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Mas por que os sinos dobram?

Eu sou meio surdo – é só conviver um pouco comigo para perceber. Por outro lado, tenho uma curiosa hipersensibilidade a sons distantes. De onde moro, no Areal, comumente (e sem esforço algum) ouço a buzina do trem, que passa no Porto ou mais para as bandas do Fragata ou do Capão do Leão. Um conhecimento básico da geografia de Pelotas ajuda na compreensão do que isso significa, mas basta entender que o trem passa no outro lado da cidade. E eu ouço a buzina.

O que aconteceu ontem, no entanto, chegou a ser assustador. Estava em uma aula do curso de Economia, no ICH, que fica na região do Porto. O professor parou de falar e estava formulando o que dizer a seguir. A turma ficou sem fazer um mínimo ruído. Era um daqueles instantes raros e brevíssimos, quando aconteceu: ouvi os sinos da Igreja São João.

Eu não podia acreditar. A sala onde estudo é muito isolada, tanto que não pega nem celular (!) lá dentro. Não dá pra ouvir nem os carros que passam na rua. A Igreja, por sua vez, fica a uns dois quilômetros do ICH. E há mais o seguinte detalhe: entre os dois lugares está nada menos do que todo o centro da cidade de Pelotas – isto é, prédios, trânsito…

Queria ouvir um pouco mais, só pra ter certeza, mas não pude: acabou aquela fração de segundo de silêncio. No tempo, aquele instante foi um nada, mas pareceu que tinha se passado uma hora, de tão nitidamente que pude ouvir o som dos sinos. Olhei para os lados, tentando achar algum olhar de cumplicidade, mas não encontrei o que procurava. Tive certeza de ter sido o único a ouvir aquele som. Peguei o celular (que, mesmo sem sinal, serve de relógio): eram vinte horas. Só então me lembrei – quinta-feira é dia de culto na São João. Às vinte horas.

De casa, muitas vezes já ouvira os sinos da São João. A distância é um pouco menor: um quilômetro, talvez mais meio. Não que isso queira dizer muito, porque eu nunca ouvi os sinos da Catedral, que fica pertinho dali. A verdade é que os sinos da São João são, para mim, inconfundíveis; têm o badalar mais lindo que já ouvi. (Como bom pelotense, sou bairrista – ora, é a igreja onde fui criado e de que participo até hoje.)

É bom lembrar que o sino já foi muito importante, na história da sociedade ocidental. Era por meio do toque dos sinos que se anunciavam eventos festivos das comunidades, como nascimentos e casamentos, e também de pesar, como as mortes e os alarmes de guerra. Como ainda não havia relógio, as badaladas dos sinos é que marcavam as horas, regulando o despertar e a hora de se recolher. Já serviam para sua função que ainda hoje é marcante: anunciar os momentos de culto nas igrejas cristãs.

Hoje todos temos relógios de pulso – ou celulares – ou ainda olhamos para aqueles relógios-termômetros – ou, no último dos casos, perguntamos as horas para outra pessoa. Além disso, é mais fácil ouvir o ruído do stress do trânsito – motores, arrancadas, freadas… – e até mesmo as buzinas dos trens. Também é mais fácil ouvir a música em alto volume que um dos vizinhos deixou tocando, sem a menor consideração (vale lembrar que cada um de nós pode ser um desses vizinhos!). Pior ainda, pode ser que o som mais fácil de ouvir seja o de um tiroteio não muito distante de nós.

E, por essas e por outras, ninguém mais dá atenção aos sinos. Mas eles continuam por aí, nas igrejas, cumprindo sua função. Eles nos lembram de que podemos deixar nas mãos de Deus todos os nossos problemas quotidianos: a corrida atrás do tempo, o trânsito caótico, as dificuldades nos relacionamentos humanos, a assombrosa criminalidade… Que privilégio é ouvir, nesses dias conturbados, o chamado de Deus através dos sinos… Ouve!

A violação da regra zero

Em um de seus acessos criativos, o professor de Metodologia inventou três regras fundamentais para a elaboração de um projeto de pesquisa. A regra um é a de que “hipótese é tudo” – é o ponto de partida mais seguro. A regra dois, “faça a pesquisa para um marciano” – é preciso explicar tudo nos mínimos detalhes. E não há regra três. O que ele fez foi estabelecer uma regra-base tão primordial que veio a ser a regra zero: “não confunda projeto de pesquisa com projeto de vida”.

