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Dois muito bons dias

Muitas novidades desde ontem.

Encontrei uma igreja muito legal: City Grace Church. Prédica inteligente, comunidade acolhedora (até saí para almoçar com meus “amigos da igreja” depois do culto!), e localização muito conveniente (quase do lado de casa!). Fechou todas. Então chega de “church shopping”.

Estou de acordo com o que li por aí na blogosfera: “Church shopping should be a temporary phase, not a way of life”. Fico em NYC por apenas nove meses (talvez mais, mas por enquanto não tenho como saber), então quero me engajar numa comunidade sem perder muito tempo.

Depois do culto, saí para um double decker bus tour (passeio naqueles ônibus de dois andares) por Manhattan. O passeio culminou em Chelsea Piers, na beira do Rio Hudson, onde aconteceu a Big Apple Bash, a festa de início de ano da NYU Law. Tudo isso rendeu novas amizades, mais conversas com amigos e conhecidos, e umas quantas boas fotos, como esta:

Hoje, o dia inteiro (sem exagero) em eventos de orientação para o início das aulas (achava que fosse quinta, mas na verdade é quarta – ou seja, tenho ainda mais coisas para ler!). Por fim, para a minha (tardia) tranquilidade, a NYU finalmente recebeu o pagamento do primeiro semestre, o que significa que (1) não vão me mandar embora por falta de pagamento, e que (2) agora, sim, estou oficialmente endividado. Só me resta estudar MUITO.

Saturday morning

Vou escrever rapidinho, pra ver se aproveito o dia horrível que se anuncia (nublado, úmido e com previsão de tempestade) antes que a pior parte do anunciado aconteça!

Essa semana foi bastante puxada, com muitas leituras de cases sobre punitive damages. (“Danos punitivos”: aqui, um exemplo curtinho para esclarecer do que se trata.) As aulas me deixaram num estágio bem mais avançado do meu processo de commonlawização. Também já sei mais sobre como funciona o ensino do Direito aqui, como devo estudar, como serão os exames. Em resumo: estou mais organizado, tranquilo e ambientado.

Ontem fiz uma prova cujo objeto principal foi a jurisprudência da Suprema Corte sobre punitive damages, e essa foi a (única) avaliação da disciplina de Introdução ao Direito dos EUA (que agora terminou, yay!). Foi um exame tipo pass/fail (não serão atribuídas notas), e a única consequência de não passar é ter de cursar a disciplina de Metodologia Jurídica dos EUA neste semestre (fall = 2009/2). Não é uma consequência terrível, porque eu já pretendia fazer essa disciplina, mas é uma consequência um pouco inconveniente, porque já tinha me planejado para cursá-la no próximo semestre (spring = 2010/1).

Mas não importa muito, porque acho que fui bem o suficiente para não ser obrigado a fazer a disciplina! Difícil saber, claro, porque é um tipo de exame bastante diferente dos que fiz na graduação, e também porque foi em inglês, e também porque foi sobre uma matéria sobre a qual eu estudei por apenas três dias… Mesmo assim, estou confiante. Pode não ter sido A (o que é raro por aqui, aliás), mas definitivamente não foi tão baixo a ponto de merecer C. Ou seja, acho que foi B de bom. 😛 (Infelizmente, e como eu já disse, nunca vou saber o conceito, porque essa prova não vai receber nota; é pass/fail.)

Conheci muitos outros colegas do LL.M. (LL.M. = Legum Magister = Mestrado em Direito). E (surpreendentemente) estou conseguindo me lembrar dos nomes. Meus novos amiguinhos e amiguinhas incluem gente da Alemanha, do Brasil, do Canadá, da Grécia, da Holanda, da Índia, da Suécia… o mundo de A a Z, ou quase isso. Foi legal que encontrei várias pessoas da minha especialidade (International Legal Studies).

Ah, e como o semestre começa oficialmente quinta que vem, já começaram a chegar os J.D.s (djei-dís), que são os estudantes de graduação em Direito (J.D. = Juris Doctor = aqui adevogado tambem é dotô!).

E os J.D.s chegaram chegando. Eles parecem tão novinhos… bem, acho que eu também parecia quando entrei na faculdade de Direito!. Além disso, como a maioria deles é dos EUA, eles não parecem tão deslocados como nós, international LL.M.s, e vêm com muita mudança. Os corredores aqui do D’Agostino Hall (o prédio de apartamentos estudantis onde moro) ficaram entulhado de caixas onde os J.D.s tinham trazido cacarecos que eu nem sonharia em poder trazer nas minhas 140 libras (64 kg) de bagagem.

