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Estilo importa

 

Na redação formalmente correta, nem tudo é gramática: certas convenções de estilo – por exemplo, quanto ao uso de aspas, travessões e vírgulas –, embora não sejam propriamente normas gramaticais, merecem a atenção de quem escreve. “Essas convenções variam tanto de um idioma para outro quanto entre diferentes manuais de estilo e redação de um mesmo idioma”, ressalta o Guri.

O trecho acima, além de expressar uma observação verdadeira minha, serve bem como ponto de partida para este post. As convenções de estilo que adotei no trecho são as que aprendi “com a vida” no Brasil e que uso consistentemente quando escrevo em português, inclusive aqui no blog. Nesse trecho não há nada de “estranho” para olhos brasileiros, né? Assim é porque estamos acostumados a ver o uso dessas convenções em jornais, revistas e livros de forma tão frequente e natural que as aceitamos e reproduzimos sem nem perceber.

Mas olha só como as convenções podem ser diferentes: pronto. Que tal? Acabei de fugir da convenção brasileira. Não dá pra ver? [Edit: Não dá mesmo pra ver: basta publicar no blog que a diferença desaparece! A autoformatação do blogger.com estragou meu texto.] É sutil: dois espaços após os dois pontos ou após o ponto final, convenção conhecida como double spacing, English spacing ou American typewriter spacing. (Sigo usando-a neste parágrafo.) Uma amiga canadense, eu acho, é que me disse para usar o double spacing em inglês, mas só comecei de fato a usá-lo quando fiz o estágio nas Nações Unidas: está no manual de estilo do secretariado. Desde então, comecei a observar que a convenção é bastante aplicada em documentos oficiais das Nações Unidas (em inglês). Mas nem sempre.

A mudança mais chocante, porém, foi quando vim para a NYU e entrei em contato com as convenções daqui, sejam elas específicas da área do direito ou gerais para a redação em inglês. (Parei de usar o espaço duplo. Aliás, bom começo: nos EUA não se usa [mais] o espaço duplo após os dois pontos ou após o ponto final. Até há quem ainda insista em usar, mas os manuais de estilo não recomendam.) Para tirar dúvidas que tenho de vez em quando, visito a versão online do Chicago Manual of Style (CMS). Algumas regras me agradam; outras, nem tanto.

O uso da vírgula serial (ou vírgula de Oxford) me agrada. Vírgula serial é a que separa o último elemento de uma lista. No trecho inicial deste post, eu citei como exemplos de convenções de estilo as relativas ao uso de aspas, travessões, e vírgulas. Essa última vírgula aí, entre “travessões” e “e vírgulas”, é a vírgula serial. Sim, é provável que tenhas ouvido da tua professora de português do ensino fundamental que “vírgula + e” era uma construção absolutamente inaceitável em português. Mas, pensando bem, talvez esse seja mais uma regra absoluta da professora de português do ensino fundamental que mereça (a regra!) ser flexibilizada, especialmente nos casos em que uma vírgula serial pode ajudar a evitar uma ambiguidade.

Clássico é o exemplo da Wikipédia. Imagina uma dedicatória de livro escrita assim: “Para meus pais, Amy Rand e Deus”. A quem o livro é dedicado? Talvez seja evidente: (1) aos pais de quem escreveu o livro, (2) a Amy Rand e (3) a Deus. Mesmo assim, não se pode negar que existe uma ambiguidade: “Amy Rand e Deus” pode ser um aposto explicativo, ou seja, uma explicação do termo anterior. No nosso exemplinho clássico, quem escreveu pode ter querido dizer: “Para meus pais, [que são] Amy Rand e Deus”. Ok, improvável. Mas possível. E a simples possibilidade de uma ambiguidade justifica o uso de uma vírgula serial, “só pra garantir”.