Há uma semana, tivemos uma aula tipo mesa-redonda para discutir as primeiras versões dos projetos de pesquisa. O meu pré-projeto foi aprovado sem ressalvas – o professor achou que é interessante e viável e que está corretamente elaborado. Fiquei feliz, é claro, mas uma coceirinha atrás da orelha persistiu…

Acho que violei a regra zero. Os colegas preocuparam-se em fazer projetos formalmente corretos, mesmo que não lhes despertem muito interesse. Quando não há envolvimento emocional, é fácil elaborar o projeto – é o que explica o professor. A coisa complica, segundo ele, quando colocamos no projeto muita paixão.

E é o meu caso. Meu projeto é sobre Direito Internacional, tema que já escolhi como provável alvo profissional desde meu ingresso no curso de Direito. Fiz o tal projeto com a disposição de levá-lo adiante, até mesmo para a monografia de conclusão de curso a ser escrita daqui a dois anos. Aliás, cheguei a fazer três projetos, todos de meu profundo interesse pessoal e profissional, e entreguei apenas um.

Será que fiz mal? Felizmente posso sair dessa enrascada potencial a qualquer tempo, porque estou livre para, se preciso, alterar o projeto de pesquisa. Seria, é claro, uma boa incomodação, acompanhada de perda de tempo. No fim das contas, é bem pra essas situações que servem as regras. Segui-las (neste caso, fazendo um trabalho sem grandes pretensões) ajuda a evitar incomodações. Vai ver que o meu problema está aí: parece que eu gosto mesmo é de me incomodar…

Coincidência ou plano?

Em certos dias (ou anos), os acontecimentos são tão misteriosamente ligados uns aos outros que a gente chega a ficar desconfiado. Não sei se é assim que Deus nos comunica Seus planos, ou se se tratam de meras coincidências – ou se meras coincidências estão dentre as formas pelas quais Deus comunica Seus planos. O fato é que essas coisas acontecem e talvez tenham um significado além do francamente inteligível.

Hoje foi um dia desses. Pela manhã, conversava com uma colega do Direito sobre minhas aventuras e desventuras no Jornalismo da UFRGS. À tarde, recebi um convite para dar uma palestra na UFRGS sobre minha participação na última conferência do clima. Mal tinha respondido o convite, chegou e-mail avisando sobre o concurso literário da Fabico, a Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS.

E então? A palestra é irrecusável, por mais que seja difícil abrir espaço no meu horário. Mas e o concurso literário? Em tese ainda sou aluno da Fabico e posso participar. A idéia é tentadora e o prazo é apertadíssimo – até sábado. Mas afinal, voltar a escrever é tudo o que tenho desejado nesses últimos tempos. Talvez o aviso sobre o concurso tenha servido de incentivo para remover a ferrugem da minha imaginação e colocar meu sonho em dia. Quem sabe?

Revisão e previsão

Desde o início deste blog, a história que conto aqui tem sido a mesma, ressalvados eventuais desvios: o meu caso com a escrita. É uma história que se desenrola até hoje, confundindo-se, de certa forma, com a minha própria história de vida. Concursos de redação, interesse por mudanças climáticas e Direito Internacional, três (ou seriam 2,0784?) cursos universitários… O meu caso com a escrita, conforme procurei explicitar nos posts ao longo do último mês, é peça-chave para explicar o trajeto que me trouxe para as bandas onde ora me encontro.

Isso não significa, no entanto, que a explicação esteja completa. Feita essa breve revisão mensal (parabéns ao blog pelo seu primeiro mês de existência!), à previsão. Faltam ainda posts essenciais. Uma série deles, a ser escrita oportunamente, diz respeito ao meu caso com a música, que infelizmente anda um pouco apagado, mas que não por isso deixa de ser importante. Outra série de posts diz respeito a outro caso, no sentido mais estrito da palavra: meu caso de amor. Sim, único. Renderia um blog inteiro (um livro, quem sabe?), mas, sendo assunto concluso, vai levar só alguns posts. É disso, pois, que me ocuparei em seguida.

Só mais uma coisinha:

Um professor pode marcar muito a vida de uma pessoa. Comigo, isso aconteceu várias vezes; uma delas, aliás, já relatei por aqui.

Outro caso de professor marcante foi o de Direito e Economia, no primeiro ano do curso de Direito. Suas aulas me despertaram ainda mais o interesse pela Economia, para entender melhor o mundo. Foi então que comecei a cogitar a possibilidade de fazer algumas cadeiras de Economia em curso dois (ou três: já estava fazendo Jornalismo!).

Eu e meus meios pouco convencionais para a consecução dos fins pretendidos: em vez de fazer matrícula em uma ou outra cadeira do curso de Economia, resolvi fazer vestibular de inverno, meio ano depois da loteria vocacional. E passei. Comecei a fazer o curso, sem muita intenção de concluí-lo, na mesma idéia de ampliar horizontes, complementando a formação jurídica.

