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Lei de Segurança Nacional com os dias contados

Conforme amplamente noticiado, dois manifestantes que alegadamente depredavam uma viatura da Polícia Civil em protestos em São Paulo foram presos em flagrante pelo crime de sabotagem de meio de transporte, previsto na Lei de Segurança Nacional (LSN)Acabaram sendo soltos, por determinação judicial, mas isso não evitou a discussão sobre a adequação do emprego da LSN.

Junto-me ao coro dos juristas: o Código Penal teria sido uma escolha mais adequada ao caso. Os protestos, por mais irrazoavelmente danosos que tenham sido, não lesaram nem expuseram a perigo de lesão nenhum dos bens jurídicos que a LSN se propõe a proteger: nem “a integridade territorial e a soberania nacional”, nem “o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito”, nem “a pessoa dos chefes dos Poderes da União”.

Mais que isso, entendo que a discussão deve ser ampliada: nos atuais tempos de democracia, ainda cabe usar uma LSN criada em (e para) tempos de ditadura?

Concordo com Gustavo Romano, que assim escreveu para a Folha:

A atual LSN surgiu em 1983, na última ditadura, e é uma variação de outras leis do governo Vargas e reinventadas nos anos 1960 e 70. Todas tiveram o objetivo de suprimir movimentos que ameaçassem o ditador de plantão. E é essa sua linhagem histórica que nos obriga a ponderar se o uso de uma lei criada para proteger ditaduras é a melhor solução na preservação da democracia.

Vou além de concordar que precisamos ponderar: estou convicto de que não, uma lei criada para proteger ditaduras não é a melhor solução na preservação da democracia. Ainda que a LSN fosse aplicável ao caso dos protestos, seu peso simbólico negativo desautoriza sua aplicação, que é incompatível com a Constituição Federal de 1988 e o regime democrático.

Antes de seguir o argumento, devo comentar a parte final do texto de Romano:

Essa incerteza sobre que lei aplicar evidencia a falta de instrumentos jurídicos. Leis que seriam aplicáveis parecem brandas, e as que proveem mais rigor não foram elaboradas para lidarem com situações como a dos protestos.

Discordo. Primeiro, não há falta de instrumentos jurídicos: o Código Penal existe e é adequado (contrariamente ao caso da LSN, que não deveria existir e é inadequada). Segundo, o que a incerteza sobre qual lei aplicar ao caso dos protestos evidenciou foi que, mesmo depois de quase trinta anos, o Brasil ainda é um experimento incipiente de democracia. Infelizmente, ainda há muitos nostálgicos pela ditadura e seus métodos, o que se reflete na forma como pensam e agem.

Um exemplo: em 2005, o então Presidente da República, mesmo depois de ter lutado contra a ditadura por muitos anos, determinou o cancelamento do visto de um jornalista estrangeiro e ordenou sua expulsão do território brasileiro em oito dias. O motivo: o Presidente da República não gostou do que o jornalista disse. A base legal: o Estatuto do Estrangeiro, uma lei que, como a LSN, também foi sancionada durante a última ditadura. O Presidente da República voltou atrás, depois de um puxão de orelhas do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

[N]o Estado Democrático de Direito não se pode submeter a liberdade às razões de conveniência ou oportunidade da Administração. E aos estrangeiros, como aos brasileiros, a Constituição assegura direitos e garantias fundamentais descritos no art. 5º e seus incisos, dentre eles avultando a liberdade de expressão. E dúvidas não pode haver quanto ao direito de livre manifestação do pensamento (inciso IV) e da liberdade de expressão da atividade de comunicação, “independentemente de censura ou licença” (inciso IX).

O Estatuto do Estrangeiro segue vigente, por ser compatível (de forma geral) com a Constituição. Mas o mesmo não foi o destino da Lei de Imprensa. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que essa lei, que também fora sancionada em tempos ditatoriais para restringir a liberdade de expressão e consolidar o regime autoritário, era incompatível com a ordem democrática instituída pela Constituição Federal de 1988.

