: “O presente paper está estruturado da seguinte forma: o primeiro capítulo…”. Dependendo da forma como se escreve esse parágrafo (e aqui me refiro também a “recapitulações” no início de novos capítulos), pode ficar mais fácil para o leitor localizar-se e ter uma noção de unidade do texto. Por isso eu relativizo esta regra…

Nunca repetir sem pedir desculpas: se julgares preciso repetir para reforçar ou relembrar um argumento, cuidado para não insultar a inteligência e a memória do leitor!

As REGRAS DE OURO ensinadas por McCloskey no seu livro são as duas seguintes, na minha opinião:

1) “Clareza é uma questão social, não algo a ser decidido unilateralmente por quem escreve. O leitor, como o consumidor, é soberano. Se o leitor acha que o que tu escreveste não está claro, então não está, por definição. Desiste de discutir.” (p. 12)

Por não entendermos isso, às vezes somos hostis às críticas de nossos leitores (involuntários revisores!)… Pensamos que está bem escrito e ponto, que se o leitor não entendeu porque é “limitadinho” intelectualmente, que ele não respeita o nosso “estilo”. Não, não, não: clareza não tem nada a ver com inteligência ou estilo. Nosso texto tem clareza, como bem ensina McCloskey, quando tem objetividade e fluência, isto é, quando o leitor (a “sociedade”) compreende o que escrevemos sem embaralhar-se.

2a) Lê, relê, trelê…

A autora dá uma dica para contornar o problema da falta de clareza: “Ler o que escreveste com frieza, uma semana depois de ter feito o rascunho, vai evidenciar partes do texto que nem mesmo tu consegues ler com facilidade” (p. 13). Aliás, também recomenda a leitura do texto em voz alta, para não usar palavras pomposas demais: “Tu ouves uma frase quando a lês em alta voz. É uma boa regra não escrever nada que terias vergonha de falar ao teu público-alvo” (p. 30). Mais adiante, diz ainda o seguinte: “Ler em voz alta é uma técnica poderosa de revisão. Lendo em voz alta, tu ouves o teu texto como os outros o ouvem internamente, e se teu ouvido é bom vais detectar os pontos ruins” (p. 68).

2b) … e reescreve!

“Escrita fácil produz leitura difícil. O Dr. Johnson disse há dois séculos: ‘O que é escrito sem esforço é em geral lido sem prazer’.” (p. 58). Revisar e reescrever é imprescindível. É o resultado da primeira idéia que expus neste texto (lembrando: escrever é uma habilidade, e não um dom) e da primeira regra de ouro (de novo: clareza é uma questão social, e não de estilo). É, enfim, um sinal de respeito ao leitor.

Se eu já era perfeccionista e um revisor compulsivo (de escritos próprios e alheios!), a releitura de Economical Writing me fez ainda pior. Ou melhor. Isso quem há de decidir é o leitor, que é soberano. Agora, uma coisa é certa: a literatura acadêmica muito se beneficiaria da aplicação das regrinhas simples expostas pela Dra. McCloskey. Haveria mais qualidade e interesse na ciência e no ensino-aprendizagem se houvesse mais qualidade na escrita. Encerro como comecei, “sem querer exagerar na abrangência”: teríamos um mundo bem melhor (pelo menos mais agradável para todos nós, leitores!) depois de uma revolução redacional.

Sobrevivente

Desta vez eu me puxei na “paradinha de uma semana” desde a terça-feira de carnaval. Mas não vou pedir perdão, porque eu tenho suficientes desculpas para não ter postado ao longo de todo esse tempo. Por óbvio, a idéia de posts retroativos está rejeitadíssima, porque a essas alturas isso seria humanamente impossível. E, ao contrário do que alguns pensam, não sou alienígena. Mas pra justificar meu sumiço vou fazer uma breve retrospectiva. Breve. Prometo que consigo.

