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Eu precisava tanto de uma escrivaninha

Quando vim morar onde moro hoje, um apartamento semimobiliado, um dos poucos móveis que fiz questão de comprar foi uma escrivaninha. Não conseguia me imaginar sem uma. Na casa dos meus pais eu tinha uma bem grande; no meu dormitório na NYU, uma maior ainda. Como comecei a vida de trabalho como pesquisador e tradutor freelance, uma escrivaninha continuou a ser necessária (já que nem sempre se pode trabalhar em um café). Será que trabalhando em turno integral como advogado aqui em Porto Alegre uma escrivaninha seria tão importante para mim? Pouco importava. Eu precisava de uma escrivaninha.

Lembro que um dia, conversando com minha irmã Lucila pelo telefone, justifiquei a ela mais ou menos assim minha necessidade de comprar uma escrivaninha: “Preciso de um lugar adequado na sala onde possa usar o computador, ler, estudar, escrever. Por exemplo, onde eu escreveria uma carta?” Silêncio por alguns segundos intermináveis. Ela achou engraçado. Eu também achei engraçado, depois que ouvi o que eu mesmo tinha dito. Ninguém escreve cartas hoje em dia. Nem eu. Mas precisava de uma escrivaninha.

Procurei muito por uma escrivaninha que me agradasse. Encontrei uma de um metro de largura, bem no tamanho do espaço que me sobrava (como se me sobrasse espaço neste apartamento pequeno!). É em imitação de cerejeira, que combina com o rack da TV que fica bem ao lado dela, e tem um detalhe branco, que combina com o resto da mobília da sala. Agora estou aqui, digitando este texto, sentado na poltrona reclinável da sala — não diante da escrivaninha. É também aqui, não ali, que eu costumo ler. Volta e meia me surpreendo sentado num banco da cozinha, com o computador sobre a mesa de refeições. Cheguei a escrever cartas (sim, cartas!) ali na cozinha. Não sobre a escrivaninha da sala.

Ou seja: eu não precisava tanto assim de uma escrivaninha.

O cúmulo da concisão

No texto mais recente da série sobre negociação, revisão e redação de contratos, tratei de cuidados na redação contratual – entre eles, a concisão. Para ilustrar, fiz um exercício de cortar palavras desnecessárias, demonstrando que era possível reescrever uma cláusula contratual de 31 palavras usando apenas 15, menos da metade, sem perder substância.

Fiz exercícios práticos desses com estagiários que já trabalharam comigo, para incentivá-los a deixar de lado o juridiquês e focar na concisão. O amigo Pedro Bertuol, hoje advogado, foi uma das cobaias-vítimas desses meus exercícios. E funcionou, porque ele comentou comigo que gostou do texto que mencionei acima. Bem, eu disse a ele que isso ele deveria ter comentado no próprio site. 😉

Também contou que se lembrou do texto quando analisou uma cláusula contratual, que (com a licença dele!) vou usar aqui para um novo e chocante exercício de concisão, usando a mesma técnica do texto anterior:

São obrigações da contratante, sem prejuízo de outras previstas neste contrato, cumprir as obrigações a si atribuídas pelo presente instrumento.

Começamos com 20 palavras. Antes do exercício de cortar palavras, corrijo a concordência. “São obrigações … cumprir” não funciona. Deveria ser:

São obrigações É obrigação da contratante, sem prejuízo de outras previstas neste contrato, cumprir as obrigações a si atribuídas pelo presente instrumento.

Agora, simplifico a estrutura: “sujeito + verbo + objetos e complementos”:

Cumprir as obrigações a si atribuídas pelo presente instrumento é É obrigação da contratante, sem prejuízo de outras previstas neste contrato, cumprir as obrigações a si atribuídas pelo presente instrumento.

Verbos de ação funcionam melhor que verbos de ligação. Por isso, em vez de dizer que “x é obrigação da contratante”, melhor dizer que “a contratante fará x“. Assim:

A contratante cumprirá Cumprir as obrigações a si atribuídas pelo presente instrumento é obrigação da contratante, sem prejuízo de outras previstas neste contrato.