Demorou vinte anos após promulgada a Constituição, mas o Judiciário enfim extirpou do Direito Brasileiro a anacrônica Lei de Imprensa. Os protestos em São Paulo e a tentativa de responder a eles usando a LSN evidenciam, não a falta de instrumentos jurídicos, mas uma excelente oportunidade de dar fim também à LSN.

A bicicleta, o avião, a carruagem e o metrô

Nicolas Desjardins

João dos Santos e sua filha Anabela moravam em apartamento próprio, mas parcamente mobiliado, na periferia de Porto Alegre. Ele tinha trinta e cinco anos, apesar do aspecto de gurizão de vinte e cinco. Era enfermeiro e trabalhava em um posto de saúde que ficava perto de onde morava, tão perto que ia de bicicleta. Ela tinha catorze; crescera sem a mãe, que abandonou o lar e a criança de colo para tentar a vida com um sem-vergonha por quem se apaixonou. Assim é que João e Anabela tinham um ao outro na vida, e nada mais. Ele trabalhava por ela. Podia arcar com um só luxo: pagar aulas particulares de francês para a filha. Ela, por seu lado, estudava por ele. Tinha um só projeto: ser professora de francês e retribuir o esforço do pai.

Nunca se poderia imaginar que um comentário inocente viria a fazer tanta diferença na vida de João e Anabela. “O Canadá tem um dos melhores sistemas de saúde do mundo!”, disse aos colegas um dos estudantes de Medicina que atendiam no posto de saúde. “E como os canadenses têm poucos filhos, eles incentivam bastante a imigração. Quem sabe tem chance lá pra nós, hein? Tudo de bom!”.

Foi por acaso que João ouviu isso, mas ficou atento. Ele já ouvira coisas positivas sobre o Canadá. Não que ele fosse um homem erudito, mas ao menos assistia a algum programa de televisão, todas as noites, até ser vencido às pauladas pelo cansaço. Pela televisão, ele ficara sabendo que o Canadá tinha mesmo um bom sistema de saúde, e que a imigração era mesmo facilitada – e também que se falava francês por lá. O comentário do estudante de Medicina fez João pensar. No Brasil, não dava mais pra viver. Talvez no outro extremo do continente (ele ainda lembrava um pouco das aulas de Geografia!) sua profissão fosse mais valorizada. No Canadá, onde o governo ajuda tanto os imigrantes, talvez desse para pagar a faculdade para Anabela. Melhor ainda – ela talvez conseguisse passar em uma faculdade lá, para estudar francês em um país de língua francesa. Talvez. Tudo de bom…

Mesmo no seu dia de folga, João pegou a bicicleta e foi ao posto de saúde, para usar o computador da sala dos médicos. Buscou informações na Internet sobre obter o visto de imigrante. A burocracia não aparentava ser complicada, cara ou demorada. Era preciso apenas juntar uns documentos aqui, responder uns formulários ali, e enviar tudo ao serviço de imigração. João fez tudo isso em sigilo, sem contar para Anabela. Economizou em tudo para conseguir pagar as taxas. Apesar do esforço, não tinha muita esperança de que desse certo. Qual não foi sua surpresa quando, oito meses depois, chegou uma carta. O Consulado do Canadá em Porto Alegre chamou para uma entrevista, em inglês e francês. E chamou não só João, mas também Anabela – os dois candidatos à imigração.

Não tinha mais como esconder: João contou para a filha sobre a sua idéia, sobre o tiro no escuro, sobre a entrevista. Nunca tinha visto os olhos verdes de Anabela tão azuis como naquele dia. Brilhavam como nunca. Ah, uma possível ida a um país de língua francesa! Anabela também já havia ouvido falar sobre o Canadá. Nas aulas de francês, a professora particular dava uns toques sobre a cultura canadense, o estilo de vida, o bilingüismo… A fantasia sem amarras de Anabela permitia que ela se imaginasse vivendo lá.

Na entrevista, os funcionários do Consulado ficaram muito impressionados com o francês da menina e com o inglês do pai – positivamente quanto a ela, negativamente quanto a ele. Ainda assim, o que João sabia de inglês, recordações dos três semestres de curso básico que fizera, bastava para as exigências da entrevista. Semanas mais tarde, chegou outra carta: tinham sido emitidos os vistos de imigração.