À primeira vista não gosto de regras absolutas: nem da regra absoluta da professora de português do ensino fundamental (“vírgula serial: nunca”) nem da regra absoluta do CMS (“vírgula serial: sempre”). Gosto mesmo é de abordagens flexíveis, como esta: “vírgula serial: quando evitar ambiguidade”. Afinal, uma vírgula serial em “aspas, travessões, e vírgulas” não me parece ter grande utilidade prática (e o que aparentemente não tem utilidade pode vir a causar problemas e talvez deva ser removido – um argumento que valeria tanto para o não-uso de vírgulas seriais quanto para cirurgias preventivas de remoção de apêndice…?). Por outro lado, também gosto de abordagens consistentes, algo que a abordagem flexível que acabo de apresentar não parece ser. Sendo assim, prefiro a regra absoluta do CMS. “Vírgula serial: sempre.” Se me condenarem pelo uso da vírgula serial à toa, sem haver ambiguidade a solucionar, posso me justificar: “bom, pelo menos fui consistente.”

Se a vírgula serial é o que eu gosto no CMS, há aspectos dos quais não sei se gosto muito. Um deles é o travessão (m-dash): ele é mais longo que o comumente usado em português (mais longo que o traço, “meia-risca”, que aparece no Word quando se coloca um hífen entre duas palavras – este!). Além de mais longo, o travessão em inglês não é separado das palavras adjacentes. Uma expressão parentética típica na convenção brasileira – como esta – torna-se bastante diferente—como esta—na convenção do CMS. Ahá! Acabo de violar – intencionalmente, é claro – uma convenção comum ao estilo brasileiro e ao do CMS: não se deve usar, em uma mesma frase, mais de uma expressão parentética com travessões. Se for mesmo preciso fazer mais de uma – o que (na minha modesta opinião) pode ser um forte indicativo de redação ruim –, usam-se parênteses (como acabo de fazer) ou vírgulas.

A última frase do parágrafo anterior me traz a uma das coisas de que não gosto no CMS: se uma vírgula normalmente seria necessária—mas se se resolve incluir uma expressão parentética com travessões, como esta—não se deve pôr vírgula após o segundo travessão. Dá pra sentir a falta da vírgula antes de “não se deve […] travessão”! A convenção brasileira me parece melhor nesse aspecto: se uma vírgula é necessária – ainda que se resolva incluir uma expressão parentética com travessões, como esta –, a vírgula deve aparecer (como acabou de aparecer!) após o travessão, ora. Ela é necessária e pronto. O travessão não a substitui.

E a última coisa (por hoje?) de que não gosto no CMS é que “vírgulas precedem as aspas,” assim como acabo de fazer, e também assim: “pontos finais precedem as aspas.” Não gosto. Prefiro “vírgulas fora das aspas”, bem como “pontos finais fora das aspas”. É mais lógico. O próprio CMS reconhece isso, mas diz que “usos tipográficos” ditam que pontos finais e vírgulas precedam as aspas.

O problema é mais profundo do que parece. Se eu escrever que, segundo o Guri, “é mais lógico que vírgulas e pontos finais fiquem fora das aspas,” incluindo a vírgula dentro das aspas, minha frase sugere que a opinião do Guri é que tem uma vírgula e que talvez continue depois dessa vírgula; porém, na verdade a vírgula pertence à minha frase a respeito da opinião do Guri. Enfim: se a vírgula é minha, é minha; se é do Guri, é do Guri, e só se for do Guri vou querer atribuí-la ao Guri, porque seria impreciso (e talvez desonesto) dizer que o Guri disse vírgulas que de fato não disse. Como aqui o Guri sou eu mesmo, não há risco, mas pode haver situações em que o risco de imprecisão e desonestidade seja alto.

Comecei com a convenção corrente no Brasil:

Na redação formalmente correta, nem tudo é gramática: certas convenções de estilo – por exemplo, quanto ao uso de aspas, travessões e vírgulas –, embora não sejam propriamente normas gramaticais, merecem a atenção de quem escreve. “Essas convenções variam tanto de um idioma para outro quanto entre diferentes manuais de estilo e redação de um mesmo idioma”, ressalta o Guri.

E termino com a convenção do Chicago Manual:

Na redação formalmente correta, nem tudo é gramática: certas convenções de estilo—por exemplo, quanto ao uso de aspas, travessões, e vírgulas—embora não sejam propriamente normas gramaticais, merecem a atenção de quem escreve. “Essas convenções variam tanto de um idioma para outro quanto entre diferentes manuais de estilo e redação de um mesmo idioma,” ressalta o Guri.