Neste meu último semestre no curso de Economia, a Universidade resolveu exigir cadeiras que, até então, diziam ser eletivas. E a exigência veio depois do período de matrículas, quando já não há muito o que fazer. Aí é pra enlouquecer qualquer um, né? E foi exatamente isso que aconteceu – enloquecemos, meus colegas e eu. (…) E essas reticências significam intermináveis MESES de sangue e suor e negociação com a coordenação do curso, a pró-reitoria de graduação, os registros acadêmicos, até a reitoria… em um processo administrativo que finalmente garantiu a oferta das disciplinas faltantes. Apesar dos percalços, tudo se resolveu.

Só que pra me formar, além das cadeiras, faltava a monografia. Primeiro, tive de traduzi-la (pra quem lembra, foi escrita originalmente em espanhol!) e finalizá-la. Tudo certo. Dia 30 de julho, fui aprovado (yay!), depois de uma banca de duas horas. Mas não foi uma tortura. Ao contrário – foi uma das minhas melhores experiências. Os professores elogiaram bastante o trabalho e eu não tive dúvidas de que valeu o sacrifício.

Mesmo enquanto ainda não tinha certeza de que as disciplinas faltantes seriam oferecidas e de que eu poderia me formar em 2007/1, eu me candidatei a uma pós-graduação: Especialização em Direito Ambiental, a área que eu pretendia seguir, desde que entrei no curso de Direito. E passei. Aí tive de pedir uma formatura interna às pressas (pra fazer pós-graduação, há quem diga que precisa ser graduado). Então tá, desde terça-feira sou Bacharel em Economia. E a matrícula na pós é hoje à tarde. Ufa…

Quando voltei supermegafeliz voltando da Argentina, nunca imaginei que tudo isso poderia acontecer em um só semestre, e um semestre tão decisivo. Nesse período eu li Hard Times, de Charles Dickens. E me parecia claramente que eu estava descendo a escadaria da Sra. Sparsit: a mighty Staircase, with a dark pit of shame and ruin at the bottom (“uma grandiosa Escadaria, com um escuro poço de desonra e ruína na sua base” – tradução livre).

Mas agora eu posso, finalmente, voltar a respirar tranqüilo. Nem acredito que consegui interromper a descida antes de chegar ao poço. Sobrevivi. E sou muito grato a Deus por isso – não teria sobrevivido não fosse pela força dEle. Por isso, quero reinaugurar a atividade de postagem neste blog-fênix com o meu LOUVOR reproduzindo um hino que a minha irmã Lu me apresentou um dia desses. É em inglês, mas já estamos trabalhando em resolver esse probleminha, né, Lu? 😉 Fabi, vamos cantá-la quando eu voltar ao coro? 😀 (Quem tiver banda larga está FORTEMENTE aconselhado a ouvir aqui uma linda versão da música!)

In Christ Alone

Letra e Música: Keith Getty & Stuart Townend

Copyright © 2001 Kingsway Thankyou Music

In Christ alone my hope is found;
He is my light, my strength, my song;
This cornerstone, this solid ground,
Firm through the fiercest drought and storm.

What heights of love, what depths of peace,
When fears are stilled, when strivings cease!
My comforter, my all in all—
Here in the love of Christ I stand.

In Christ alone, Who took on flesh,
Fullness of God in helpless babe!
This gift of love and righteousness,
Scorned by the ones He came to save.

Till on that cross as Jesus died,
The wrath of God was satisfied;
For ev’ry sin on Him was laid—
Here in the death of Christ I live.

There in the ground His body lay,
Light of the world by darkness slain;
Then bursting forth in glorious day,
Up from the grave He rose again!

And as He stands in victory,
Sin’s curse has lost its grip on me;
For I am His and He is mine—
Bought with the precious blood of Christ.

No guilt in life, no fear in death—
This is the pow’r of Christ in me;
From life’s first cry to final breath,
Jesus commands my destiny.

No pow’r of hell, no scheme of man,
Can ever pluck me from His hand;
Till He returns or calls me home—
Here in the pow’r of Christ I’ll stand.

Eu não disse que altruísmo existia?