Foi preciso ler, reler e treler a carta, tal era a incredulidade dos dois – uma incredulidade feliz. Logo passou o período de anestesia e João se obrigou a confrontar seus questionamentos. Emigrar para um país distante, sem garantia nenhuma, submetendo a si mesmo e à filha a um banho de imersão em incerteza – era isso mesmo que ele queria? É claro que não. Mas, ora, não era isso que estava em jogo. Havia garantias: o governo canadense lhe daria uma determinada quantia em dinheiro para o seu estabelecimento e para as despesas dos primeiros meses. Receberia, além disso, um benefício de seguro-desemprego por doze meses, até que pudesse encontrar um trabalho condizente com suas habilidades. Não se tratava de um banho de incerteza; na verdade, era uma grande oportunidade para que João fizesse um retorno na rua sem-saída em que sua vida tinha se transformado. Ele era jovem e resolveu apostar tudo nessa chance única. Depois de fazer o retorno, restaria escolher se queria seguir à frente, à direita ou à esquerda. Voltar para trás, nunca mais.

Vendeu o quase-nada que possuía: do apartamento à bicicleta velha que tinha mais valor sentimental do que econômico. Conseguiu juntar um dinheirinho razoável, ao menos suficiente para pagar os bilhetes de passagem aérea e complementar, se preciso, a ajuda do governo canadense. Afinal, precisaria de dinheiro para reconstruir a vida. Ir para o Canadá já não era apenas uma idéia, mas um projeto de vida. João estava decidido a não mais voltar. Não tinha por que deixar algo seu no Brasil.


(Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre: http://www.portoimagem.com)

Num vinte e nove de julho, João e Anabela devolveram à hospedeira a chave do quarto de pensão onde moraram por um mês, após a venda do apartamento. Cada um tinha uma mala, não muito grande nem pesada. Pegaram uma lotação para o aeroporto. Fazia um frio de rachar em Porto Alegre naquela típica madrugada de inverno. O vento soprava forte no Salgado Filho e o chefe daquela unidadezinha familiar, totalmente inexperiente no quesito viagens aéreas, tremia de medo – muito embora, macho, não admitisse: “não é medo, é só um pouco de frio”. Anabela procurava tranqüilizá-lo: “Ô, pai, nem te preocupa: a professora de Geografia disse que o avião é um dos meios de transporte mais seguros que existem – quase nunca acontecem acidentes”. O argumento não convenceu o homem (essa aula de Geografia ele tinha faltado) e ele continuou disfarçando o medo.

Anabela, ao contrário, nem se quisesse poderia esconder a alegria. Desconversava feliz da vida: “Ah, falando em transporte, tu sabia que no Canadá tem metrô? E não é que nem o Trensurb aqui de Porto: é um metrô mesmo, que anda sempre por baixo da terra. Dizem que também é tri rápido e seguro! Será que a gente vai andar muito de metrô lá, pai?”. João não conseguia muito mais que murmurar respostas sem sentido e continuar alimentando o seu medo bobo. Anabela não dava bola – nada poderia tirar-lhe a alegria. Despedira-se de suas melhores amigas e as proibiu de ir ao aeroporto. Não queria ter mais despedidas chorosas nem ver nenhuma delas no observatório do andar de cima, dando tchauzinho. Queria mergulhar na vida nova. Manteria contato, é claro, mas não queria oportunidade de arrependimentos e dores da partida.

Os vôos, as conexões e a chegada ao Canadá se deram sem complicações, permitindo que se dissipassem o medo e as preocupações de João. Era a manhã do dia trinta, um domingo ensolarado, quando pousaram no aeroporto internacional Trudeau, na cidade de Montreal. Fazia quarenta graus – não sabiam que era verão no hemisfério norte (essa aula de Geografia os dois tinham faltado). João e Anabela guardaram as roupas do inverno gaúcho na mala e tiraram o dia para conhecer um pouco da metrópole. As flores e os jardins, a arquitetura do centro antigo da cidade, o povo receptivo, gente falando francês, gente falando inglês… Não restavam dúvidas: queriam morar lá mesmo.