Esse “jogo dos sete erros” é irrelevante, “a distinction without a difference“? Quanto à mensagem, é claro que não há diferença. Mas a percepção de quem lê pode ser bem diferente. Nos EUA alguém pode estranhar um texto em língua inglesa usando estilo brasileiro, assim como no Brasil alguém pode estranhar um texto em língua portuguesa usando o estilo de Chicago. Esse “estranhar” da parte de quem lê pode variar entre, num extremo, um desconforto motivado pela aversão ao incomum e, no outro extremo, a sensação de que quem escreveu é incompetente. Para evitar esse segundo extremo, que é mais dramático, acho que vale aqui adotar uma abordagem flexibilidade–consistência: com flexibilidade, cuidar para usar em cada contexto o estilo apropriado e, com consistência, usar apenas um estilo em cada contexto.

Edwards v. McCloskey

Edwards v. McCloskey é o caso que estou estudando agora. Prometo que é interessante. Também garanto que não é falta de ética profissional minha revelar os detalhes.

O argumento de Edwards é o seguinte:

What the reader needs in [an] umbrella section is a road map of the organization to follow.” (Edwards, Legal Writing and Analysis, p. 113)

“O que o leitor precisa em uma seção guarda-chuva é um roteiro [literalmente: mapa do caminho] da organização que seguirá.” (Traduzi así nomás.)

Por sua vez, McCloskey argumenta:

The table-of-contents paragraph is an abomination to the Lord thy God. […] You will never see it in competent writing. Weak writers defend it as a ‘roadmap’.” (McCloskey, Economical Writing: An Executive Summary, p. 240)

“O parágrafo-sumário é uma abominação para o Senhor, teu Deus. Nunca o verás num texto escrito de forma competente. Escritores fracos o defendem como um roteiro [literalmente: mapa do caminho].” (Traduzi así nomás.)

No papel de observador externo (aqui sou estudante), sem obrigação de manter imparcialidade (aqui não sou juiz) nem de defender um ou outro ponto de vista (aqui não sou advogado), e além disso escrevendo um post no meu blog e não um texto acadêmico ou jurídico (ou seja, aqui sou praticamente um estudante de férias!), sinto-me com total liberdade para expressar minha preferência pessoal categoricamente: sou pró-McCloskey (e não é de hoje).

Outro dia, quem sabe (pra deixar bem claro: não é um compromisso!), tiro um tempinho para refletir e escrever mais aprofundadamente sobre a questão de fundo desse caso: é possível conciliar o aprendizado de técnicas americanas de escrita jurídica sem renegar princípios de redação mais abrangentes e aparentemente mais razoáveis?

P.S.: Fala sério, vou ter que fazer um disclaimer: o caso que menciono aqui é uma obra de ficção. Poderia dizer que não é ficção, porque o dilema é real, mas digo que é ficção, sim, porque eu é que tive a ideia de apresentar o dilema como se fosse uma disputa judicial. Enfim, deixo claro que meu caso fictício é mesmo fictício e nada tem a ver com o “caso da vida real” Edwards v. McCloskey Motors ou qualquer outro em litígio por aí afora…

Soterrado

A última semana foi silenciosa porque estive ocupadíssimo. Ou seja, agora que estou postando é porque estou totalmente de pernas pro ar, certo? Haha… yeah right! Isso aqui (leia-se: NYU) tá uma loucura cada vez mais enlouquecedora.

Semana passada passei muito tempo estudando em casa e na biblioteca (“soterrado” porque a biblioteca fica no subsolo), mas também fui a mais um evento na NYC Bar. Foi uma semana chuvosa e fria – entre 3 e 7 graus Celsius. O aquecimento no prédio, que até então só vinha me enervando, chegou a fazer sentido nesses dias (mas agora voltou a me enervar, porque os dias voltaram a ser ensolarados e com temperaturas altas o suficiente para deixar meu quarto demasiado quente).

Uma experiência curiosa nesses dias de claustro foi encontrar na biblioteca vestígios de alguém que parece ser, como eu, um editor compulsivo, mas que, diferentemente de mim, ultrapassou a fronteira do vandalismo. (Embora eu às vezes tenha vontades parecidas, tenho conseguido mantê-las sob controle.) Hoje voltei lá e tirei foto dos vestígios:

Não vale a pena traduzir, porque a moral da história não vai fazer muito sentido em português. O fato é que a edição faz toda a diferença. Quem não entender pode confiar em mim: depois das alterações do editor vândalo, a mensagem ficou muito mais clara.