Só que não esperava gostar tanto. Então, só mais uma coisinha: Direito, uma pitada de Jornalismo e… Economia. Agora faltam apenas dois semestres para minha formatura. Vou acabar sendo economista antes que possa sonhar com a formatura em Direito, e muito antes de uma eventual (embora improvável) formatura em Jornalismo… Considero até me aprofundar em Desenvolvimento Econômico (Sustentável!) e trabalhar no ramo.

Não sei como cheguei a essa situação. Se algum tempo atrás alguém me dissesse que me formaria em Economia, minha reação mínima seria uma gostosa gargalhada. Poderia pensar em fazer Direito, Jornalismo, Letras, Música. Nunca estivera a Economia nessa lista de opções. Meus planos estavam em Direito Internacional Ambiental, Diplomacia Ambiental, Comunicação.

Daí se conclui que planejar demais não leva a nada, porque (1) today is where your book begins – the rest is still unwritten, mas principalmente porque (2) Quem está no comando da minha vida é meu Deus. Resulta inevitável lembrar, em face disso, que “muitos são os planos no coração do homem, mas o que prevalece é o propósito do Senhor” (Provérbios 19:21). Ainda bem!

O vigor da minha juventude

Sempre tive muito pique, iniciativa. Vivo envolvido em diversas atividades. No ano em que estudava para o vestibular, dava aulas de inglês, regia um coro de música sacra e participava de eventos sobre mudança climática – cheguei a ir ao Rio duas vezes para isso. Tudo era perfeitamente conciliável com os estudos.

Depois que passei no vestibular e (que sacrilégio!) fiz o supletivo, comecei a estudar Direito e Jornalismo. Mas como eu queria porque queria meu diploma do CEFET-RS, continuei fazendo o ensino médio lá. Sim: Direito todas as manhãs, ensino médio todas as noites e, um dia por semana, uma longa viagem a Porto Alegre para cursar Lingüística no Jornalismo da UFRGS (quatro horas pra ir, duas horas de aula, quatro horas pra voltar). Continuei “ativista”.

Entrei de cabeça na Academia. O primeiro ano no Direito serviu para o meu verdadeiro encontro com as ciências humanas – eu estava no lugar certo! Minhas aulas na UFRGS, especialmente nos primeiros semestres, foram um contato com uma realidade incrível! A conclusão simultânea do ensino médio não foi tão emocionante… mas, no fim, eu fiz um discurso de orador de turma que talvez tenha sido o mais polêmico da história do CEFET-RS!

Não me resta dúvida: a correria valeu a pena. Eu continuo cheio de atividades, mas, não sei por que, não é mais a mesma coisa. Talvez falte um pouco da emoção do início: a novidade dos cursos universitários, a aventura da viagem semanal a Porto Alegre, a ousadia de um discurso inesperado e surpreendente.

Hoje, eu me sinto com sono, por vezes desmotivado e cansado. É difícil levantar da cama, algumas vezes, para ir assistir a uma aula desmotivante. As tardes passam voando e nem sempre consigo fazer tudo o que gostaria de ter feito – muitas vezes fico restrito ao que preciso fazer. Em semana de prova, principalmente, fico preso aos estudos e não consigo fazer o que é importante para mim – ler a Bíblia, ver e falar com minha família e meus amigos, escrever no blog, tocar flauta…

Não, não passou o vigor da minha juventude. Eu ainda tenho o vigor; continuo envolvido em um sem número de atividades. O problema é que, às vezes, as situações que o mundo impõe não me são muito favoráveis, não me interessam tanto como no passado.

Concluo afirmando minha consciência de que essas angústias são passageiras, repousando minha confiança em Deus. “Ele dá força ao cansado” (Isaías 40:29). Por fim, é preciso aprender a deixar no passado as coisas que já não cabem mais ou que pertencem ao passado e não mais ao presente. Isso é entender de fato que há tempo para tudo (Eclesiastes 3:1-8 – sugiro fortemente a leitura da passagem completa!):

Para tudo há uma ocasião certa;

há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu:

Tempo de nascer e tempo de morrer,

tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou,

tempo de matar e tempo de curar,

tempo de derrubar e tempo de construir,

tempo de chorar e tempo de rir,

tempo de prantear e tempo de dançar,

tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las,

tempo de abraçar e tempo de se conter,

tempo de procurar e tempo de desistir,

tempo de guardar e tempo de jogar fora,

tempo de rasgar e tempo de costurar,

tempo de calar e tempo de falar,

tempo de amar e tempo de odiar,

tempo de lutar e tempo de viver em paz.

É isso mesmo que vocês querem?