“Presente instrumento” e “este contrato” significam a mesma coisa. Exemplificam a chamada variação elegante, usada para evitar repetições. Parece estranha uma referência repetitiva dentro da mesma cláusula. Será que essa referência não poderia ser condensada? Usar a mesma expressão pode ajudar nessa condensação:

A contratante cumprirá as obrigações a si atribuídas pelo presente instrumento por este contrato, sem prejuízo de outras previstas neste contrato.

Fazer “sem prejuízo de y” significa fazer “y“. Portanto:

A contratante cumprirá as obrigações a si atribuídas por este contrato, sem prejuízo de e outras previstas neste contrato.

Aqui ocorre um fenômeno interessante. A redação atual da cláusula personifica o contrato, que atribui certas obrigações à contratante. Não seria mais preciso dizer que é a própria contratante (sujeito de Direito) que se obriga ou assume obrigações?

A contratante cumprirá as obrigações a si atribuídas por que assume neste contrato e outras previstas neste contrato.

Outro fenômeno interessante: a contratante terá de cumprir obrigações que assume e também “outras [obrigações] previstas no contrato”. Se “outras obrigações são previstas” no contrato (voz passiva), quem as previu? As partes que negociaram o contrato. A “contratante” é uma delas. Se “obrigações são previstas” no contrato e a contratante assina o contrato, ela mesma se obriga, assume as obrigações previstas. Portanto:

A contratante cumprirá as obrigações que assume neste contrato e outras previstas neste contrato.

O golpe final de concisão é o seguinte: se a contratante assume obrigações no contrato, qual é o propósito de uma cláusula contratual que prevê a obrigação da contratante de cumprir essas obrigações? Ao assumir as obrigações, a contratante já se obriga a cumpri-las.

Assim, a melhor redação daquela cláusula que originalmente tinha 20 palavras, depois de pensar nela criticamente e reescrevê-la de olho na concisão, só pode ser a seguinte:

A contratante cumprirá as obrigações que assume neste contrato.

Cambará do Sul: lembranças dos Yorkshire Dales

Ao cortar os Campos de Cima da Serra em direção a Cambará do Sul para conhecer os cânions Itaimbezinho e Fortaleza, constatei muitas semelhanças entre essa paisagem gaúcha e os Yorkshire Dales, que visitei em 2007: a vegetação rasteira com árvores aqui e ali, os morros com picos de pedra à mostra, os longos muros de pedras empilhadas.

 Yorkshire Dales, Inglaterra, 2007

Campos de Cima da Serra, Rio Grande do Sul, 2013

Cambará do Sul: Cânion Fortaleza

No texto anterior publiquei os primeiros relatos, dicas e fotos da viagem de final de semana a Cambará do Sul; comecei pelo cânion Itaimbezinho e a rápida passada por Praia Grande, Santa Catarina. Hoje continuo com os passeios pelo cânion Fortaleza.

Deixando para trás a Pousada João de Barro

Na estrada rumo ao cânion Fortaleza, a paisagem dos Campos (de Pinus e Eucaliptos) de Cima da Serra

Dentro do Parque Nacional da Serra Geral, um pouco da paisagem natural, sem o plantio de árvores exóticas

Campo, campo, campo e, de repente, uma senda profunda: o cânion Fortaleza

Primeiras vistas do cânion Fortaleza, de um lado a outro

Lá no alto da rocha que se vê à direita, o mirante, da Trilha do Mirante

Fazendo a Trilha do Mirante

Panorâmica do alto da Trilha do Mirante, olhando para o mar

Panorâmica do alto da Trilha do Mirante, olhando para o cânion Fortaleza

Os campos e as encostas do cânion, vistas do alto da Trilha do Mirante

Meditação na beira do penhasco

Não podia faltar uma clássica foto turística

No caminho de volta a Porto Alegre, visitei as Cascatas dos Venâncios

Cascatas dos Venâncios

Mais plantações de árvores exóticas ao redor das Cascatas dos Venâncios

Cambará do Sul: Itaimbezinho

Desde 2006 (senão antes) eu sonhava em conhecer o Itaimbezinho, conforme relatei aqui. Quase sete anos depois, finalmente realizei o sonho. Neste post e no próximo, conto e mostro fotos do passeio, que fiz em junho, no início do inverno gaúcho. (A viagem foi há quase quatro meses, mas precisava contar primeiro da viagem ao Grand Canyon.)