Faz meses que meu orientador deixou comigo um livro, para eu ler e, em seguida, deixar como doação à Biblioteca do ICH: é o Freakonomics, que apresenta “as revelações de um economista original e politicamente incorreto”. Faz meses, mas só ontem comecei a ler (pra valer) o livro. E estou certo de que não me demoro em lê-lo, porque até agora só posso dizer que é surpreendente, contundente, excelente. Ainda nem terminei de ler, mas já recomendo a compra ou, no mínimo, a visita ao blog dos autores.

Deixando de lado a propaganda literária gratuita: fui surpreendido, no meio da minha leitura, com uma referência ao altruísmo nas doações de sangue – tema de recente post no Blog do Guri. E basta de explicações, porque melhor mesmo é ler o texto direto:

Nos anos 70, alguns pesquisadores conduziram um estudo que […] pôs em confronto um incentivo econômico e um incentivo moral. Neste caso, procurava-se aprender mais a respeito da motivação por trás das doações de sangue. O resultado mostrou que quando as pessoas recebem uma pequena remuneração para fazer a doação, em lugar de serem apenas elogiadas por seu altruísmo, a tendência é diminuirem as doações. A remuneração transformou um ato de caridade em um meio doloroso de ganhar alguns trocados, fazendo com que ele deixasse de valer a pena. E se aos doadores tivesse sido oferecido um incentivo de $50, $500 ou $5 mil? Certamente o número de doações teria aumentado drasticamente. Mas outra coisa também sofreria uma mudança drástica, pois todo incentivo tem seu lado negativo. Se um litro de sangue passasse a valer $5 mil, muita gente tomaria nota disso e talvez procurasse obtê-lo na ponta da faca. É possível que alguns tentassem fazer passar por seu o sangue de animais. utros talvez falsificassem a própria identidade para doar acima dos limites permitidos. Seja qual for o incentivo, seja qual for a situação, gente desonesta sempre tentará obter vantagens através dos meios. Ou, como disse W. C. Fields: algo valioso o bastante para ser desejado vale a pena ser roubado.

(DUBNER, Stephen; LEVITT, Steven. Freakonomics: o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta. Trad.: Regina Lyra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 24-25)

A arte de protelar

Compromisso é dívida: é neste post que conto como se resolveu o dilema – Direito ou Jornalismo? Direito, pelos fatos e fundamentos que passo a expor. (A minha necessidade de argumentar talvez seja o primeiro bom motivo para fazer Direito!)

Continuar morando em casa, na minha própria cidade, significava menos despesa e menos esforço. Comodismo, talvez; preguiça, não! Passei em dois vestibulares e persistia na vontade de dedicar-me aos estudos. Minhas irmãs, que se mudaram para Porto Alegre para estudar, não disseram que se arrependiam da decisão, mas me advertiram da complicação (talvez desnecessária) que isso significou na vida delas.

Além disso, depois de minhas experiências internacionais com mudança do clima, surgiu o interesse não só pelo Direito Ambiental, mas também pelo Direito Internacional e pela Diplomacia. O curso de Direito seria, naturalmente, o primeiro passo. Não que eu fosse um apaixonado pela advocacia, ou pelo Direito Civil, ou pelo Penal… não! Eu não queria me tornar um técnico jurídico – queria escrever!

Então fui cursar Direito, tendo em mente o que contou um bacharel que trabalhava com mudanças climáticas. Lembro-me das palavras dele: “Durante as aulas do curso de Direito, eu lia peças literárias por debaixo da classe” .

“Que espetáculo!” foi o que eu pensei. Sim, era isso o que eu queria: ser estudante de Direito, um curso que abre um vasto leque de possibilidades de trabalho e que serviria de trampolim para áreas que me interessam, mas não deixar de ler e escrever, não me deixar tornar um técnico jurídico. Ser estudante de Direito


A Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Pelotas,
sob nova perspectiva (de dentro para fora!)

E agora, José?!

Não, eu não pretendia que a deixa do último post (E agora, José?!) fosse um motivo para deixar de postar na quarta-feira, só porque eu tenho que estudar para uma prova de Processo Civil. Mas, como não tenho controle absoluto sobre meu tempo, e só para garantir, aí vai um link para o poema José, de Carlos Drummond de Andrade. Nunca é demais divulgar boas leituras. 😉

A loteria vocacional

Tendo estabelecido que eu não sou o máximo, posso dar seguimento àquela que um dia foi a narrativa de ontem e que, como percebem os leitores mais assíduos desse blog, pode muito bem ser chamada de a narrativa de outrora… e sempre.