Já comentei por aqui que participo de projeto de assistência no centro social do bairro onde moro. Duas colegas e eu compomos o trio de atendimento das terças-feiras.

Ontem finalmente reunimos os requisitos faltantes para propor duas das ações que até agora caíram em nossas mãos. Uma delas é a de separação judicial consensual de um casal que está separado de fato há alguns meses. “Todas as formalidades estão prontas; agora só precisamos das suas assinaturas”, disse, dirigindo-me aos dois, que estavam diante de mim. Mas engoli em seco: “Isto é, se é isso mesmo que vocês querem – não existe a possibilidade de reconciliação?”. Ambos responderam: “Não, tá tudo certo assim”.

A outra ação era de divórcio direto. O casamento, forçado, não dera certo. Tanto ele quanto ela já viviam com outros companheiros e famílias há quarenta anos (!). A pergunta, diante da situação, era até ridícula, mas não pude evitá-la: é isso mesmo que vocês querem? Dois sorrisos dizendo “é óbvio”, duas assinaturas, duas pessoas a menos na sala.

Não pude fugir ao desconforto que senti. Deus não apenas reprova (Mateus 5:32, 1 Coríntios 7:10-11) , mas francamente odeia o divórcio (Malaquias 2:16a). É óbvio que acabaria afogado em angústias se me culpasse por tomar parte nisso. Afinal, no projeto, esses são casos dos mais freqüentes.

Só fiz o que me solicitaram; separar-se ou divorciar-se é uma faculdade que a lei confere às pessoas casadas, em determinados casos. Poderia muito bem me esquivar assim. Mas a lei que me governa, o meu “estatuto pessoal”, é a Lei, que é muito superior a isso que por aqui na Terra se convencionou chamar de lei.

Enfim, estou disposto a fazer de boa-vontade o que me solicitam. Mas, nesses casos, faço contrariado. E não vou deixar de perguntar: é isso mesmo que vocês querem? não existe possibilidade de reconciliação?

Mas o dilema não estava resolvido?

Apesar de todos os argumentos pela escolha do Direito, nenhum era forte o suficiente para que eu pudesse abrir mão da minha vontade de escrever, que já era inarredável. Então optei pelo Jornalismo. Também.

Fiz quatro das seis cadeiras obrigatórias do primeiro semestre do curso (Lingüística, Sociologia, Filosofia e Língua Portuguesa I), além de uma eletiva (Ecologia), ao longo de sete semestres letivos (falhando um ou outro). Para algumas dessas cadeiras, ia uma vez por semana a Porto Alegre; para outras, minha presença era meio real, meio virtual – ia a algumas aulas, mas entregava trabalhos por e-mail.

Estudar na Fabico foi uma experiência e tanto – enriquecedora e também esclarecedora. Posso dizer que estudei na UFRGS. Posso também dizer que sou 7,84% de um jornalista. E posso ainda dizer que isso não é pra mim. Não perdi a vontade de comunicar nem a admiração pela profissão do jornalista. Só cheguei a uma singela conclusão. Num belo dia, percebi que, se queria escrever, não precisava estudar Jornalismo – era só escrever!

Meus colegas da UFRGS vão se formar no fim deste ano. (Refiro-me aos meus primeiros colegas – vale lembrar que estou há vários semestres letivos no primeiro semestre do curso!) Gostaria de receber um convite para a formatura. Participando como espectador, talvez satisfizesse a partezinha de mim que gostaria de que eu fosse um dos formandos…

Prédio da Fabico
(Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS)
Os créditos devem ser do Núcleo de Fotografia

O polêmico discurso de formatura

Fui orador da turma de formandos do ensino médio do CEFET-RS em 2002 (formatura no inverno de 2003). O discurso foi polêmico, é verdade, mas não “malvado”, impressão que pode ter sido deixada pelos comentários do post The time of my life (?), na última sexta-feira, aqui do blog. 😛 Agora vou exercer meu direito de resposta: a publicação (inédita!) do próprio discurso. Não há prova melhor de que o discurso não poderia ser mais bem-intencionado. Aliás, até ufanista ele foi… Bom, cada um pode tirar suas próprias conclusões! 🙂 Embora sugestões sejam um pouco tardias, comentários são bem-vindos!

Digníssimas autoridades, já saudadas,

Caros professores,

Prezados pais,

Estimados colegas,

Senhoras e Senhores,

Falar por todos é impossível; não pode um só em tão grande grupo de formandos dizer tudo o que todos gostariam de dizer neste momento a respeito de sua história no CEFET-RS, pois as experiências são, em geral, individuais. No entanto, vou discorrer sobre um sentimento que confere unidade a esse grupo diverso. Só posso fazê-lo a partir de minha perspectiva; peço, assim, que relevem minha parcialidade, tendo sempre em mente que não tenho intenção de ser senão minimamente isento.