Cânion com neblina ou chuva é perda de tempo. Por isso, para quem está relativamente perto e tem alguma flexibilidade no planejamento, a primeira dica é conferir a previsão do tempo.

Foi o que fiz numa quarta-feira: a previsão para o final de semana era de céu limpo e risco quase nulo de chuva. (E frio, o que era importante. Eu queria curtir um friozinho.) Decidi ir.

O ponto negativo desta abordagem libera-o-findi-e-vai é que, com pouca antecedência, pode ser difícil conseguir companhia: acabei indo sozinho. Tudo bem. Tentar conciliar meteorologia com agenda própria com agenda de amigos poderia atrasar os planos em mais sete anos!

O próximo passo é reservar hospedagem. Para quem seguiu a primeira dica, boa sorte, porque não é nada fácil conseguir uma reserva assim, de última hora, no auge da temporada de inverno, quando todos os turistas querem vir aos dois estados do Brasil onde faz frio de verdade.

Depois de ligar para várias pousadas, consegui lugar na João de Barro, uma simpática casa de madeira, mantida pela família do proprietário (Sr. Julio Nery, que também é guia turístico na região), bem ao estilo bed and breakfast. Recomendo fortemente.

Saí de Porto Alegre no sábado de manhã cedo rumo a Cambará do Sul pela RS-020, passando por Cachoeirinha, Taquara, São Francisco de Paula. A estrada é razoável e não tem pedágios. A viagem foi tranquila e durou cerca de três horas.

A primeira parada em Cambará do Sul deve ser a Casa do Turista. Fica na via principal da cidade, a Av. Getúlio Vargas; para quem chega de Porto Alegre, no lado direito, após o campo de futebol. Há diversas agências de turismo, que oferecem pacotes com passeios e traslados de jipe aos cânions, às fazendas e às outras atrações. Prefiro começar pelas informações oficiais e gratuitas da Casa do Turista, que é da Prefeitura Municipal. Recebi excelentes orientações. Vi e fiz muito sem precisar comprar pacote de agência de turismo.

Enforquei o almoço (ah, claro: outra dica importante é levar água, frutas e outros lanches na mochila para aproveitar o tempo ao máximo) e fui direto ao Parque Nacional dos Aparados da Serra, onde fiz as trilhas do Cotovelo e do Vértice.

Começo do passeio pela Trilha do Cotovelo

 No início da Trilha do Cotovelo

 Araucárias estão por todos os lados

À direita, o primeiro mirante da Trilha do Cotovelo

No segundo mirante da Trilha do Cotovelo

 Vista do segundo mirante da Trilha do Cotovelo

 Na base do cânion, o Rio do Boi

A espetacular paisagem dos Campos de Cima da Serra

 Na Trilha do Vértice, novamente se veem o Rio do Boi e as cascatas

 Araucária

 Quem não quer sujar o carro deve desistir logo da ideia!

Saí do Parque Nacional de Aparados da Serra e desci o cânion pela RS-427 e pela sua continuação catarinense, a SC-450, até a cidade de Praia Grande, no Estado de Santa Catarina. A estrada é bem complicada (barro, cascalho, pedregulhos, asfaltamento em curso em raros trechos), mas as vistas espetaculares compensam!

 Descendo o cânion, avistei o Oceano Atlântico

 A cidade, se não me engano, é Torres

 Outros cânions na descida a Praia Grande, SC

 Outros cânions na descida a Praia Grande, SC

Em Praia Grande, cheguei perto do início da Trilha do Rio do Boi, que é a trilha que se pode fazer ao longo de um dia inteiro (oito horas), na base do cânion Itaimbezinho. Essa não se pode fazer sozinho (obrigatório o acompanhamento por um guia) e não é recomendável fazer no inverno. Retornarei um dia no verão!

Pertinho da Trilha do Rio do Boi

 Ainda pertinho da Trilha do Rio do Boi, antes de voltar a Cambará

A Kombi da serralheria

Trânsito estressa, ainda mais em hora do rush. Por isso, os motoristas criam diferentes formas de descarregar a tensão. Uns buzinam por qualquer motivo (ou sem motivo aparente). Outros xingam, gritam, levantam o dedo médio. Há os que murmuram, falam sozinhos.