Duas dúzias incompletas

Em fevereiro fui com minha irmã Lu e alguns amigos a um show da Alanis Morissette em Porto Alegre. A verdade é que eu conhecia pouco de Alanis – pouco além do básico, que a maioria das pessoas já ouviu na rádio –, embora já gostasse do pouco que conhecia. Comecei a ouvir mais e a gostar ainda mais por causa do show.

E foi assim que ouvi pela primeira vez Incomplete, a última música do último CD da Alanis, Flavors of Entanglement. Se por um lado a música fala do incompleto, por outro ela está repleta de significado. A letra me encantou tanto – tudo a ver com coisas que tenho pensado e vivido – que resolvi fazer uma paráfrase, contendo minha interpretação e a expressão do tanto dessa música que absorvo como sentimentos meus, iguais ou análogos.

Tenho preparado a reflexão a seguir nas últimas semanas, de a pouco, mas resolvi deixar para postá-la só hoje, véspera de completar duas dúzias de anos de vida – um dia perfeito para colocar no ar algumas conclusões incompletas acerca da minha própria incompletude.

* * * * *

Duas dúzias incompletas

Um dia,

serei um bom amigo,
e conseguirei retribuir à altura a amizade dos bons amigos;

serei autoconfiante,
e não mais me importarei com o que pensam ou dizem de mim;

minha mente estará em paz,
e não mais terei medo da vida e dos seus desafios;

não terei pressa alguma,
e me deliciarei com as experiências da vida, uma a uma;

serei autêntico,
e pensarei, falarei, cantarei e escreverei com plena liberdade;

terei reconhecido meu valor intrínseco,
e serei avaliado para além do meu currículo;

saberei aceitar meus erros,
e serei mais tolerante quanto aos erros dos outros;

serei empático,
e em troca, sem me dar conta, receberei mais simpatia;

estarei curado,
e aprenderei a suportar feridas e a perdoar com facilidade;

estarei pleno de fé,
e isso será perceptível, e aproveitará a todos ao meu redor.

Um dia,
terei o privilégio de encontrar Deus pessoalmente,
e ficarei eternidades conversando face a face com Ele,
e tirando dúvidas sobre tantas coisas que nunca entendi.

Sempre batalhando e crendo,
Sempre arriscando e confiando,
Sempre aprendendo e melhorando,
mas nunca pronto.

Tenho corrido e suado tanto, durante toda a vida, sempre ansiando por uma linha de chegada.

E nesse tempo todo tenho deixado de aproveitar o entusiasmo de ser sempre incompleto.

* * * * *

Para ouvir e ver Alanis cantando Incomplete, aí vai um vídeo do youtube (vale ressalvar que eu prefiro a versão do CD!).

Incomplete

Alanis Morissette & Guy Sigsworth

One day, I’ll find relief
I’ll be arrived
And I’ll be a friend to my friends who know how to be friends

One day, I’ll be at peace
I’ll be enlightened
And I’ll be married with children and maybe adopt

One day, I will be healed
I will gather my wounds, forge the end of tragic comedy

I have been running so sweaty my whole life
Urgent for a finish line
And I have been missing the rapture this whole time
Of being forever incomplete

One day, my mind will retreat
And I’ll know God
And I’ll be constantly one with her – night, dusk and day

One day, I’ll be secure
Like the women I see on their 30th anniversaries

I have been running so sweaty my whole life
Urgent for a finish line
And I have been missing the rapture this whole time
Of being forever incomplete

Ever unfolding, ever expanding
Ever adventurous and torturous
But never done

One day, I will speak freely
I’ll be less afraid
And measured outside of my poems and lyrics and art

One day, I will be faith-filled
I’ll be trusting and spacious, authentic and grounded and whole

I have been running so sweaty my whole life
Urgent for a finish line
And I have been missing the rapture this whole time
Of being forever incomplete

© Sigasong Ltd; Szeretlek

Silêncio pode ser perigoso

Silêncio aqui no blog geralmente é sinal de preguiça; às vezes, porém, pode ser um alerta de perigo!