O sentimento a que me refiro não é só a consciência comum que há em qualquer grupo que perdure por algum tempo; diz respeito a algo maior, que nos fez ingressar no CEFET-RS, perseverar até hoje, referir-nos tantas vezes ao CEFET-RS como a Escola.

Enquanto estudante de Ensino Fundamental, a Escola sempre fora a única opção de Ensino Médio em Pelotas: a Escola, e não uma qualquer. Tinha de ingressar no CEFET-RS: sem dúvida, o alvo dos aspirantes ao Ensino Médio ou Técnico. Muitos podem negá-lo; porém, arrisco afirmar que a maioria não nega de coração, mas só superficialmente, e pode até abdicar de estudar no CEFET-RS, mas não sem remorso. Isso tem a ver com o fato de a imagem da Escola estar acoplada, na mente das pessoas, a uma idéia de excelência absoluta.

Aos poucos, percebemos que essa excelência está desbotada. Que ninguém se iluda e pense que a Escola não tem problemas. Não houve faltas prolongadas de professores, mas não foram poucas, durante um mesmo ano, as trocas de professores, prejudicando o curso das aulas. Os recursos disponíveis nem sempre correspondiam às expectativas. Nem sempre tínhamos o estímulo de que precisávamos para estudar. Apareceram professores não muito qualificados, bem como professores excelentes, mas desmotivados, desiludidos e sem perspectivas de carreira, terminado o seu contrato de trabalho no CEFET-RS. Tudo isso teve reflexos negativos no ensino.

Nem sempre a Escola trouxe à tona o melhor de nós; não raras vezes trouxe angústia em relação ao futuro. Sem dúvida, o mais enervante e angustiante carro-chefe das incertezas foram paralisações e greves, em que fomos privados do calendário escolar regular e da conclusão do curso em tempo igualmente regular, que tanto desejávamos e merecíamos. Sempre estivemos com os grevistas no objetivo muito justo e legítimo de lutar por aquilo que lhes é de direito, ou seja, uma carreira digna e uma remuneração condizente com a importância social da atividade que desempenham. Contudo, discordamos, muitas vezes, da maneira (de certo modo destrutiva e até auto-destrutiva) como lutaram por isso. O resultado dessas paralisações, danosas a todos os envolvidos, já é conhecido: a situação pouco muda para o servidor público federal, e o que se decide, teoricamente, em favor dele acaba convertendo-se, na realidade, em mais um pesadelo, como os últimos aumentos ultrajantes concedidos aos servidores. Diante disso, a posição de compromisso e solidariedade dos alunos, não para com as greves, mas para com as causas que as motivam, deve ficar sempre evidente.

Os problemas, no entanto, não foram maiores que nossa vontade de estudar na Escola, adorada pela comunidade por várias gerações. Prova óbvia dessa superação é este teatro repleto de estudantes. Note-se que muitos, por vontade ou não, ficaram pelo caminho: uns foram para colégios particulares, supondo encontrar lá melhor ensino (em geral, com pouco sucesso); outros não conseguiram vencer alguns desafios, mas estarão aqui em breve; há terceiros que desistiram da Escola para, evitando greves, passar mais rapidamente à universidade. Quase fui um destes últimos. Temia que, uma vez aprovado no vestibular, meu acesso à universidade fosse dificultado por não ter concluído o Ensino Médio – como de fato aconteceu comigo e com tantos outros. Por que não jogar tudo para o alto e efetuar transferência para outra escola? A resposta é oca: outra escola não é a Escola. Revelar essa misteriosa força de atração é meu motivo de estar aqui, neste instante. E, para chegar à conclusão, é bom rememorar.