O primeiro pernoite foi em um albergue de juventude bem barato. No dia seguinte, uma segunda-feira, João tratou de encontrar, no lado francês da cidade, um apartamento. Era tão simples e parcamente mobiliado como o de Porto Alegre, mas havia boas perspectivas: era apenas o começo. João procurou o serviço de imigração e obteve o auxílio inicial do governo. Abriu conta bancária para fazer o depósito do cheque e das economias trazidas do Brasil, já convertidas em dólar. Depois, foi com Anabela matriculá-la em uma escola pública. Ela estudaria em língua francesa. Naquele dia os olhos dela brilharam e azularam tanto que nunca mais voltaram a ser verdes.

(Praça Jacques-Cartier, e a Prefeitura antiga de Montréal, ao fundo)

O arranjo, até então, estava perfeito, mas chegou o mês de agosto. Na primeira hora do dia, Anabela foi para a escola e João, à secretaria de saúde, em busca de emprego. “Seu diploma não vale, Monsieur Santô”, dizia o atendente. João tinha dificuldade de entender. “Seu diploma brasileiro não tem validade aqui no Canadá, Monsieur”, repetia o rapaz, esforçando-se para falar devagar e claramente. João compreendeu já na segunda vez – seu problema era não querer compreender. Como assim, não tem validade? Saiu dali e foi direto até a Prefeitura. Era imigrante e tinha direitos. “De fato, o senhor tem vários direitos como imigrante”, concordou o funcionário, “mas, para exercer a enfermagem, terá de estudar em uma universidade canadense. O senhor não leu os papéis da imigração?”.

Não, João não lera os papéis da imigração – pelo menos não essa parte. Saiu dali com lágrimas nos olhos: era apaixonado por sua profissão. Descendo a escadaria da Prefeitura, avistou a Praça Jacques-Cartier, logo em frente, cheia de turistas. E os turistas estavam cercados por feirantes, músicos, pintores – todos tinham algo para vender. Foi um consolo para João. Não lhe faltariam oportunidades de trabalho naquela cidade. Viu também, à margem da praça, uma carruagem, levada por um belo e forte cavalo branco e conduzida por um senhor grisalho, sorridente e vestido em trajes de época. Na parte de trás da carruagem, um casal de turistas apaixonados devorava com os olhos as belas imagens à sua volta. João se imaginou naquela posição, em alguns anos: grisalho e sorridente, conduzindo casais em uma carruagem ao longo das ruas românticas da cidade antiga de Montreal. E pensou no sorriso e nos olhos azuis contemplativos de Anabela, sentada na carruagem, num dia de folga em que ele pudesse levá-la para passear. Fez uma boa oferta ao dono da carruagem (foram-se as economias) e começou a trabalhar no dia seguinte.

(A carruagem, em frente à Praça Jacques-Cartier!)

O negócio ia bem, até que chegou o inverno. Em dezembro, a temperatura caiu para vinte graus negativos. Quando a temperatura ficava mais amena, perto de zero, nevava muito. De um jeito ou de outro, poucos saíam de casa para um passeio de carruagem. No início, João passava dias inteiros ali, parado em frente à Praça Jacques-Cartier, esperando algum turista corajoso – que nunca vinha. O jeito foi guardar a carruagem em um depósito, mandar o cavalo para um haras na periferia e pedir o seguro-desemprego ao governo. Voltaria a trabalhar em um mês.

Mas o que ele não tinha era seguro-desespero – e começou a preocupar-se, achando que se encaminhava ao mesmo insucesso que vivia no Brasil. No mês de janeiro viciou-se em televisão, o que só serviu para aprimorar seu francês e destruir sua auto-estima. Fez um super-rancho no início do mês e cozinhava todos os dias em casa, só para si, na hora do almoço. Anabela almoçava na escola. Sua aula terminava às cinco da tarde. Ela saía de lá às cinco e dez e, depois de vinte minutos na linha verde do metrô, chegava à estação de destino.

