Estejas escrevendo uma minuta de contrato a partir de uma folha em branco ou revisando uma preparada pela pessoa com quem vais contratar, um aspecto é essencial: precisas conhecer bem teu editor de texto e usar as ferramentas que ele disponibiliza:
- Se estiveres na pele de revisor, usa controle de alterações. Assim, sinalizas tua intenção de negociar de boa-fé e com transparência, sem alterar sorrateiramente a minuta para passar o outro contratante para trás. Lembrete básico: sem um mínimo de confiança não há contrato.
- Se te couber preparar a primeira minuta, pede ao outro contratante que, ao revisá-la, use controle de alterações. Se ele não o fizer (por não saber ou, cuidado!, por não querer ser transparente), podes fazer isso por ele: quando te devolver a minuta alterada, usa a comparação de documentos para compará-la com a minuta inicial.
- Usa comentários para esclarecimentos ou questionamentos sobre pontos específicos da minuta (palavras, expressões, cláusulas). Inserir esses esclarecimentos ou questionamentos ao longo do texto – por exemplo, EM LETRAS TODAS MAIÚSCULAS, ou em fonte de outra cor, ou em negrito, itálico e sublinhado – é confuso, trabalhoso e um pouco histérico. Se há uma ferramenta específica e automática para comentários, por que não usá-la?
- Forma é importante: não é perfumaria. É preciso pensar em legibilidade, para viabilizar a leitura fluida do contrato. Para isso, usa fontes não muito heterodoxas, como Arial e Times New Roman, que são de fácil leitura e certamente estarão no computador do outro contratante. Usa tamanhos de fonte razoáveis, entre 10 e 12 pontos, para o texto (se for um contrato regido pelo Direito do Consumidor, não há opção: precisa ter 12 pontos!). Pensa num espaçamento entre linhas que te pareça confortável: para mim, espaço simples é pouco, mas duplo é muito. As margens da página também devem ser razoáveis (não muito grandes nem muito pequenas) e equilibradas; melhor se todas (superior, inferior, direita e esquerda) forem iguais (2 cm, 1 polegada = 2,54 cm, ou 3 cm).
- Forma é importante, mas conteúdo é muito mais, certo? Por isso, automatiza tanto quanto possível a formatação da minuta, para ter mais tempo de pensar no conteúdo. Uma forma interessante de fazer isso é criar um modelo com estilos diferentes para títulos de cláusulas, textos de cláusulas, textos de subcláusulas etc.
- Uma cláusula com título “CLÁUSULA VINTE E CINCO – DA MULTA” tem exatamente o mesmo valor jurídico de uma com título “25 [tabulação] MULTA“. Há quem diga que a primeira forma é mais clássica e, por isso, mais bonita. Eu, que sou superclássico em muito ou quase tudo, discordo: recomendo a segunda, por ser mais objetiva, legível e funcional. Imagina se algum dos contratantes inventa, em algum momento da negociação, de incluir uma cláusula antes dessa: a Cláusula Vinte e Cinco passará a ser Cláusula Vinte e Seis; a Cláusula Vinte e Seis passará a ser Cláusula Vinte e Sete… Quem tem tempo para ficar redigitando tudo isso?
- Mais que objetividade nos títulos, recomendo numeração automática de cláusulas. Fez bem mais sentido usar um sistema numérico em níveis, como “1, 1.1 e 1.1.1“, que um clássico “Cláusula Primeira ( = 1), Parágrafo Primeiro ( = 1.1), Alínea Primeira ( = 1.1.1)”. A numeração automática, além de ser mais objetiva e legível, é mais funcional: permite o uso dos itens numerados como indicadores, aos quais se podem fazer referências cruzadas. Essas ferramentas serão muito úteis em contratos longos, para garantir que referências como “nos termos da Cláusula 25” sejam automaticamente corrigidas para “nos termos da Cláusula 26” se uma cláusula for acrescentada antes da Cláusula 25, fazendo com que ela se torne 26.
Felizmente se foi a época em que contratos precisavam ser escritos à mão ou numa máquina de escrever. Editores de texto podem não ser tudo de bom, mas sem dúvida permitem tornar bem mais eficientes a negociação, revisão e redação de contratos. Não aproveitar esse ganho de eficiência é ser [relativamente] ineficiente. Desconhecimento das ferramentas não é desculpa, principalmente para o advogado: no mínimo, gera uma obrigação de aprender a usá-las – ou de retirar do currículo aquela linhazinha que diz “domínio de programas da suíte MS Office”.