O CEFET-RS, com genuínas personalidades, é um lugar onde cabe um mundo de diversidade. Poderia ter enriquecido minha vivência, participando dos grupos de jovens reacionários e politicamente engajados. Embora tenha jogado basquete, poderia ter aprendido mais com os esportistas e atletas da Escola, que fazem do esporte um exercício mais que físico, mas também de humanidade e convivência. Deixando de ser tão pacato, também poderia ter aproveitado as lições de vida divertida com os que estavam sempre em festa e que às vezes apareciam sonolentos em aula. Poderia, ainda, ter participado mais do grupo cristão, que se reunia para cantar e estudar a Bíblia nos intervalos, curtos e apertados entre as sirenes que não raras vezes nos sobressaltavam… Mesmo tendo participado do coro da Escola, enquanto houve, poderia ter tido mais experiências musicais no CEFET-RS. Fiquei por muitas vezes em dívida com o ritual sagrado dos intervalos, a saber, a tradicional reunião na cantina: todos estavam lá, mesmo quando não podia entrar nem sair ninguém. Poderia ter aprendido, no CTG Carreteiros do Sul, a apreciar mais as tradições gaúchas – no fim das contas, tomei pouco chimarrão, e só quando algum colega levava e era permitido, naturalmente. Muitos encontraram na Escola seu high school sweetheart, seus amores do colegial, e, sob os olhos atentos e por vezes demasiadamente críticos dos inspetores, descobriram os lábios de seus amores… Comigo isso não aconteceu: não encontrei a minha amada… Mas é verdade que conquistei amigos e amigas fiéis; conheci pessoas de quem dependi, em momentos felizes e tristes, e que dependeram de mim; fiz amizades verdadeiras que não se dissolverão com esta formatura. Por outro lado, sei que há quem me tenha inimizade e até repúdio, embora não tenha cultivado nada disso. Lamento e gostaria de poder consertar tudo, para só ter e deixar boas lembranças. E sequer citei as aulas, a experiência principal no CEFET-RS (pelo menos é o que se pretende). Acertando e errando, aprendi muito com professores; uns, grandes e memoráveis; outros, nem tanto, mas também dignos de estima. Tornei-me amigo de alguns, que me serão eternos mestres. Aprendi a suportar uns poucos, quando sua matéria ou seu modo de ser não me agradavam, consciente de que nem por isso podia prescindir de suas aulas para completar minha formação. A ambivalente teimosia fez com que reafirmasse minhas certezas e com que reincidisse em erros em vez de ouvir o mais experiente.

Por três anos (e meio), escrevi, calculei, pensei, entendi, expliquei; mais que este, menos que aquele; na média, tanto quanto cada um dos colegas. E, ainda assim, deixei de fazer muito do que poderia ter feito, como estudante do CEFET-RS. Poderia repetir toda a experiência, para aproveitá-la melhor. É fato que, algumas vezes, o tecnicismo reinante na Escola serviu de barreira intelectual a mim e a colegas que cursaram só o Ensino Médio. Em verdade, talvez a Escola fosse o lugar errado para nós que descobrimos não ter a ver com números, fórmulas, processos e resultados de alta precisão. Contudo, o ambiente do CEFET-RS não nos sufocou. Pelo contrário: mais uma vez, a idéia de excelência nos manteve firmes, quando o descontentamento e as frustrações nos empurravam impetuosamente para fora da Escola.

Não podemos determinar com precisão a importância da Escola na modelagem de nossa personalidade e no desenvolvimento de nossos talentos. Da mesma forma, nunca saberemos se fizemos a escolha certa – nem mesmo depois de termos de fato estudado no CEFET-RS –, pela simples razão de não podermos voltar atrás e escolher novos rumos. Fato é que não há arrependimentos. Ingressamos sob o alucinante efeito da idéia de excelência absoluta; aos poucos, porém, aprendemos que a Escola não é a opção, mas a melhor opção. A idéia de excelência, mesmo relativizada, continuou a existir, pois a lei da atração exercida pelo CEFET-RS lhe é intrínseca, não pode ser dele isolada. A Escola é especial porque as pessoas que nela estão são especiais – e mais relevantes que os problemas. E essas pessoas são especiais porque as que houve antes delas também o foram – e assim por diante. A sensação de que a Escola é a melhor escolha que poderíamos ter tomado está difusa e muito alicerçada, tanto que, apesar dos períodos de tensão, incerteza e inquietação enfrentados por nós no CEFET-RS, persistimos e superamos as dificuldades. Parece até que essa idéia de excelência acerca da Escola nos vem pronta, por herança. Mas temos de admitir que gerações de ex-alunos que hoje vivem felizes e bem-sucedidos não são uma ilusão coletiva… Caminhos de conquistas foram traçados por ex-alunos da Escola de Artes e Ofícios, da Escola Técnica de Pelotas, da Escola Técnica Federal de Pelotas, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas, nos últimos 60 anos. Se a sua felicidade e o seu sucesso dependeram, de fato, da sua passagem por esta instituição, isso é um eterno mistério; mas essas pessoas existem, são realidade empiricamente verificável.