Desta vez, eu estava de fato tramando algo. Convidado pelo professor Shikida (blog De Gustibus Non Est Disputandum), entrei como co-autor no novo e-book que ele organizou. O livrinho traz, segundo o próprio organizador, de uma “reflexão verdadeiramente plural sobre o significado da Lei Seca e os impactos da mesma sobre a sociedade brasileira”

Minha contribuição ao e-book é o artigo O poste não é de borracha, que está no post ali abaixo. Mas é claro que o melhor mesmo é ler tudo. O e-book completo, A quem (realmente) servem os bafômetros, está disponível aqui.

O poste não é de borracha

Maldito por isso em alguns círculos de discussão de Economia e em outros de Ecologia, eu tenho esse hábito lamentável de me dedicar a abordagens econômicas sobre problemas ambientais. A mais tradicional delas, sem aqui entrar nas críticas, é a da externalidade negativa, segundo a qual a degradação do meio ambiente aconteceria porque os agentes econômicos pensam apenas nos benefícios e custos privados e desconsideram os benefícios e custos (principalmente os custos) externos, que são aqueles causados por suas escolhas a outros agentes ou à sociedade como um todo.

Nessa boa e velha inspiração, o trânsito é tido como terreno fértil para a produção de externalidades negativas. Por exemplo, na opção pelo uso individual do automóvel (em oposição ao transporte coletivo e aos esquemas de caronas alternadas), os agentes econômicos descuidam dos efeitos negativos que sua opção traz ao meio ambiente, por causa da poluição atmosférica, e ao próprio fluxo de trânsito, por causa dos congestionamentos.

A fatal combinação de bebida alcoólica e trânsito pode muito bem ser interpretada como um terceiro caso de externalidade negativa. Num mundo ideal sem intervenção do Estado (e não que um mundo sem intervenção do Estado seja “perfeito”…), quem bebe antes de dirigir leva em conta apenas os custos privados de sua atitude, como o preço da bebida e o risco de sofrer danos físicos ou patrimoniais em caso de acidente. Seria preciso que fosse levado a pensar também nos custos externos, como o de causar esses danos a outras pessoas ou de pelo menos impor à sociedade o risco de causá-los. E foi isso que a Lei Seca fez.

(“O consumo de bebidas alcoólicas por motoristas, em economia, é um exemplo clássico de geração de externalidades negativas” – essa idéia já foi levantada na própria Câmara dos Deputados. Foi usada como argumento no substitutivo ao Projeto de Lei 2.997/2004, cujo objetivo era proibir a comercialização de bebidas alcoólicas em lojas de conveniência situadas em postos de gasolina.)

A bem da verdade, trata-se de uma externalidade que já era internalizada em certo grau na legislação brasileira. O Código de Trânsito Brasileiro já oferecia incentivos (sanções administrativas e penais) para que o motorista considerasse os efeitos externos de sua decisão de beber. O que a Lei Seca fez foi dar mais uma internalizadinha: tolerância zero ao ato de dirigir alcoolizado. Isso também veio com um aumento na fiscalização e na repressão. É punição exemplar; serve pra que o agente econômico perceba que o negócio não é brincadeira (“bah, multa de mil pila!”) e mude pra valer a sua conduta.

A nova lei vem ao encontro das conclusões de alguns economistas no tratamento das externalidades. Em alguns casos extremos, não há muito que se possa fazer para resolver o problema. Por exemplo, ninguém vai sugerir que o Estado se meta a tentar resolver o problema da perda de bem-estar social devida ao bafo etílico e às conversas de bêbado da gurizada. No outro extremo, há casos em que não resta alternativa à sociedade a não ser simplesmente proibir uma conduta. Talvez o caso da bebida no volante seja assim. Talvez tivesse bastado um simples aumento em todo o país no rigor da fiscalização, mesmo sob a lei antiga. Vai saber?

O certo é que a lei tem produzido efeitos positivos (e há de continuar a produzir, contanto que continue sendo cumprida). Existe pelo menos uma sensação de que os acidentes de trânsito diminuíram. Estatísticas oriundas dos hospitais de pronto socorro parecem sugerir que o primeiro mês da lei já foi um sucesso. Eu particularmente acho cedo pra esse tipo de conclusão. Seria preciso uma série mais longa para uma análise mais precisa.