Eu ouço música para não me estressar, tentando evitar as condutas que acabo de citar. Às vezes eu cantarolo alguma coisa (aproveito para ensaiar as músicas do coro de que participo). Ou, quando estou realmente estressado, eu canto a plenos pulmões.

Há poucos dias descobri que não há coisa melhor pra descarregar que cantar o Agnus Dei da Missa Brevis K 49 de Mozart em fff (forte fortissimo). Atravessei a Avenida Ipiranga cantando assim. Quem me (ou)viu certamente me achou meio doido (com alguma razão).

http://www.youtube.com/watch?v=idssACIDyFw

Outro exemplo sugestivo foi o de um motorista de uma Kombi de uma serralheria. Estávamos parados no sinal vermelho; a Kombi, bem ao lado do meu carro. O motorista tinha os vidros da Kombi abertos e estava cantando, dançando e batucando na direção (que tremia de tanta batucada) um pagode. Era uma festa animadíssima às 8:45 da manhã.

Fiquei pensando que o motorista da Kombi da serralheria era bem mais feliz que eu com meu Agnus Dei em fff. Fiquei pensando que, se o efeito podia ser assim tão benéfico para o bom-humor, talvez eu devesse começar a ouvir e aprender a curtir pagode. #sqn

O homem a serviço da informática

Há poucos dias BIll Gates enfim admitiu que a combinação Ctrl+Alt+Del para dar início ou reiniciar um PC foi uma ideia infeliz. Mas há outras ideias infelizes a serem admitidas…

Inserir uma imagem no MS Word é fácil, mas alguém já tentou extrair uma que já esteja no arquivo, salvando-a como imagem? Era o que eu precisava fazer ontem. Consegui. Mas, no processo, fiquei chocado com o quanto isso é bem menos trivial que deveria ser.

Deveria haver a possibilidade de simplesmente clicar com o botão direito do mouse sobre a imagem e depois clicar em “Salvar como…”, como se pode fazer nas páginas de Internet, mas não há. A MS tratou de não prever nenhuma forma simples (que eu conheça).

A dica da própria MS é salvar o documento em formato HTML e, a partir dele, fazer como se faria em uma página qualquer da Internet. Tão ridículo que me neguei a fazer.

Felizmente, a Internet é uma fonte virtualmente interminável de criatividade, sabedoria e genialidade aleatórias, até a ponto de suprir o ridículo dos desenvolvedores. Googlei “extrair imagem word” (sem aspas) e encontrei esta página, que recomenda os seguintes passos:

  1. Fazer uma cópia do documento em formato DOCX.
  2. Renomear a cópia para extensão ZIP.
  3. Extrair o ZIP.
  4. Na pasta com os arquivos extraídos, entrar na pasta “word” e, dentro dessa, na pasta “media”, onde estarão todas as imagens do documento.

Brilhante. O arquivo DOCX é um arquivo ZIP disfarçado. Como só fui saber disso ontem?

Basta saber Direito para redigir um contrato?

Nesta série de textos sobre negociação, revisão e redação de contratos, já tratei da importância de ficar amigo do editor de texto, refletir sobre aspectos relevantes da negociação de contratos e reconhecer a importância de saber Direito para redigir um contrato. Hoje trato de cuidados ao redigir o texto do contrato.

Começo por uma regra de ouro de Deirdre McCloskey, uma economista que tem uma história de vida incrível e cujas ideias sobre redação me influenciam muito:

Clareza é uma questão social, não algo a ser decidido unilateralmente por quem escreve. O leitor, como o consumidor, é soberano. Se o leitor acha que o que tu escreveste não está claro, então não está, por definição. Desiste de discutir. (Economical Writing, p. 12)

Clareza num contrato, documento que objetiva produzir consequências jurídicas, tem importância fundamental. Num contrato, os “consumidores soberanos” são os próprios contratantes. Se para um dos contratantes o texto está claro e, para outro, confuso, não é que um seja mais inteligente ou perspicaz que o outro. É porque o contrato não está claro, só isso! E se nem mesmo um contratante acha que o contrato está claro, o documento não serve como contrato. Precisa ser reescrito, total ou parcialmente.