(Estação de metrô, em Montréal)

Esse era o único momento do dia em que João colocava os pés fora de casa, naquele inverno. Todos os dias, pontualmente às cinco e quinze, saía de casa e caminhava até a estação Honoré-Beaugrand, a dez minutos a pé do apartamento; levava no máximo quinze minutos, quando o gelo na rua dificultava muito a caminhada. E lá João esperava Anabela. Ela descobria um mundo novo; ele, como no Brasil, só tinha a ela. Esperá-la dia após dia e vê-la ansiosa para contar as muitas novidades era sua única alegria. O sorriso e o brilho nos olhos de Anabela eram a vida de João.

Naquele dia não havia gelo e João chegou à estação cinco minutos antes do metrô. Esperando na plataforma, viu um pequeno aro de metal dourado perto dos trilhos. Parecia um anel de ouro. “Quem me dera pudesse dar um desses à Anabela…” Mas será que era um anel? Foi para perto, na beirada, e se inclinou para ver melhor. Era mesmo um anel de ouro, com uma pedrinha brilhante! De bobeira, desequilibrou-se e caiu no fosso do metrô, entre os trilhos, bem ao lado da placa onde dizia: 1.200 Volts. Por um triz! João colocou discretamente o anel no dedo mínimo e gritou por ajuda para subir de volta à plataforma. Um passageiro saiu em busca de ajuda, mas o trem vinha rápido.

No trem vinha Anabela. Ela nem imaginava, mas naquela noite… ganharia um anel.

Não, não parei de postar!

Não só em resposta a comentário do último post, afirmo que não, não parei de postar. Quer dizer, de um ponto de vista temporário, por “motivos conjunturais” da minha vida, sim, mas não definitivamente. Hoje retorno ao blog, não sem antes explicar o meu afastamento dos últimos dias. Minha intenção não é justificar nada (até porque eu sei que leitor de blog não perdoa), mas acho que uma satisfaçãozinha eu devo, sim.

Resolvi me inscrever no Literal, o concurso literário da Fabico. Por isso, no fim da semana passada (até o sábado), fiquei bastante ocupado com o conto que escrevi. Nem precisava ser inédito – porém, só me dei conta disso ao efetivamente enviar o conto para fazer a inscrição. Então, de certa forma, meu afastamento já estava pré-justificado. Mas o afastamento teve outra causa: uma prova (sim…) de Direito Civil, da qual me livrei hoje de manhã. Um dia eu aprendo a estudar mais cedo para não precisar deixar de postar. (Que vergonha!)

Coincidência ou plano?

Em certos dias (ou anos), os acontecimentos são tão misteriosamente ligados uns aos outros que a gente chega a ficar desconfiado. Não sei se é assim que Deus nos comunica Seus planos, ou se se tratam de meras coincidências – ou se meras coincidências estão dentre as formas pelas quais Deus comunica Seus planos. O fato é que essas coisas acontecem e talvez tenham um significado além do francamente inteligível.

Hoje foi um dia desses. Pela manhã, conversava com uma colega do Direito sobre minhas aventuras e desventuras no Jornalismo da UFRGS. À tarde, recebi um convite para dar uma palestra na UFRGS sobre minha participação na última conferência do clima. Mal tinha respondido o convite, chegou e-mail avisando sobre o concurso literário da Fabico, a Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS.

E então? A palestra é irrecusável, por mais que seja difícil abrir espaço no meu horário. Mas e o concurso literário? Em tese ainda sou aluno da Fabico e posso participar. A idéia é tentadora e o prazo é apertadíssimo – até sábado. Mas afinal, voltar a escrever é tudo o que tenho desejado nesses últimos tempos. Talvez o aviso sobre o concurso tenha servido de incentivo para remover a ferrugem da minha imaginação e colocar meu sonho em dia. Quem sabe?