Hoje de manhã me permiti dormir até às 9h (oh, que grande concessão!), e aí lavei roupa olhando para o Empire State Building. 😉 Ainda tenho outras coisas Maria Maria por fazer (incluindo compras… no K-Mart!), e depois vou estudar. Sim, porque os professores já deixaram muito material para ler para as primeiras aulas. Não dá pra ficar pra trás.

Falando nisso, terei nas próximas semanas uma tarefa difícil: escolher de qual das cadeiras que eu escolhi na matrícula vou desistir. Tenho 15 créditos (o máximo que se pode ter num semestre), e a professora de Introdução disse expressamente que o ideal é fazer 12 (o mínimo). O argumento é que, para meus potenciais empregadores, vão importar muito mais minhas notas do que o número de créditos que fiz. O que faz sentido: melhor notas “poucas e boas” do que “muitas e medianas (ou até ruins!)”. Mesmo assim, é uma dor no coração ter que desistir, porque todas as cadeiras que eu escolhi são interessantes, e porque eu queria sugar o máximo da NYU (fazer valer a anuidade!). Colocando na balança, vou sentir como vai ser o ritmo do semestre primeiro… e depois decido se caio fora de alguma cadeira (ou seminário).

Socratic method videos

Hoje a professora de Introdução ao Direito dos EUA mostrou em aula uns vídeos sobre o método socrático. O primeiro é sobre uma aplicação “old-fashioned” do método (na NYU não é tão cruel assim, segundo a professora). O segundo apresenta impressões dos alunos a respeito do método.

Primeiro dia de aula (ontem)

O primeiro dia de aula em uma palavra? Apavorante, num primeiro momento; desafiante, após uma reavaliação.

Foi meu primeiro encontro com a Common Law, o sistema jurídico aqui dos EUA, que difere bastante da Civil Law, o sistema jurídico do Brasil. Preciso passar por uma profunda “commonlawização” (adotando a expressão uma vez usada pelo meu orientador no Brasil, prof. Ricardo Vasconcellos). Há uma forte ênfase nos cases (jurisprudência – estudei quatro só para a segunda aula!). O ensino jurídico também é diferente (talvez futuramente sobre algum tempo para comentários sobre o método socrático).

A disciplina de Introdução ao Direito dos EUA é intensiva (três horas de aula por dia por duas semanas). Manter as leituras obrigatórias já é difícil, quanto mais chegar às leituras meramente recomendadas! Além disso, o “juridiquês” em língua estrangeira, a nova cidade, as compras necessárias para conseguir sobreviver dignamente (!), o novo quarto (ontem troquei para o definitivo)… tudo toma tempo e consome energia.

Mas tudo está indo bem. Se algo me faz falta? Umas horinhas a mais por dia. 🙂

Preparativos e um pouco de socialização

Instalei a impressora/scanner/copiadora (Epson Stylus NX 110) que comprei por absurdos 23 dólares: o que ela tem de barata também tem de barulhenta. Cheguei a dar um pulo pra trás quando ela começou a imprimir. Mas a qualidade de impressão é ótima, e já quebrou uns galhos hoje. O ruim mesmo é que agora tenho que desinstalá-la para a mudança de amanhã.

Cheguei há pouco de um encontro básico de “orientation”, que mais serviu para socialização entre os alunos, todos “internacionais” (os colegas estadunidenses não vão fazer a cadeira que começa amanhã, Introdução ao Direito dos EUA, por razões óbvias). Conheci mais brasileiros e brasileiras, um alemão que vai ser meu apartmentmate no apartamento definitivo, um mexicano, e conversei mais com minha apartmentmate temporária, que é chinesa, e com uma italiana que já tinha conhecido na livraria da NYU ontem. (Ela também já tinha visto a estátua do Garibaldi no Washington Square Park!) É muito divertido estar no meio dessa mistura de nacionalidades, culturas, sotaques. Amo muito tudo isso.

No mais, estou melhor do resfriadinho (não, não é gripe suína), continuo com olheiras e meio jet-lagged (e sem sono, o que agrava ambos), e ainda tenho que ler algumas coisas pra aula de amanhã… a primeira aula! Portanto, era wilson por hoje.