Clareza resume as dicas seguintes: de um jeito ou de outro, é o objetivo de todas. Mesmo assim, vale exemplificar formas de alcançar (mais) clareza:

  • Se o contrato for em língua portuguesa, escreve em língua portuguesa. Não em latim, nem em língua inglesa, muito menos em juridiquês.

Se uma expressão latina (dessas que tipicamente se usam no meio jurídico, como “pro rata die“) causar confusão e tiver equivalente em língua portuguesa (por exemplo, “proporcionalmente ao número de dias”), melhor substituir pela equivalente. Aliás, melhor evitar a expressão latina de início.

Usa expressões em língua inglesa ou outras línguas estrangeiras modernas, mas somente quando for necessário ou para evitar o ridículo. Por exemplo: “site” de Internet, no Brasil, é “site”. Bem que tentaram impor o “sítio”. Não funciona. Ninguém fala assim. Não aparece “site” no teu dicionário preferido? O problema pode ser tua preferência ou teu dicionário, mas não a palavra “site”.

Juridiquês? Qual a finalidade: restringir a compreensão do contrato ao mundo jurídico? Preciso ficar fazendo mais perguntas para demonstrar ironicamente que juridiquês não faz sentido e é contrário ao ideal de clareza? Ou posso parar? Agora bem sério: cuidado para não confundir juridiquês com jargão jurídico. Juridiquês é pedantismo, mas jargão é importante, no Direito como em qualquer outra área, para garantir precisão técnica.

  • Aproveitando a deixa: escreve com precisão técnica. A palavra escolhida pode ter consequências relevantes no mundo do Direito. “Marca” remete à Lei de Propriedade Industrial, “locação não residencial” remete à Lei de Locações (ou Lei do Inquilinato), e assim por diante. Usar no contrato palavras que remetam a conceitos legais ajuda a garantir que o contrato produza os efeitos desejados.

Ainda quanto à precisão técnica, vale lembrar outra dica de McCloskey (p. 56): evitar a “variação elegante”, ou seja, o uso de palavras diferentes com o mesmo significado, só para evitar repetições. Num contrato, esse tipo de variação pode até ser elegante aos olhos de alguns, mas é abominável porque gera ambiguidade. Num contrato de compra e venda de “relógios”, não há por que se referir ao conjunto de relógios como “os bens objeto deste contrato” numa cláusula, “bens móveis” em outra, “produtos” em outra, “mercadorias” em outra. Consistência: são “relógios”. Pronto.

  • “Usa verbos, na voz ativa” também é uma dica de McCloskey (p. 70) facilmente transponível à redação contratual.

Primeiro, “usa verbos”. Verbos (especialmente os de ação) tendem a ser mais fluidos e agradáveis que substantivos. A “preparação de dicas para a redação de contratos” é bem mais enrolada que “preparar dicas para redigir contratos”.

Segundo, usa verbos “na voz ativa”. “O registro será feito…”, “a mercadoria será entregue…”, e por aí vai. Quem fará o registro? Quem entregará a mercadoria? Usar a voz passiva pode gerar dúvidas se a obrigação é de um contratante, de outro, de um terceiro, de todos os anteriores, de nenhum deles. A estrutura “sujeito + verbo + objetos e complementos” oferece mais clareza.

  • Por fim, concisãoNada melhor que um exemplo-exercício (absurdo, bobo e exagerado, mas ilustrativo do que aparece por aí): “Na hipótese de que a Cicrano venha a ganhar na Mega-Sena, fica expressamente acordado pelas partes que o imóvel da Rua dos Bobos será vendido pelo Proprietário Fulano ao Locatário Beltrano.”

“Na hipótese de que Cicrano venha a ganhar na Mega-Sena” é uma condição. Dó, ré, mi, fá, sol, lá… o que mesmo indica condição? “Se”! Em vez de “na hipótese de que”, podemos usar, simplesmente, se Cicrano vier a ganhar na Mega-Sena”.

Mais: podemos resumir “vier a ganhar” para “ganhar”, sem perder nada (antítese intencional!) no significado. A condição fica: “Se Cicrano ganhar na Mega-Sena”.

