Está confirmado: a Copa de 2014 será no Brasil. Vejo pontos positivos e negativos nisso, mas na real não tenho paciência para esse tipo de ponderação. Por isso, não pretendo discutir o mérito da decisão da FIFA. O que me chamou mais a atenção hoje foi a comitiva brasileira que apresentou a candidatura do Brasil à Copa; em particular, refiro-me ao discurso de um de seus membros: o imortal escritor (será que eu deveria usar aspas?) Paulo Coelho.
“A emoção do futebol, ela é totalmente atípica. Eu já vi pessoas ficarem cinco horas discutindo sobre um jogo, e nunca vi ninguém ficar discutindo cinco horas sobre uma relação sexual. Conseqüentemente, pelo menos a emoção do futebol dura mais! […] (Não tô dizendo que seja melhor ou pior; digo que dura mais!) ”
Entenda cada um como quiser. Aliás, pesquisei algumas reações em sites com notícias esportivas. O Globo Esporte, na minha opinião, foi o mais objetivo e imparcial: Paulo Coelho teria comparado “isto” com “aquilo”, quer dizer, “paixão-do-brasileiro-pelo-futebol” com “sexo”. Outros foram bem mais dramáticos. Para o Estadão online, a comparação feita representaria a essência do espírito brasileiro tal como o escritor a percebe: futebol, para brasileiro, seria mais importante que sexo. A Lancepress foi mais ou menos pelo mesmo caminho: Paulo Coelho teria dito que “o brasileiro deve preferir o esporte ao ato sexual”.
Da platéia (autoridades políticas brasileiras em peso: Presidente da República, Governadores de Estado, Ministros de Estado, Chanceler), a comparação arrancou risadas. Já o Presidente da FIFA, Joseph Blatter, ficou impressionado com o senso de humor “apurado” ou “muito específico” ou “muito particular”. Os sites de notícias que eu consultei, independentemente da interpretação sobre a analogia entre futebol e sexo, classificaram o discurso como irreverente (me parece que num sentido positivo).
Quanto a mim, a reação foi de puro asco. Por vários motivos.
Antes mesmo de não gostar do discurso, não gostei da presença da figura ali, pelo que ela representa. E não me refiro ao que ela representa (será que caberia um “ou não”?) em geral, para a literatura de língua portuguesa, mas ao que ela representava naquele lugar, naquele instante. Autoridades políticas, ok, perfeitamente compreensível: trazer uma Copa do Mundo para o Brasil é um esforço com evidentes reflexos políticos e econômicos. Craques do futebol, ok também, obviamente. A presença deles ali é uma mensagem para o mundo: “só pra lembrar – o futebol brasileiro é tudo isso e muito mais, e merecemos sediar de novo uma Copa”. Agora… o escritor? Por acaso a idéia seria vender o peixe da cultura do povo brasileiro? (Ainda não entendi bem a história da propaganda ecológica ou ambientalista na Copa, mas também me cheira a golpe.) Aliás, a propósito de vender o peixe, a pergunta que não quer calar: por que Pelé não estava lá? Pelé é muito mais imortal do que qualquer imortal que se pudesse chamar para uma comitiva encarregada de tratar de futebol. Se nem mesmo Pelé estava lá, por que mesmo o escritor?
Já quanto a não gostar do discurso em si, em especial do trecho citado, digo de forma bem sincera: não achei graça. Talvez me diga o leitor que meu senso de humor não é apurado o suficiente. Acho improvável. (Posso discordar radicalmente da tua opinião, mas defenderei até a morte o teu direito de expressá-la!)
Mais do que sem graça, achei impertinente. E por quê? Sugiro, só para ilustrar meu ponto de vista, um exercício de imaginação: substitui a figura do Imortal pela do Excelentíssimo. Ele vai lá dar o discurso, compara futebol a sexo, dá uma risadinha, coça a barba com cara de sacanagem. Tudo igual. Mas pronto: a reação seria totalmente diferente. Todos os meios de comunicação divulgariam a imperdoável gafe, uma vergonha para a nação. Só teria faltado falar em samba e cachaça, porque futebol já era o tema principal do evento, e alguém deu um jeito de falar em sexo. Seria um prato cheio para todos os sites de frases não muito felizes do Presidente Lula. Experimenta só googlar as palavras “Lula” e “frases” pra ver o que aparece… Talvez me diga o mesmo leitor (aquele que criticou meu senso de humor) que eu estou enganado, que não seria assim. De novo, eu não mudaria de idéia por causa da crítica.
No Brasil, tudo depende mais da pessoa do orador que do conteúdo do discurso. Se é um imortal Dr. Fulano, vale a pena ser ouvido (mesmo que, no fundo, diga asneiras de início a fim, e as diga fora da norma culta, e de improviso). Se é um Zé Beltrano, só diz asneiras (mesmo que, no fundo, diga coisas que valem a pena ser ouvidas, embora não seja um orador irretocável). Pior ainda: se é um Excelentíssimo Zé Beltrano, só diz asneiras, de improviso, e além disso fala errado, e por isso vamos reparar apenas na forma como ele fala, dissecar suas frases, expor seus erros gramaticais publicamente e questionar como é possível que tenha chegado ao posto onde chegou, já que não tem um mínimo exigível de domínio sobre a língua culta, falada ou escrita.
Se a comparação entre futebol e sexo fosse de um Excelentíssimo Zé Beltrano, eu a dissecaria. Mas é de um imortal Dr. Fulano. Deixa assim. Ele tem licença poética.