Arquivo da tag: La Plata

Adaptado

Achava engraçado (não só eu, mas também o meu chefe) que os estadunidenses que estiveram aqui na hospedaria e que agora estão com suas famílias anfitriãs (ver posts anteriores) tenham tido uma “semana de adaptação”, antes de efetivamente dar início às suas atividades de intercâmbio. Em suma, o que faziam era sair quase toda noite, dormir até tarde e passear pela cidade durante o dia. Para ser suficientemente justo, devo dizer que tinham algumas tarefas; poucas, como algumas aulas de castellano e visitas aos seus futuros lugares de trabalho.

Não via muita utilidade em tudo isso (fora, claro, as aulas de castellano), tanto que cheguei numa sexta-feira e comecei minhas atividades na fundación na segunda-feira seguinte. Mas é óbvio que minha primeira semana nesta vida nueva foi de adaptação, muito embora não tenha tido um tempo exclusivamente dedicado a isso. Nas primeiras conversas que tinha com meu chefe, na fundação, tinha dificuldade de entender o que dizia; agora já nos compreendemos perfeitamente, à exceção de uma palavra ou outra que desconheço. Como ele mesmo costuma dizer, já nos acostumamos ao timbre um do outro. Também já me localizo bem na cidade e me sinto em casa – tanto na hospedaria quanto na fundação onde trabalho. Enfim, estou adaptado.

Assim parece mais fácil do que na realidade foi. Meus dilemas lingüístico-culturais só se foram resolver no domingo, em minhas caminhadas de reflexão pelas ruas de Buenos Aires – ou pelo menos começaram a resolver-se no sábado à noite, depois de uma conversa com meu amigo Enrique. O que aconteceu foi que, um dia desses, em uma loja de conveniências, pedi um alfajor, e o vendedor logo queria saber de onde eu era. Aí eu, mui neurótico que sou, já comecei a pensar… Pombas! Quer dizer que na primeira frase que digo já se pode perceber que sou estrangeiro? Então, conversando com meu amigo, eu insistia que meu castellano não era bom e que cometia muitos erros. E ele retrucava que meu castellano era bom – embora, sim, tivesse sotaque – e que eu não deveria ser tão duro comigo mesmo. Ora, digo eu, muito prazer: eu sou exigente comigo mesmo!

É que, em outros lugares onde já estive, não passava por estrangeiro. No Canadá, por exemplo, achavam que eu era de lá mesmo. Aliás, era bastante difícil fazer acreditarem que um jovem com toda a pinta de europeu e que – segundo me diziam – falava inglês sem sotaque era, na verdade, um brasileiro. Aqui na Argentina, a situação é totalmente diferente. O argentino típico é aquele que te vem à mente quando lês a expressão “argentino típico”. Para ajudar: cabelo de castanho escuro a negro, olhos escuros, máximo de 1,80m de altura. Não há loiros, altos e de olhos claros – descontando, é claro, o meu usual exagero. É claro que há, mas são pouco numerosos, e por isso é que logo me identificam como estrangeiro (normalmente como yankee, como dizem por aqui, com aquele sotaque particular argentino: “xánqui”). E não mudam de idéia quando abro a boca, porque assim como não aparento ser argentino, tampouco sôo argentino. A secretária da fundación disse até que sôo “saxão” ou… estadunidense! Será o efeito negativo das freqüentes conversações em castellano com os norte-americanos?

O fato de ser logo identificado como estrangeiro me incomodava um pouco, porque me sentia um pouco alienígena, ou atração de zoológico. Andar pela rua e sentir os olhares dos passantes era bastante incômodo. Mas agora, tendo conversado e refletido bastante, já não o percebo tanto, ou já me acostumei, não sei ao certo. Uma coisa que ajuda a se sentir bem é que os argentinos têm um sem-número de expressões que usamos no Rio Grande (ainda publico um post sobre isso, se conseguir reunir uma compilação interessante!). Além disso, devo ter assimilado o fato de que não vou desenrolar a língua em tão pouco tempo. Outra estratégia para soltá-la e ter um sotaque um pouco mais argentino (segundo a conversa com meu amigo) é falar cantado, como os italianos, o que parece bastante comum por aqui, talvez por causa da influência dos imigrantes.

Por fim, diz o meu amigo que há vantagens em ser e de fato parecer estrangeiro: por exemplo, os argentinos são mais atenciosos com um estrangeiro que peça informações na rua do que seriam com um compatriota que fizesse o mesmo. E… bueno… também as argentinas são mais atenciosas para com estrangeiros!

Deus é fiel

Passou meu segundo domingo em La Plata e ainda não encontrei uma igreja. No primeiro domingo cheguei a procurar com Virginia (dona da hospedaria) uma igreja luterana aqui por perto. E encontramos uma, mas com todo o jeito de estar abandonada: bastante sujeira, grama por cortar, papeizinhos do mural de avisos em estado de esfarelamento e outros detalhes desse estilo. Nenhum sinal de vida. Escrevi para a ABUA (Asociación Bíblica Universitaria Argentina, a “hermana” da Aliança Bíblica Universitária do Brasil, da qual participo) e tampouco obtive resposta.

No entanto, por aí já vejo sinais de esperança. Faz uns dias Virginia disse que passou de novo pela igreja luterana abandonada e descobriu que o pastor está de férias. É bem provável que as atividades recomecem em fevereiro. De igual forma deve acontecer com a ABUA: as aulas na universidade aqui em La Plata começam esta semana; se começam as aulas, vêm os estudantes; se vêm os estudantes, reativa-se a ABU. Assim espero.