Revisão e previsão

Desde o início deste blog, a história que conto aqui tem sido a mesma, ressalvados eventuais desvios: o meu caso com a escrita. É uma história que se desenrola até hoje, confundindo-se, de certa forma, com a minha própria história de vida. Concursos de redação, interesse por mudanças climáticas e Direito Internacional, três (ou seriam 2,0784?) cursos universitários… O meu caso com a escrita, conforme procurei explicitar nos posts ao longo do último mês, é peça-chave para explicar o trajeto que me trouxe para as bandas onde ora me encontro.

Isso não significa, no entanto, que a explicação esteja completa. Feita essa breve revisão mensal (parabéns ao blog pelo seu primeiro mês de existência!), à previsão. Faltam ainda posts essenciais. Uma série deles, a ser escrita oportunamente, diz respeito ao meu caso com a música, que infelizmente anda um pouco apagado, mas que não por isso deixa de ser importante. Outra série de posts diz respeito a outro caso, no sentido mais estrito da palavra: meu caso de amor. Sim, único. Renderia um blog inteiro (um livro, quem sabe?), mas, sendo assunto concluso, vai levar só alguns posts. É disso, pois, que me ocuparei em seguida.

Só mais uma coisinha:

Um professor pode marcar muito a vida de uma pessoa. Comigo, isso aconteceu várias vezes; uma delas, aliás, já relatei por aqui.

Outro caso de professor marcante foi o de Direito e Economia, no primeiro ano do curso de Direito. Suas aulas me despertaram ainda mais o interesse pela Economia, para entender melhor o mundo. Foi então que comecei a cogitar a possibilidade de fazer algumas cadeiras de Economia em curso dois (ou três: já estava fazendo Jornalismo!).

Eu e meus meios pouco convencionais para a consecução dos fins pretendidos: em vez de fazer matrícula em uma ou outra cadeira do curso de Economia, resolvi fazer vestibular de inverno, meio ano depois da loteria vocacional. E passei. Comecei a fazer o curso, sem muita intenção de concluí-lo, na mesma idéia de ampliar horizontes, complementando a formação jurídica.

Só que não esperava gostar tanto. Então, só mais uma coisinha: Direito, uma pitada de Jornalismo e… Economia. Agora faltam apenas dois semestres para minha formatura. Vou acabar sendo economista antes que possa sonhar com a formatura em Direito, e muito antes de uma eventual (embora improvável) formatura em Jornalismo… Considero até me aprofundar em Desenvolvimento Econômico (Sustentável!) e trabalhar no ramo.

Não sei como cheguei a essa situação. Se algum tempo atrás alguém me dissesse que me formaria em Economia, minha reação mínima seria uma gostosa gargalhada. Poderia pensar em fazer Direito, Jornalismo, Letras, Música. Nunca estivera a Economia nessa lista de opções. Meus planos estavam em Direito Internacional Ambiental, Diplomacia Ambiental, Comunicação.

Daí se conclui que planejar demais não leva a nada, porque (1) today is where your book begins – the rest is still unwritten, mas principalmente porque (2) Quem está no comando da minha vida é meu Deus. Resulta inevitável lembrar, em face disso, que “muitos são os planos no coração do homem, mas o que prevalece é o propósito do Senhor” (Provérbios 19:21). Ainda bem!

O vigor da minha juventude

Sempre tive muito pique, iniciativa. Vivo envolvido em diversas atividades. No ano em que estudava para o vestibular, dava aulas de inglês, regia um coro de música sacra e participava de eventos sobre mudança climática – cheguei a ir ao Rio duas vezes para isso. Tudo era perfeitamente conciliável com os estudos.

Depois que passei no vestibular e (que sacrilégio!) fiz o supletivo, comecei a estudar Direito e Jornalismo. Mas como eu queria porque queria meu diploma do CEFET-RS, continuei fazendo o ensino médio lá. Sim: Direito todas as manhãs, ensino médio todas as noites e, um dia por semana, uma longa viagem a Porto Alegre para cursar Lingüística no Jornalismo da UFRGS (quatro horas pra ir, duas horas de aula, quatro horas pra voltar). Continuei “ativista”.