9 dias pra pensar em 9 meses

Nos nove últimos dias, depois de ter sido lançado ao topo da pilha do descarte, fiquei pensativo. Vendo as chances de bolsa escaparem uma a uma – bah, até agora escapou só uma das três a que estou concorrendo, mas, como bom pessimista, tendo a pensar que “uma” é apenas a primeira de “uma a uma”…

Enfim, depois de ver uma das chances de bolsa escapar, estive pensando nos desafios pelos quais tenho passado para chegar aos nove meses do mestrado na NYU (08/2009 a 05/2010), que eu tanto quero fazer. Claro que nessas reflexões pintou aquele tantinho básico de frustração, de sensação de fracasso; um “L” gigante na testa, o qual infelizmente não era de Law nem de Legum Magister.

Mas aí voltei à minha terra natal pra ser padrinho de casamento do casal Fê e Rafa, dos quais (como pessoas, como amigos meus e como casal!) sou um grande fã. Nessa oportunidade encontrei vários outros amigos preciosos, conversei com muitos e obviamente me aconselhei com eles sobre o assunto de ir ou não ir a NY. Tudo isso me fez muito bem. Aos que me aconselharam ou simplesmente conversaram comigo e que estão lendo este post – vocês sabem quem são! -, meu sincero obrigado.

(Foi praticamente uma maratona de conversas e aconselhamentos, e isso que nem era minha intenção atormentar a todos com o meu dilema. O assunto simplesmente surgia, uma hora ou outra, e aí perdurava por um bom tempo. Compreensível, claro, porque chega a ser um problema físico, de diferença de pressão: minha cabeça está tão cheia e inchada desse assunto que, quando abro a boca, ele escapa.)

Quando voltei pra casa, no início da semana, fiquei meio deprê, down, low (além de gripado). Assisti ao filme “O Pianista” (não, eu ainda não tinha visto) e chorei como nunca por causa de um filme. Outro dia inventei de assistir a Party of Five e, pelo mais puro acaso, peguei o episódio 14 da temporada 3, “Life’s Too Short” (na dúvida, *spoiler alert*, mesmo em se tratando de episódio que foi ao ar em 1997, de série que já terminou!). Nesse episódio, a Libby (em alguns aspectos intelectuais, uma versão minha de saias) comete suicídio depois de ser aceita pela Harvard University, alcançando o objetivo pelo qual tinha lutado tão arduamente, mas ao mesmo tempo enfrentando um invencível medo de fracassar, de não corresponder às expectativas de todos à sua volta, de “nunca ser como uma daquelas pessoas felizes, bem-sucedidas e populares que aparecem nas fotos do catálogo da universidade”, como ela escreveu no seu diário. É, sortear justo esse episódio não ajudou muito.

Felizmente, nos dias seguintes fui melhorando, porque minha gripe foi passando aos poucos (hoje estou quase curado), e também porque li um livro bom (“Dias Melhores Virão”, de Max Lucado; o título é sugestivo, mas não é autoajuda barata; é autoajuda com fundamento bíblico!), e finalmente porque passei a conversar mais com Deus a respeito de NY. Às vezes é difícil entender o que Ele quer de nós, porque as respostas dEle não são necessariamente bilhetinhos com a palavra “sim” trazidos por borboletas até o nosso travesseiro numa manhã de sol depois de uma noite de sono restaurador – nem trovoadas retumbantes que gritam “não” por semanas na nossa cabeça para garantia de que tenhamos entendido a mensagem. As respostas podem ser (e acho que geralmente são) bem mais sutis.

Não sei e não tenho muito como saber se entendi direito, mas o que entendi é que devo ir. Se fui aceito justo para o programa de mestrado que eu mais queria, e se tantas coisas até agora deram tão certo (tudo, aliás, deu certo até agora, à exceção das bolsas!), só posso interpretar que recebi um “sim”. Então estou “decidido” a ir, com ou sem bolsa.