A partir da minha seleção para a primeira conferência da ONU sobre o clima com participação jovem, quando estava ainda no primeiro ano do Ensino Médio, tudo mudou drasticamente. O contato direto com a mídia européia durante a conferência me fez pensar sobre a qualidade (nem sempre muito boa) da informação que se publica(va) no Brasil a respeito das mudanças climáticas. Estudando cada vez mais o tema, passei a escrever artigos para alguns jornais. Minhas atividades de escrita deixaram de ter um fim em si mesmas; passei a escrever tendo por fim a conscientização ambiental.

No ano seguinte (2001) fui convidado para a continuação da mesma conferência. Nessa oportunidade, tive mais uma boa dose de mídia. E mais: estabeleci contato com o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC) e passei a atuar como uma espécie de consultor jovem. Escrevi uma cartilha jovem sobre o clima, participei como relator de vários eventos pelo FBMC… pensando sempre em como comunicar melhor a mensagem da mudança climática, que no Brasil não tem o mesmo eco que encontra em outros países.

Mergulhado de cabeça nesses ideais, o Jornalismo passou a despontar no meu leque de opções profissionais. No terceiro ano, minhas atividades climático-jornalísticas relaxaram um pouco (afinal, estudei para o vestibular!), mas não foram deixadas de lado. E a idéia de fazer Jornalismo, diante de tantas experiências, crescia dentro de mim… Por outro lado, eu pretendia cursar Direito, para aprofundar-me em Direito Ambiental, já que a ciência da mudança climática não era pra mim.

Fiz um teste vocacional que media a probabilidade de ser feliz por realizar determinada atividade profissional. Resultado: área de literárias (97% ou algo tão absurdamente elevado quanto isso) e área de persuasivas (90%). Cursos sugeridos: Direito e Jornalismo. O teste me reforçou a certeza que eu já tinha e me permitiu continuar com a dúvida que eu também já tinha. (Não é uma maravilha? Não esperava milagre de um teste vocacional; ele fez tudo o que tinha que fazer! Até hoje dou graças a Deus, de verdade, por ter feito esse teste.)

Não por uma questão de herança familiar, porque nenhum de meus ascendentes se formou bacharel em Direito, mas minha família tinha como certo que esse era o curso para o qual eu prestaria vestibular. Não havia preconceito negativo contra Jornalismo, mas já estava estabelecido para todos que eu prestaria vestibular para Direito na UFPel e na UFRGS – para todos, menos para mim. A dúvida ainda me inquietava. A vontade de escrever, de comunicar… O Direito Ambiental…

A inscrição para o vestibular da UFPel já estava feita: Direito. Mas eu ainda tinha de ir aos Correios para fazer a inscrição para o vestibular da UFRGS… Ah, como eu adiei aquela ida aos Correios! Uma conversa com um grande amigo me fez ter uma idéia. Fui aos Correios. Quando voltei, avisei minha mãe que tinha feito a inscrição também na UFRGS. Para Jornalismo.

Acho que até discussão em casa eu tive – “como assim, Jornalismo?”. Mas não tinha mais volta. Era a única forma que eu tinha de empurrar para mais tarde a decisão : “se passar, decido o curso – ou não, porque posso não ter opção”. Foi uma espécie de loteria vocacional. Ganhei um prêmio, mas a loteria não serviu para nada – passei nos dois vestibulares. E agora, José?!

O primeiro ano: encanto e desencanto

Com o post de ontem acabei lembrando do texto que escrevi para a Revista da Faculdade de Direito (UFPEL), edição dos 85 anos do Centro Acadêmico Ferreira Viana. O artigo explica muito bem o que eu sentia no primeiro ano de curso (2003).