Entrei de cabeça na Academia. O primeiro ano no Direito serviu para o meu verdadeiro encontro com as ciências humanas – eu estava no lugar certo! Minhas aulas na UFRGS, especialmente nos primeiros semestres, foram um contato com uma realidade incrível! A conclusão simultânea do ensino médio não foi tão emocionante… mas, no fim, eu fiz um discurso de orador de turma que talvez tenha sido o mais polêmico da história do CEFET-RS!

Não me resta dúvida: a correria valeu a pena. Eu continuo cheio de atividades, mas, não sei por que, não é mais a mesma coisa. Talvez falte um pouco da emoção do início: a novidade dos cursos universitários, a aventura da viagem semanal a Porto Alegre, a ousadia de um discurso inesperado e surpreendente.

Hoje, eu me sinto com sono, por vezes desmotivado e cansado. É difícil levantar da cama, algumas vezes, para ir assistir a uma aula desmotivante. As tardes passam voando e nem sempre consigo fazer tudo o que gostaria de ter feito – muitas vezes fico restrito ao que preciso fazer. Em semana de prova, principalmente, fico preso aos estudos e não consigo fazer o que é importante para mim – ler a Bíblia, ver e falar com minha família e meus amigos, escrever no blog, tocar flauta…

Não, não passou o vigor da minha juventude. Eu ainda tenho o vigor; continuo envolvido em um sem número de atividades. O problema é que, às vezes, as situações que o mundo impõe não me são muito favoráveis, não me interessam tanto como no passado.

Concluo afirmando minha consciência de que essas angústias são passageiras, repousando minha confiança em Deus. “Ele dá força ao cansado” (Isaías 40:29). Por fim, é preciso aprender a deixar no passado as coisas que já não cabem mais ou que pertencem ao passado e não mais ao presente. Isso é entender de fato que há tempo para tudo (Eclesiastes 3:1-8 – sugiro fortemente a leitura da passagem completa!):

Para tudo há uma ocasião certa;

há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu:

Tempo de nascer e tempo de morrer,

tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou,

tempo de matar e tempo de curar,

tempo de derrubar e tempo de construir,

tempo de chorar e tempo de rir,

tempo de prantear e tempo de dançar,

tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las,

tempo de abraçar e tempo de se conter,

tempo de procurar e tempo de desistir,

tempo de guardar e tempo de jogar fora,

tempo de rasgar e tempo de costurar,

tempo de calar e tempo de falar,

tempo de amar e tempo de odiar,

tempo de lutar e tempo de viver em paz.

Mas o dilema não estava resolvido?

Apesar de todos os argumentos pela escolha do Direito, nenhum era forte o suficiente para que eu pudesse abrir mão da minha vontade de escrever, que já era inarredável. Então optei pelo Jornalismo. Também.

Fiz quatro das seis cadeiras obrigatórias do primeiro semestre do curso (Lingüística, Sociologia, Filosofia e Língua Portuguesa I), além de uma eletiva (Ecologia), ao longo de sete semestres letivos (falhando um ou outro). Para algumas dessas cadeiras, ia uma vez por semana a Porto Alegre; para outras, minha presença era meio real, meio virtual – ia a algumas aulas, mas entregava trabalhos por e-mail.

Estudar na Fabico foi uma experiência e tanto – enriquecedora e também esclarecedora. Posso dizer que estudei na UFRGS. Posso também dizer que sou 7,84% de um jornalista. E posso ainda dizer que isso não é pra mim. Não perdi a vontade de comunicar nem a admiração pela profissão do jornalista. Só cheguei a uma singela conclusão. Num belo dia, percebi que, se queria escrever, não precisava estudar Jornalismo – era só escrever!

Meus colegas da UFRGS vão se formar no fim deste ano. (Refiro-me aos meus primeiros colegas – vale lembrar que estou há vários semestres letivos no primeiro semestre do curso!) Gostaria de receber um convite para a formatura. Participando como espectador, talvez satisfizesse a partezinha de mim que gostaria de que eu fosse um dos formandos…

Prédio da Fabico
(Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS)
Os créditos devem ser do Núcleo de Fotografia

A arte de protelar

Compromisso é dívida: é neste post que conto como se resolveu o dilema – Direito ou Jornalismo? Direito, pelos fatos e fundamentos que passo a expor. (A minha necessidade de argumentar talvez seja o primeiro bom motivo para fazer Direito!)