Parte do efeito positivo é o espaço que se abre à criatividade dos agentes econômicos. Tomar todas e tomar um táxi de volta pra casa não é exatamente uma delas, porque já estava faz tempo na lista de soluções dos mais conscientes. Esquemas de rodízio entre as parcerias – do tipo “hoje eu não bebo pra poder dirigir, mas amanhã é tu” – são um pouco mais criativos (embora talvez um pouco enfadonhos pro abstinente da vez).

Alguns bares e restaurantes entraram na brincadeira e oficializaram o rodízio, colocando uma pulseira naquele que vai levar a galera pra casa, como forma de sinalizar ao garçom que não lhe sirva bebidas alcoólicas. Legal também a iniciativa de alguns estabelecimentos de oferecer condução para os clientes, pra que possam beber, e a criação de oportunidades econômicas como a dos motoristas de bêbado – o cara vem, pega teu carro e te dirige de volta pra tua casa. (Não quero dizer necessariamente tu, leitora ou leitor.)

“Legal coisa nenhuma,” podes estar pensando (agora sim: tu, leitora ou leitor), “porque tudo isso se reflete no preço da refeição no restaurante, da bebida no bar e do serviço do taxista ou do motorista de bêbado”. Sim, só que essa era justamente a idéia. Afinal, não existe nada mais devidamente internalizante que uma dorzinha no bolso.

É bem por isso que sou favorável à Lei Seca (e, como já disse e repito, ao seu fiel cumprimento). Uma hora ou outra e de uma forma ou outra seria preciso fazer o motorista assumir o custo externo associado aos riscos de dirigir bêbado. Em outras palavras, cai na real: o poste não é de borracha – FAZ DODÓI!

Como (não) escrever um artigo científico

Durante um chat com GabrielaZ, a mais nova webjornalista (agora oficial) do pedaço, sobre o rigor acadêmico (?) de certas publicações na área do Direito, recomendei a ela o livro Economical Writing, que já comentei aqui e que trata muito bem (na minha modesta opinião) sobre escrita de artigos para a academia. Nesse belo intercâmbio, a Gabi mandou o link para este “artigo científico” aqui – uma abordagem bem-humorada sobre tudo o que o Economical Writing combate, mas que infelizmente acontece direto no mundo editorial acadêmico. Vale a pena conferir!

Arte e Ponta

Conforme mencionei ontem neste post, recebi da Fabi o prêmio “Arte e Ponta” ou Arte y Pico, cujas regras são as seguintes:

  1. Elegem-se 5 blogs que sejam merecedores do prêmio, por sua criatividade, desenho, material interessante e aporte à blogosfera, sem importar o idioma;
  2. Cada prêmio outorgado deve ter o nome do autor do blog e o link, para que todos o possam visitar;
  3. Cada premiado deve exibir o prêmio e colocar um link para o blog da pessoa que o premiou;
  4. Premiado e premiador devem exibir o link de Arte y Pico, para que todos saibam qual a origem deste prêmio, e exibir também as regras.

Aí vão as indicações da Fabi:

1. O blog da Isabel. Não é leva-e-trás, mas esse blog me inspirou muito a criar o meu, misturando o cotidiano, com as coisas da música, com as coisas da arte, com as coisas do mundo… tudo junto, misturado, e devidamente separado em marcadores. (não tinha como evitar).

2. O Blog do Guri, do meu amigo Martin, um cara cidadão do mundo, que reparte suas maravilhosas experiências internacionais e internas através de seus textos super-bem escritos. [Obrigaduuu, Fabi!]

3. O blog do Rodomar, No Coração do Pai, por escrever tão bem sobre as coisas do coração de Deus e pelas belas fotos.

4. O blog os OculOs, da Giovanna, que não conheço pessoalmente, mas tem um blog super-legal, que fala de tudo um pouco e a cada blogagem, descobrimos novas afinidades.