Em linhas gerais, fomos felizes ao estudar no CEFET-RS. O sentimento comum que compartilho com os colegas é a esperança de desfrutar de felicidade e de concretizar em nós o ideal de excelência pelo qual o CEFET-RS, como supomos, é responsável. E está aí, de certa forma, a força de atração que nos manteve na Escola até o final, e que nos afasta de arrependimentos, e que nos faz insanos ao ponto de dizer que repetiríamos tudo. Essa força tem origem na tradição; é hoje porque ontem foi; será amanhã porque hoje é. Só o que temos de esperar, a partir de agora, caros colegas, é que, com a graça do Eterno Pai, a história feliz e bem-sucedida daqueles que passaram ontem pelo CEFET-RS continue hoje e amanhã, por meio de nós.

Parabéns a todos nós e muito obrigado.

Buscando orientações práticas sobre a virtude

O que significa agir virtuosamente? Ter uma conduta virtuosa e correta aos olhos de Deus é o objetivo de vida de todo cristão, mas de forma geral não é tarefa fácil. Todos valorizam a virtude; ninguém é capaz de dizer que deseja não ser virtuoso. O problema é que o próprio conceito de virtude encontra-se perdido em meio a idéias nebulosas, incertas. Para complicar, nosso mundo repleto de opiniões individualistas não parece ser ambiente muito fértil para discutir esse tema e encontrar uma solução satisfatória.

O recurso a entendimentos sólidos, frutos de sistemática reflexão, é uma das soluções viáveis para esse problema. Aristóteles, em obra sobre a ética, trata a respeito da virtude. Ao fim de longo desenvolvimento sobre o tema, o filósofo apresenta seu entendimento:

“A virtude é, então, uma disposição de caráter relacionada com a escolha de ações e paixões, e consistente numa mediania (…). É um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta, pois nos vícios ou há falta ou há excesso daquilo que é conveniente no que concerne às ações e às paixões, a passo que a virtude encontra e escolhe o meio-termo.” (Aristóteles, Ética a Nicômaco, Livro II, Capítulo 6).

Aristóteles não se contenta com essa definição de ordem geral e parte aos casos particulares. No Capítulo seguinte, discorre a respeito da virtude (o meio-termo) e dos vícios (a falta e o excesso) quanto a diversas ações e paixões. Sua exposição pode ser resumida no seguinte quadro:

Vício por falta

→ Virtude = Meio-Termo ←

 

Vício por excesso

 

Medo, covardia

Coragem

 

Temeridade
excesso de audácia

 

Insensibilidade (raridade)

Temperança

 

Intemperança

 

Avareza
(excesso no ganho, falta no gasto)

Liberalidade, generosidade

 

Prodigalidade
(excesso no gasto, falta no ganho)

 

Mesquinhez

Magnificência (somas grandes)

 

Vulgaridade, ostentação

 

Humildade inadequada

Justo orgulho

 

Pretensão

 

Apatia

Calma

 

Irascibilidade

 

Falsa modéstia

Veracidade

 

Jactância

 

Rusticidade

Espirituosidade (divertir)

 

Chocarrice, deboche

 

Misantropo, desagradável

Amabilidade (agradar)

 

Obsequioso (nenhum fim)

 

Adulador (para si mesmo)

 

Acanhamento

Recato

 

Despudor

 

Despeito

Justa indignação

 

Inveja

 

A Bíblia, por sua vez, cita poucas vezes a palavra virtude (apenas seis, desconsiderando-se aquelas em que figura na expressão “em virtude de”). No entanto, em todas elas, a virtude é destacada como algo a ser perseguido por aquele que quer seguir a Deus.
  1. Em 2 Crônicas 19:3, diz-se que Josafá, rei de Judá, apesar de seus defeitos, tinha alguma virtude (ou algo de bom, segundo a Nova Versão Internacional, NVI), por ter em seu coração a disposição de buscar a Deus e de haver derrubado postes de idolatria.
  2. É pela virtude de homens prudentes e entendidos que se mantêm as nações, apesar dos pecados delas, como ensina Provérbios 28:2.
  3. Conforme Filipenses 4:8, a virtude é uma das coisas que devemos buscar, em nosso agir.
  4. Quando Deus permitiu que Sara, mesmo em idade avançada, mas por causa de sua fé, tivesse um filho, ela recebeu uma virtude, de acordo com Hebreus 11:11.
  5. Deus nos chama para sua glória e virtude, como ensina 2 Pedro 1:3.
  6. Por fim, a partir de 2 Pedro 1:5, é recomendável o empenho para alcançar a virtude em nosso agir quotidiano, pois essa é uma qualidade que impede que sejamos inoperantes, improdutivos, cegos quanto ao nosso pecado.

Como se pode perceber, não só para nós, homens, mas também para Deus é muito importante a busca da virtude. Minha proposta, hoje, é compreender melhor as palavras que Aristóteles aponta como exemplos de virtude, à luz do que a Palavra de Deus diz a respeito desses meios-termos.