Continuar morando em casa, na minha própria cidade, significava menos despesa e menos esforço. Comodismo, talvez; preguiça, não! Passei em dois vestibulares e persistia na vontade de dedicar-me aos estudos. Minhas irmãs, que se mudaram para Porto Alegre para estudar, não disseram que se arrependiam da decisão, mas me advertiram da complicação (talvez desnecessária) que isso significou na vida delas.

Além disso, depois de minhas experiências internacionais com mudança do clima, surgiu o interesse não só pelo Direito Ambiental, mas também pelo Direito Internacional e pela Diplomacia. O curso de Direito seria, naturalmente, o primeiro passo. Não que eu fosse um apaixonado pela advocacia, ou pelo Direito Civil, ou pelo Penal… não! Eu não queria me tornar um técnico jurídico – queria escrever!

Então fui cursar Direito, tendo em mente o que contou um bacharel que trabalhava com mudanças climáticas. Lembro-me das palavras dele: “Durante as aulas do curso de Direito, eu lia peças literárias por debaixo da classe” .

“Que espetáculo!” foi o que eu pensei. Sim, era isso o que eu queria: ser estudante de Direito, um curso que abre um vasto leque de possibilidades de trabalho e que serviria de trampolim para áreas que me interessam, mas não deixar de ler e escrever, não me deixar tornar um técnico jurídico. Ser estudante de Direito


A Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Pelotas,
sob nova perspectiva (de dentro para fora!)

The time of my life (?)

No último post da história de outrora e sempre ficou a deixa: E agora, José – Direito ou Jornalismo?Passei nos dois vestibulares: Direito na UFPEL, Jornalismo na UFRGS. Era preciso tomar uma decisão muito difícil.

Ainda mais difícil foi chegar a ter a oportunidade de tomar essa decisão. Primeiro, eu nem esperava passar, sinceramente. Por causa de greve no CEFET-RS, escola onde fiz o ensino médio, ainda me faltava o conteúdo metade do terceiro ano. Passei no vestibular, mas havia outro problema: como fazer a matrícula na universidade sem o certificado do ensino médio? A universidade não flexibilizou, como em anos anteriores, para as vítimas das greves federais.

Restavam algumas saídas. Uma delas era pleitear na Justiça a matrícula na universidade, uma brincadeirinha jurídica antes mesmo de entrar no curso de Direito. Em outros anos o Judiciário havia concedido medida liminar para permitir o ingresso dos alunos. Mas havia sempre o risco de que outros classificados no vestibular, já formados no ensino médio, alegassem seu melhor direito à vaga.

Outra solução possível era fazer um supletivo, concluindo o ensino médio a tempo da matrícula. Era a opção de menor risco. Lá fui, com uns outros doze bixos avessos ao risco , para o supletivo. Afirmo o seguinte, cuidando para deixar claro que não pretendo desmerecer quem estuda em supletivo: foi a época mais inglória da minha vida. Já aprovado no vestibular, estava, com os colegas, enclausurado horas e horas por dia em uma sala abafada e úmida do escaldante verão pelotense, estudando e fazendo trabalhos e provas da matéria de um semestre condensado em um só mês. Quase um Sacrilégio.

Todos fomos aprovados no supletivo (!) e tínhamos em mãos o certificado do ensino médio poucos dias antes da matrícula, mas a dor daquele janeiro será difícil apagar da memória. A solidariedade e a amizade persiste entre muitos dentre nós, os supletivados, até hoje, apesar da diferença entre os rumos acadêmicos.

Três dos supletivados, em recente e emocionante reencontro:
Luciana, a turista (Turismo); Renata e Martin (Direito, ambos na mesma turma).

De posse do certificado e abraçado na possibilidade da matrícula na universidade, não havia mais desculpa: E agora, José – Direito ou Jornalismo? A solução do dilema, garanto, virá no próximo post…