Para muitos que são ou foram estudantes de Direito, o primeiro ano é, de todo o curso, o tempo mais enfadonho e dispensável, em função de ser essencialmente teórico. A fim de ser justo, convém esclarecer que nem para todos o sentimento para com o primeiro ano é de não gostar; em alguns casos, é mais uma questão de não preferir. A respeito desse desinteresse pela teoria, os professores soem advertir que os estudos no campo das Ciências Sociais constituem base imprescindível para que o estudante compreenda o Direito em sua importância social como meio de normalização de comportamento. Esse argumento parece, entretanto, ser pouco convincente à maioria dos afoitos calouros, que mal podem esperar para manusear códigos e dominar tudo o mais que se relaciona à parte prática e técnica do Direito.

Embora crucial, esse não é o único aspecto que marca o primeiro ano na Faculdade de Direito. O ingresso em uma universidade pode ser desafiador para novatos que, no mesmo tempo em que deixam para trás o colegial, pouco sabem a respeito do que esperar de sua nascente vivência como universitário e como acadêmico de um curso de Direito. Por mais que o estudante creia ter vocação para o curso e provenha de uma boa escola de ensino médio, é quase inevitável a tensão no período anterior aos primeiros instrumentos de avaliação. Nesse período reina a dúvida: todos querem saber se estão preparando-se de maneira adequada e aprendendo, de fato, o que se supõe que aprendam. Nos meses iniciais, não há parâmetros ou indicadores, o que é desesperador para quem costuma saber mensurar o conhecimento adquirido. As disciplinas com as quais se tem contato, desde História até Introdução ao Direito, passando por Sociologia, Política e Economia, desenvolvem-se em colossais ramificações e abordagens, a cada uma das quais corresponde um cabedal literário tal que se tem a impressão de ser impossível ler todas as obras que se deveriam ler, para a melhor compreensão dos temas de estudo.

Na contramão dos que não se comovem por meio desse verdadeiro convite à erudição, posto ao calouro do curso de Direito, e que continuam impacientes, à espera das normas, há os que, como eu, ficam deslumbrados pelos estudos sociais. E não se pode pensar nesse deslumbramento senão como uma situação inquietante, porque acentua as já mencionadas incertezas que há no início do curso – há quem se coloque em uma gangorra de dúvida entre mudar para alguma das Ciências Sociais ou Humanas e seguir o Direito. Embora mais distante da tal gangorra, ainda não sei o rumo exato de minha vida, nem mesmo de minha vida acadêmica. Isso não é sequer minimamente frustrante, tendo em vista que sempre fui consciente de que é pretensão sem tamanho desejar saber tanto a respeito de si próprio, já aos dezoito anos. Porém, sem dúvida, o primeiro ano tem sido um primoroso quebra-gelos.

Para resolver, enfim, minhas incertezas com respeito ao funcionamento desse muito útil navio, tive acesso a uma ferramenta valiosa: li O primeiro ano (do original em inglês, One L), livro em que o advogado Scott Turow relata as experiências no seu primeiro ano na Harvard Law School, nos EUA. Lá o ensino jurídico se desenrola não como no Brasil, mas, desde o princípio, com atividades mais voltadas à prática, o que seria tão desejável por muitos dos afoitos calouros brasileiros. Apesar dessa divergência, constatei que, em geral, as inquietações de Turow como primeiranista eram semelhantes às minhas, com relação a aulas, estudos e leituras, bem como a respeito de minhas considerações sobre as atitudes de professores e colegas. Foi surpreendente verificar tais semelhanças entre esta Faculdade e o mais tradicional estabelecimento de ensino jurídico dos EUA. Não é prudente afirmar que essas semelhanças (ou coincidências?) se verificam em todas as faculdades de Direito, no Brasil e no exterior. Entretanto, os relatos de egressos e de estudantes do segundo ano em diante, além de minha parca mas nem por isso desprezível experiência, levam a acreditar numa universalidade: encanto e desencanto envolvem o primeiro ano dos cursos de Direito. E, mesmo no Brasil, onde os estudos iniciais são carregados de teoria, de minha parte pode-se dizer que Scott Turow tem razão: o primeiro ano é, de fato, um tempo para aprender a gostar do Direito.