Coragem. Em Deuteronômio 31:6, o Senhor garante que sempre acompanhará Israel; é por isso que os israelitas deveriam ser corajosos diante dos outros povos. Já em Efésios 6:20, a coragem é um pedido de oração de Paulo: ele precisa dela para cumprir seu papel como discípulo de Cristo.

Temperança. Deus chama a atenção daqueles que estão insensíveis, duros de coração, em Isaías 46:12, pois cumpriria sua promessa de salvação. Novamente em Efésios 4:19, o Senhor adverte aqueles que perdem a sensibilidade e entregam-se à depravação.

Liberalidade e magnificência. Em várias passagens, a Bíblia diz que contribuições (para a Igreja, para os necessitados) devem ser feitas de modo generoso. A generosidade é tida como um dom da graça de Deus em Romanos 12:8. O Senhor promete riqueza (não só material) aos justos, não para benefício deles próprios, mas para que sejam generosos, como ação de graças a Deus (2 Coríntios 9:11).

Justo orgulho: São tantas as advertências contra o orgulho na Bíblia! Como exemplo, cabe citar a profecia de Isaías 2:17: no dia final, o orgulho do homem será abatido e só o Senhor será exaltado. É dos humildes o reino dos céus, conforme Mateus 5:3. A humildade pode, porém, ser inadequada, quando chega ao extremo da baixa auto-estima, da auto-depreciação, da insegurança. O cristão humilde não deve anular-se a ponto de esquecer que é templo do Espírito Santo e de que, mesmo indigno, conta com a graça salvadora de Cristo.

Calma. A Bíblia não nega ao homem o direito de irar-se, mas adverte para que, quando isso ocorrer, não caia em pecado, vindo a agredir o próximo (Salmo 4:4 e Efésios 4:24). A mansidão e o domínio próprio são tidos como fruto do Espírito, em Gálatas 5:23.

Veracidade. O apego à verdade é um mandamento de Deus (Efésios 4:25). O próprio Deus é caracterizado, no Salmo 31:5, como o Deus da verdade. Em Provérbios 12:17, a verdade é tida como a manifestação da justiça. No Salmo 119:163, o salmista abomina a falsidade e declara o amor pela Lei de Deus, que traduz a verdade de uma forma que permite o entendimento do homem.

Espirituosidade. Devemos viver com alegria, exteriorizando o amor que recebemos de Deus e cuidando para não nos tornarmos zombadores. Assim, servimos às necessidades do próximo e mostramos a ele a liberdade que temos em Cristo. O conselho de Efésios 4:29 é, nesse sentido, muito válido: não devem sair palavras torpes de nossa boca; apenas aquelas que sejam boas e necessárias para o crescimento dos que a ouvem.

Amabilidade. O propósito de nossa vida não é agradar os homens, mas a Deus, o que, sem fé, simplesmente não é possível (Hebreus 11:6). Mesmo assim, é importante buscarmos uma convivência agradável com os que estão à nossa volta, não para que nós mesmos vivamos de forma proveitosa entre nossos amigos, mas para que possamos passar adiante a mensagem do amor de Deus e da salvação dada por Ele através de Jesus (1 Coríntios 10:33).

Recato. Associo o recato e o pudor à idéia de pureza. Os conselhos bíblicos quanto à pureza tem grande importância para os jovens. Em Timóteo 4:12, Paulo não quer que a mocidade de Timóteo seja desprezada, mas que ele seja um exemplo de pureza, o que se demonstra através da conduta, da fala, da fé.

Justa indignação. O homem não precisa (nem deve) conformar-se ao ver o injusto prosperar. Porém, a Palavra de Deus recomenda que não inveje o pecador, mas que se conserve no temor do Senhor (Provérbios 23:17). O salmista em Salmo 73 admite quase ter caído por invejar a prosperidade dos ímpios, mas se alegra por ter permanecido fiel ao Senhor.

No presente estudo, decidimos pinçar apenas o que a Bíblia diz a respeito das virtudes incluídas no quadro geral apresentado por Aristóteles. Há, porém, muitas outras passagens na Bíblia que ensinam as verdadeiras virtudes recomendadas por Deus – em número suficiente para um estudo diário ao longo de um ano inteiro, ou até mais!

A palavra do homem, por mais que resulte de reflexão, sempre corre o risco de ser duvidosa ou inconclusa. É o caso da análise de Aristóteles, que clama por complementação. A Palavra de Deus, porém, não está sujeita a esses riscos: é clara, certa, completa. As orientações das Escrituras são as melhores possíveis para nossa conduta. São, sem dúvida, o recurso mais eficaz para nossos dilemas práticos quanto à virtude.