Estar “decidido”, porém, não significa que eu tenha “aceitado” bem a ideia. Pedir um empréstimo tão grande para bancar estudos avançados pode assustar um pouco quem ainda está num clima de pós-formatura (vezes dois!), sem ter certeza de que aprendeu mesmo alguma coisa em todos esses anos de estudo nem de que um dia vai ter um salário razoável. Mais, é chocante para alguém que estudou a vida inteira em escola pública saltar para a maior instituição privada de ensino superior dos Estados Unidos, numa das cidades mais caras do mundo. Por outro lado, sei que empréstimos estudantis são bastante comuns por lá e não tenho dúvida de que valham a pena como investimento.

Não tenho o mesmo medo do fracasso que tinha a Libby de Party of Five. Posso não alcançar A+ em tudo nem sair do Mestrado como primeiro lugar da turma, mas sei que, com a dedicação que vou empregar aos estudos, vou conseguir me dar bem no curso e alavancar minha carreira através dele.

Já quanto ao medo de não conseguir saldar (ou pelo menos não tão cedo) os empréstimos, esse medão que sempre me faz engolir em seco, é isto: preciso aprender a administrá-lo. Talvez seja apenas uma enorme questão de depositar mais confiança em Deus. Racionalmente é bem fácil: reconheço que até hoje não tive motivos para não confiar nEle; por experiência e por fé, sei que no futuro, se eu fizer a minha parte (trabalho árduo e sacrifícios de consumo), Ele tampouco me deixará na mão. Na prática, claro, é mais difícil; assim mesmo, com o tempo, hei de conseguir.

(Esses posts epifânicos são superpropícios a comentários. Aliás, eles gritam desesperadamente por comentários. Prometo tentar não ficar triste se ninguém comentar; por outro lado, garanto que ficarei bem feliz se alguém comentar.)

Dez minutos

Primeira entrevista em processo seletivo de bolsa de estudos. Foi informal, tranquila… só que durou dez minutos, sendo que deveria durar 30 ou 40. Tudo bem, disseram que os documentos que enviei na inscrição estavam bem claros e que por isso não restavam muitas dúvidas. Enfim, não foi péssimo nem fui eliminado preliminarmente, mas sinto que estou cada vez mais distante de receber dindim pra estudar na NYU.

Parece que sou o contrário do que se espera de um bolsista. “Perfil acadêmico, então?”, com certo tom depreciativo. “Recém te formou na faculdade e já quer uma pós-graduação?”, meio que rindo. “É, isso aí”, respondi, e pensei, “putz, isso não era uma coisa boa?”.

Aparentemente não. Aparentemente essa história de qualificação acadêmica está fora de moda – e eu que achava que graduação era apenas o mínimo da decência! Aparentemente eu teria que entrar no mercado logo após de me formar, ganhar experiência profissional, e só então tentar uma pós-graduação.

Afinal, o que importa é trabalhar (no meu caso, advogar ou “economizar” pra gente grande) e ganhar dinheiro, porque só assim se mostra empreendedorismo e competência e liderança. Excelência acadêmica em duas graduações, pesquisa e extensão, estágios no exterior, serviço público, preocupações ambientais… naaah.

Desculpa, Mundo, mas minha trajetória foi diferente. Aliás, acho que não teria sido aceito na NYU se não tivesse sido. Eu até poderia ter sido “empreendedor” em vez de CDF, mas acho que teria fracassado (em algum ou em ambos) se tivesse tentado ser ambos ao mesmo tempo. Ademais, agora a Inês é morta: desde sempre “optei” pelo cedefismo (“optei”, entre aspas, porque talvez não tenha tido opção). Se essa foi a “opção” errada pra quem viria a postular uma bolsa, acho que vou ter mesmo que me endividar pra bancar a NYU.

Ou desistir, e trabalhar pra ganhar muito dinheiro e “experiência profissional” e pra me tornar um líder empreendedor e competente. E talvez mais tarde tentar de novo um mestrado na NYU ou noutra universidade. E talvez fracassar, porque terei perdido o “perfil acadêmico” que eu tanto valorizei e que lutei pra construir e que agora desprezam. E talvez me arrepender de não ter feito o que eu queria (estudar na NYU, nestes tempos) pro resto da vida. Que é uma só. Que desperdício. É, acho que vou ter mesmo que me endividar.

Tantos motivos para ter parado de postar

Não tem jeito, mesmo: sempre que volto a postar no blog do Guri depois de um tempo de hibernação, escrevo um postão com justificativas. Eu adoraria poder evitar isso (seja simplesmente não hibernando, seja não me justificando depois da hibernação!), mas (1) tem vezes que não dá pra postar e pronto, e (2) não tenho a cara-de-pau de voltar a postar así nomás, sem nenhuma explicação pros meus leitores.