5. O blog da Igreja São João, não porque fui eu que criei, mas está muito legal, muito informativo para a comunidade cibernética. Engatinhando…

E agora, as minhas indicações para o prêmio:

  1. Amor e Vida de Mulher, by Fabi Luckow. Não é marmelada, não: as regras permitem, e além do mais o blog realmente merece. E por quê? É uma manifestação do jeito leve de ver a vida desde a perspectiva cristã e multisensorial da multiartista que é a autora. O sobrenome dela não mudou depois do casamento, mas bem poderia ter mudado para “Fabi Versátil”: artes visuais, musicais e literárias – ou será que tem ainda mais e eu não sei?
  2. De gustibus non est disputandum, blog coletivo atualmente by Cláudio Shikida, André Carraro, Ari Araújo Jr., Fábio Pesavento e Pedro H. C. Sant’Anna. Sim, trata-se de um blog sobre Economia, mas não, isso não foge ao escopo do prêmio; quem disse que Economia não tem seu lado criativo? As sacadas geniais que o blog oferece são verdadeiras lições de vida. Ou de Economia. Dá no mesmo.
  3. Obra Aberta, by Bruno Angelo. Do mesmo grupo dos meus amigos artistas cristãos e versáteis, o Bruno expõe no seu blog alguma de suas reflexões, exercícios literários, poesia. Tá certo que o blog anda “no limbo”, como o próprio autor algum tempo atrás, mas isso não faz com que deixe de merecer a indicação, como incentivo para que volte a postar logo!
  4. ius communicatio, by Gabriela Zago. Taí um blog que, preciso admitir, fazia tempo que eu não visitava, mas que tem mantido seu padrão de qualidade e postância. Se Economia também é arte, tanto mais Jornalismo, uma das minhas paixões – “ah, se eu tivesse tempo para concluir meu curso três…”. Os posts da Gabi são informativos e bem escritos, e evidenciam o quê de jornalista-jurista da autora. Vale a pena conferir.
  5. Licença para transgredir: ultimamente tem sido difícil manter a postância, quanto mais a visitância… por isso, não tenho quinta indicação. Isso tem um lado bom: mesmo que a lista acima não seja estritamente ordinal, no meu blog não deixo margem para ninguém pensar que ficou em último lugar. 😉 Além disso, acho que cobri a maior parte do que se precisa na blogosfera: abordagens cristãs, artísticas (musicais e visuais), econômicas e informativas ou jornalísticas. Fechou todas!

BdG premiado

Uau, mesmo na minha inatividade recente (inatividade de postagem, claro, porque de resto estou trabalhando loucamente!) tenho a surpresa de receber um prêmio! Fui o segundo colocado nas recomendações de blogs pela Fabi (blog: Amor e Vida de Mulher).

Entendi que essa indicação tem algumas regras e traz conseqüências para mim; por exemplo, eu devo seguir a tradição e fazer eu mesmo indicações a partir do Blog do Guri. Infelizmente isso vai ter que ficar para outro dia, porque hoje tenho apenas DEZ minutos de tempo de postagem disponível! Por favor, não me deixem de cumprir (mesmo atrasado) essa obrigação blogosférica, ok?

Diz-me quem fala e te direi se o que ele fala presta

Está confirmado: a Copa de 2014 será no Brasil. Vejo pontos positivos e negativos nisso, mas na real não tenho paciência para esse tipo de ponderação. Por isso, não pretendo discutir o mérito da decisão da FIFA. O que me chamou mais a atenção hoje foi a comitiva brasileira que apresentou a candidatura do Brasil à Copa; em particular, refiro-me ao discurso de um de seus membros: o imortal escritor (será que eu deveria usar aspas?) Paulo Coelho.

A emoção do futebol, ela é totalmente atípica. Eu já vi pessoas ficarem cinco horas discutindo sobre um jogo, e nunca vi ninguém ficar discutindo cinco horas sobre uma relação sexual. Conseqüentemente, pelo menos a emoção do futebol dura mais! […] (Não tô dizendo que seja melhor ou pior; digo que dura mais!)

Entenda cada um como quiser. Aliás, pesquisei algumas reações em sites com notícias esportivas. O Globo Esporte, na minha opinião, foi o mais objetivo e imparcial: Paulo Coelho teria comparado “isto” com “aquilo”, quer dizer, “paixão-do-brasileiro-pelo-futebol” com “sexo”. Outros foram bem mais dramáticos. Para o Estadão online, a comparação feita representaria a essência do espírito brasileiro tal como o escritor a percebe: futebol, para brasileiro, seria mais importante que sexo. A Lancepress foi mais ou menos pelo mesmo caminho: Paulo Coelho teria dito que “o brasileiro deve preferir o esporte ao ato sexual”.