“Fica expressamente acordado pelas partes que”: Tudo o que está escrito no contrato está expressamente acordado, e obviamente pelas partes (quem não é contratante não concordou com nada). Dizer que essa fórmula é necessária em apenas uma ou em algumas das cláusulas do contrato implica admitir que as outras cláusulas não foram expressamente acordadas, o que não faz sentido. Corta sem piedade.

Ficamos com “O imóvel da Rua dos Bobos será vendido pelo Proprietário Fulano ao Locatário Beltrano”. Mas “Proprietário” e “Locatário” não fazem falta. Corta.

Ficamos com “O imóvel da Rua dos Bobos será vendido pelo Fulano ao Beltrano”. Usando voz ativa, ficamos com “Fulano venderá o imóvel da Rua dos Bobos a Beltrano”, a boa e velha – e concisa – estrutura “sujeito + verbo + objetos e complementos”.

Antes: “Na hipótese de que a Cicrano venha a ganhar na Mega-Sena, fica expressamente acordado pelas partes que o imóvel da Rua dos Bobos será vendido pelo Proprietário Fulano ao Locatário Beltrano.”

Depois: “Se Cicrano ganhar na Mega-Sena, Fulano venderá o imóvel da Rua dos Bobos a Beltrano.”

De 31 palavras no Antes, chegamos a 15 no Depois. Na mágica de editar para tornar conciso, cortamos mais da metade do conteúdo sem perder nada de conteúdo.

Vergonhosamente motorizado

Durante um curto tempo com carteira de habilitação vencida e sem carro, andei de ônibus em Porto Alegre. Sou muito favorável ao transporte coletivo, apesar dos contratempos, por ser mais sustentável, menos estressante, mais produtivo. Cada vez mais convicto de que o custo de ter um carro não cobre a comodidade (há até calculadoras online que facilitam essa avaliação), comecei a refletir seriamente sobre me desfazer do carro.

Com vergonha e um quê de irresignação, admito que decidi não me desfazer do carro por enquanto. Meus motivos são fracos:

  • Gosto da (sensação de) liberdade proporcionada por ter um carro. Dá trabalho na vida não ter um, e eu ando um pouco chateado de passar trabalho. Pronto: juntei já no primeiro item os motivos mais fracos, egoístas, insustentáveis, vergonhosos.
  • A experiência de andar de ônibus piorou bastante por causa de uma onda de calor fora de época. Comecei a pensar em mim, de gravata, no verão: três meses, com alta umidade e temperaturas acima de 30 graus, em ônibus cheios e potencialmente abafados.
  • Com as esperas pelos ônibus e os trajetos feitos mais lentamente que de carro, vi que se esvaiu bem mais rapidamente meu pouco tempo disponível fora do trabalho. Este item a ver com a aversão a passar trabalho, mas num nível mais profundo: quando passar trabalho significa perder tempo já escasso, eu me sinto mais autorizado a ser egoísta.
  • O status quo me afeta significativamente. Eu já tenho um carro. Se não tivesse, talvez persistisse mais na ideia de usar transporte coletivo e eventualmente táxi.
  • A perda de padrão de vida me incomoda mais do que gostaria de admitir. Talvez porque não seja só uma perda aparente. Porto Alegre (ainda) não é (mais) uma cidade com transporte público conveniente e bom o suficiente a ponto de atrair classe média.

“Por que ter um carro, não precisando de um?” Ainda penso assim, mas acabei concluindo que, em Porto Alegre, preciso de um carro. Espero um dia sentir que não preciso mais.

Antonio Vivaldi hoje em POA

Para quem está em Porto Alegre ou nas proximidades: ainda há tempo para prestigiar o terceiro concerto do Projeto Vésperas, na Igreja da Reconciliação, hoje às 18h. A entrada é franca! Estarei lá, em meio aos baixos do Grupo Cantabile. Segue o material de divulgação:

O concerto de hoje terá peças para orquestra, coro e solistas, escritas pelo compositor italiano Antonio Vivaldi, do período barroco (1678-1741). Uma delas será Gloria (RV 589). Opa, revelei parte do programa — informação privilegiada!

Para quem, por qualquer motivo, não puder prestigiar, o consolo é um vídeo de Gloria, por Collegium Singers & Baroque Orchestra, da University of North Texas (UNT), em 2 de dezembro de 2011. A UNT transmite seus concertos ao vivo na Internet.