Aliás, que leitores? Coitados – os mais persistentes fugiram de raiva nos últimos meses. Vamos ver se consigo me redimir, pelo menos por enquanto. Sabem como é – não foi a primeira hibernação do bdG, e muito provavelmente não será a última. Melhor assumir isso do que jogar tudo pro alto e desistir de ter um blog. Bem, eu poderia muito bem jogar tudo pro alto e desistir de ter um blog. Mas isso é outra coisa que eu não consigo fazer, e só porque eu gosto muito do meu bloguinho – embora isso não seja aparente todo o tempo, como nesses longos períodos de apostância (bah, isso existe? entenda-se!).

Tá, mas o que aconteceu que eu parei de postar? No primeiro semestre de 2008 eu estive muito triste, e acho que hoje entendo bastante bem o porquê. Resumindo, foi uma combinação de três ingredientes: um caminhão de saudade de um dos melhores períodos da minha vida (meu tão sonhado estágio nas Nações Unidas) mais uma pitada de frustração com meus cursos (Direito e pós em Direito Ambiental) mais um punhado de falta de perspectivas para o futuro (deprê pós-formatura da Economia mais deprê pré-formatura do Direito). Minhas atividades não me ocupavam nem me consolavam, só me faziam entrar em pânico por não ter absolutamente nada marcado na agenda de 2009 (como muito bem ilustrou Carol Grassi).

Então, num impulso de determinação (do tipo, “basta!”), criei uma pasta “2009” no computador e criei um label “2009” no meu gmail. (Podem acreditar: isso funciona; não é puramente simbólico.) Comecei a encher a pasta “2009” com as mais diversas subpastas: concurso para a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), concurso para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), projeto de dissertação para a seleção do Mestrado em Direito da UFRGS (também conhecida como “Úrguis”), processo de seleção para um emprego na World Resources Institute (WRI) em Washington, estudos para a prova de proficiência TOEFL, candidaturas para mestrados em Direito nos EUA

Em suma, dei tiros pra todos os lados. Se acertasse um pássaro, ficaria triste, porque sou pró-ambiente, mas assumi o risco: atirar era preciso. O segundo semestre de 2008 inaugurou um tempo de reorganizar a vida e os planos para 2009 e além, e não um tempo de postar. Vida e planos reorganizados, perdas e ganhos contabilizados, volto a postar.

Silêncio pode ser perigoso

Silêncio aqui no blog geralmente é sinal de preguiça; às vezes, porém, pode ser um alerta de perigo!

Desta vez, eu estava de fato tramando algo. Convidado pelo professor Shikida (blog De Gustibus Non Est Disputandum), entrei como co-autor no novo e-book que ele organizou. O livrinho traz, segundo o próprio organizador, de uma “reflexão verdadeiramente plural sobre o significado da Lei Seca e os impactos da mesma sobre a sociedade brasileira”

Minha contribuição ao e-book é o artigo O poste não é de borracha, que está no post ali abaixo. Mas é claro que o melhor mesmo é ler tudo. O e-book completo, A quem (realmente) servem os bafômetros, está disponível aqui.

O poste não é de borracha

Maldito por isso em alguns círculos de discussão de Economia e em outros de Ecologia, eu tenho esse hábito lamentável de me dedicar a abordagens econômicas sobre problemas ambientais. A mais tradicional delas, sem aqui entrar nas críticas, é a da externalidade negativa, segundo a qual a degradação do meio ambiente aconteceria porque os agentes econômicos pensam apenas nos benefícios e custos privados e desconsideram os benefícios e custos (principalmente os custos) externos, que são aqueles causados por suas escolhas a outros agentes ou à sociedade como um todo.

Nessa boa e velha inspiração, o trânsito é tido como terreno fértil para a produção de externalidades negativas. Por exemplo, na opção pelo uso individual do automóvel (em oposição ao transporte coletivo e aos esquemas de caronas alternadas), os agentes econômicos descuidam dos efeitos negativos que sua opção traz ao meio ambiente, por causa da poluição atmosférica, e ao próprio fluxo de trânsito, por causa dos congestionamentos.