Da platéia (autoridades políticas brasileiras em peso: Presidente da República, Governadores de Estado, Ministros de Estado, Chanceler), a comparação arrancou risadas. Já o Presidente da FIFA, Joseph Blatter, ficou impressionado com o senso de humor “apurado” ou “muito específico” ou “muito particular”. Os sites de notícias que eu consultei, independentemente da interpretação sobre a analogia entre futebol e sexo, classificaram o discurso como irreverente (me parece que num sentido positivo).

Quanto a mim, a reação foi de puro asco. Por vários motivos.

Antes mesmo de não gostar do discurso, não gostei da presença da figura ali, pelo que ela representa. E não me refiro ao que ela representa (será que caberia um “ou não”?) em geral, para a literatura de língua portuguesa, mas ao que ela representava naquele lugar, naquele instante. Autoridades políticas, ok, perfeitamente compreensível: trazer uma Copa do Mundo para o Brasil é um esforço com evidentes reflexos políticos e econômicos. Craques do futebol, ok também, obviamente. A presença deles ali é uma mensagem para o mundo: “só pra lembrar – o futebol brasileiro é tudo isso e muito mais, e merecemos sediar de novo uma Copa”. Agora… o escritor? Por acaso a idéia seria vender o peixe da cultura do povo brasileiro? (Ainda não entendi bem a história da propaganda ecológica ou ambientalista na Copa, mas também me cheira a golpe.) Aliás, a propósito de vender o peixe, a pergunta que não quer calar: por que Pelé não estava lá? Pelé é muito mais imortal do que qualquer imortal que se pudesse chamar para uma comitiva encarregada de tratar de futebol. Se nem mesmo Pelé estava lá, por que mesmo o escritor?

Já quanto a não gostar do discurso em si, em especial do trecho citado, digo de forma bem sincera: não achei graça. Talvez me diga o leitor que meu senso de humor não é apurado o suficiente. Acho improvável. (Posso discordar radicalmente da tua opinião, mas defenderei até a morte o teu direito de expressá-la!)

Mais do que sem graça, achei impertinente. E por quê? Sugiro, só para ilustrar meu ponto de vista, um exercício de imaginação: substitui a figura do Imortal pela do Excelentíssimo. Ele vai lá dar o discurso, compara futebol a sexo, dá uma risadinha, coça a barba com cara de sacanagem. Tudo igual. Mas pronto: a reação seria totalmente diferente. Todos os meios de comunicação divulgariam a imperdoável gafe, uma vergonha para a nação. Só teria faltado falar em samba e cachaça, porque futebol já era o tema principal do evento, e alguém deu um jeito de falar em sexo. Seria um prato cheio para todos os sites de frases não muito felizes do Presidente Lula. Experimenta só googlar as palavras “Lula” e “frases” pra ver o que aparece… Talvez me diga o mesmo leitor (aquele que criticou meu senso de humor) que eu estou enganado, que não seria assim. De novo, eu não mudaria de idéia por causa da crítica.

No Brasil, tudo depende mais da pessoa do orador que do conteúdo do discurso. Se é um imortal Dr. Fulano, vale a pena ser ouvido (mesmo que, no fundo, diga asneiras de início a fim, e as diga fora da norma culta, e de improviso). Se é um Zé Beltrano, só diz asneiras (mesmo que, no fundo, diga coisas que valem a pena ser ouvidas, embora não seja um orador irretocável). Pior ainda: se é um Excelentíssimo Zé Beltrano, só diz asneiras, de improviso, e além disso fala errado, e por isso vamos reparar apenas na forma como ele fala, dissecar suas frases, expor seus erros gramaticais publicamente e questionar como é possível que tenha chegado ao posto onde chegou, já que não tem um mínimo exigível de domínio sobre a língua culta, falada ou escrita.

Se a comparação entre futebol e sexo fosse de um Excelentíssimo Zé Beltrano, eu a dissecaria. Mas é de um imortal Dr. Fulano. Deixa assim. Ele tem licença poética.