A fatal combinação de bebida alcoólica e trânsito pode muito bem ser interpretada como um terceiro caso de externalidade negativa. Num mundo ideal sem intervenção do Estado (e não que um mundo sem intervenção do Estado seja “perfeito”…), quem bebe antes de dirigir leva em conta apenas os custos privados de sua atitude, como o preço da bebida e o risco de sofrer danos físicos ou patrimoniais em caso de acidente. Seria preciso que fosse levado a pensar também nos custos externos, como o de causar esses danos a outras pessoas ou de pelo menos impor à sociedade o risco de causá-los. E foi isso que a Lei Seca fez.

(“O consumo de bebidas alcoólicas por motoristas, em economia, é um exemplo clássico de geração de externalidades negativas” – essa idéia já foi levantada na própria Câmara dos Deputados. Foi usada como argumento no substitutivo ao Projeto de Lei 2.997/2004, cujo objetivo era proibir a comercialização de bebidas alcoólicas em lojas de conveniência situadas em postos de gasolina.)

A bem da verdade, trata-se de uma externalidade que já era internalizada em certo grau na legislação brasileira. O Código de Trânsito Brasileiro já oferecia incentivos (sanções administrativas e penais) para que o motorista considerasse os efeitos externos de sua decisão de beber. O que a Lei Seca fez foi dar mais uma internalizadinha: tolerância zero ao ato de dirigir alcoolizado. Isso também veio com um aumento na fiscalização e na repressão. É punição exemplar; serve pra que o agente econômico perceba que o negócio não é brincadeira (“bah, multa de mil pila!”) e mude pra valer a sua conduta.

A nova lei vem ao encontro das conclusões de alguns economistas no tratamento das externalidades. Em alguns casos extremos, não há muito que se possa fazer para resolver o problema. Por exemplo, ninguém vai sugerir que o Estado se meta a tentar resolver o problema da perda de bem-estar social devida ao bafo etílico e às conversas de bêbado da gurizada. No outro extremo, há casos em que não resta alternativa à sociedade a não ser simplesmente proibir uma conduta. Talvez o caso da bebida no volante seja assim. Talvez tivesse bastado um simples aumento em todo o país no rigor da fiscalização, mesmo sob a lei antiga. Vai saber?

O certo é que a lei tem produzido efeitos positivos (e há de continuar a produzir, contanto que continue sendo cumprida). Existe pelo menos uma sensação de que os acidentes de trânsito diminuíram. Estatísticas oriundas dos hospitais de pronto socorro parecem sugerir que o primeiro mês da lei já foi um sucesso. Eu particularmente acho cedo pra esse tipo de conclusão. Seria preciso uma série mais longa para uma análise mais precisa.

Parte do efeito positivo é o espaço que se abre à criatividade dos agentes econômicos. Tomar todas e tomar um táxi de volta pra casa não é exatamente uma delas, porque já estava faz tempo na lista de soluções dos mais conscientes. Esquemas de rodízio entre as parcerias – do tipo “hoje eu não bebo pra poder dirigir, mas amanhã é tu” – são um pouco mais criativos (embora talvez um pouco enfadonhos pro abstinente da vez).

Alguns bares e restaurantes entraram na brincadeira e oficializaram o rodízio, colocando uma pulseira naquele que vai levar a galera pra casa, como forma de sinalizar ao garçom que não lhe sirva bebidas alcoólicas. Legal também a iniciativa de alguns estabelecimentos de oferecer condução para os clientes, pra que possam beber, e a criação de oportunidades econômicas como a dos motoristas de bêbado – o cara vem, pega teu carro e te dirige de volta pra tua casa. (Não quero dizer necessariamente tu, leitora ou leitor.)

“Legal coisa nenhuma,” podes estar pensando (agora sim: tu, leitora ou leitor), “porque tudo isso se reflete no preço da refeição no restaurante, da bebida no bar e do serviço do taxista ou do motorista de bêbado”. Sim, só que essa era justamente a idéia. Afinal, não existe nada mais devidamente internalizante que uma dorzinha no bolso.

É bem por isso que sou favorável à Lei Seca (e, como já disse e repito, ao seu fiel cumprimento). Uma hora ou outra e de uma forma ou outra seria preciso fazer o motorista assumir o custo externo associado aos riscos de dirigir bêbado. Em outras palavras, cai na real: o poste não é de borracha – FAZ DODÓI!