Ontem de manhã, caminhando para o terminal de ônibus para pegar o La Plata – Buenos Aires, ia pensando na falta que sentia de participar de um culto, de ler mais a Bíblia, de dedicar mais tempo à oração (antes de desmaiar de sono). Tenho certeza – como sempre tive – de que Deus sabe de tudo isso e conhece bem minhas inquietações. Acontece que Ele nunca se manifesta a mim de maneiras espetaculares, e sim em coisas tão pequenas de que nem sequer me dou conta a não ser que esteja procurando com muita atenção.

Um desses momentos aconteceu quando finalmente o La Plata – Buenos Aires chegou ao terminal de embarque. No vidro da porta do ônibus havia um adesivo, bastante singelo, em letras brancas que contrastavam com o colorado do veículo, que dizia: “Deus é fiel”. Não haveria nada de surpreendente ou extraordinário aí, exceto pelo fato de que dizia exatamente assim: “Deus é fiel”. Ipsis litteris. Em língua portuguesa. Não sei explicar direito o que senti; foi quase como ouvir o próprio Pai dizer que me amava.

Um passeio pelo Bosque

Nada de Chapeuzinho Vermelho, mas fui passear no Bosque. Já mencionei por aqui que a cidade de La Plata tem ao norte um Bosque urbano, onde há alguns prédios da Universidad Nacional, o Museo de Ciencias Naturales, o Observatorio, os dois grandes clubes de futebol… e também o Jardín Zoológico y Botânico, que fui visitar.

Ah que nojo, mas agora já conheço três zoológicos estrangeiros: San Diego, Montreal e La Plata. E que ninguém venha dizer que zoológicos são todos iguais, porque não são – cada um tem suas particularidades, ou pelo menos em cada um deles acontece algo que permanece na memória do visitante. O estadunidense me marcou porque era enorme. O canadense, porque era imprevisível. E o argentino… por causa de um incidente cômico.

Ao longo de todo o passeio, todas as placas estavam ao contrário, de modo que tinha de voltar-me para trás para ler o nome do animal que estava vendo. Na verdade, e isso deve parecer já bastante óbvio a essas alturas, eu é que estava ao contrário. Depois de percorrer todo o jardim é que finalmente vi (bem escondidinho, ressalto) o sinal que indicava o início do trajeto – apontando para o sentido precisamente oposto àquele em que me conduzia. Mas não me fez mal; ao contrário, fiquei rindo sozinho.

Por fim, antes de ir-me, dei mais uma volta rápida pelo jardim – desta vez, no sentido recomendado pela placa – para verificar se tinha visto tudo. E uma partezinha um pouco sádica de mim, devo admitir, ficou feliz ao ver que várias outras pessoas cometeram o mesmo erro que eu.

Fuera Bush

Quando voltei à hospedería hoje, depois de um dia em que já não podia mais ver cambio climático trilíngüe (português, espanhol e inglês!) pela frente, já não estavam aqui os americanos. Cada um foi para a casa de sua família anfitriã. Senti um vazio, porque já estava bastante acostumado à hospedería cheia, e porque fiz boas amizades, e também porque gosto de estadunidenses.

Quer dizer, não tenho os preconceitos que muitos têm. Sabemos que o anti-americanismo anda forte ultimamente em todo o mundo. Quanto à Argentina, há uma pequena ilustração desse sentimento na Diagonal 78, rua que atravesso todos os dias.

¡Cumpleaños feliz!

Aqui na hospedería também estão quatro estadunidenses (duas gurias e dois guris) que vieram a La Plata por intermédio uma ONG (que porém não é a Fundación Biosfera onde trabalho). São todos estudantes de ciência política; vão viver uns três meses em casas de família e fazer trabalho social.

Ontem foi o aniversário de Anna, uma das chicas. A “família adotiva” que vai receber um dos rapazes resolveu dar a ela uma festinha, com toda a simplicidade, mas muita alegria. Alegria, empanadas de verduras, uma deliciosa torta de dulce de leche e vinho nacional. No meu caso, foi um copo só, porque não sou de emborracharme, mas foi excelente – e bastou para me dar uma das melhores noites de sono desde que cheguei (aliás, já faz uma semana!).

Depois da comida, a dona da casa cantou lindas melodias tradicionais argentinas, acompanhada por seu marido ao violão. O estilo é encantador, muito parecido com o que ouvimos no Rio Grande! Lembrei direto da beleza das canções do Reponte, festival de música gaúcha da terrinha-adotada, São Lourenço do Sul.

Além da música tocada e cantada, a dona da casa, bem como algumas gurias que coordenam o trabalho social na ONG, acompanharam bailando. E quase faltou espaço na sala de estar da mui singela casa para o show de tango que deram Enrique e uma das gurias – ao som da voz e do violão dos anfitriões. Uma noitada inolvidável.

Falando argentino

No Brasil muita gente insiste em dizer que fala brasileiro em vez de português brasileiro. E isso até se justifica, já que idioma é um conceito bastante arbitrário. O que se fala no Brasil, a meu ver (a meu ouvir?), está mais próximo do espanhol do que do português falado na terrinha dos nossos tataravôs Joaquim e Maria.

Se isso não é verdade quanto a todas as variedades lingüísticas brasileiras, pelo menos o é quanto à das cidades do sul do Rio Grande. Outra possibilidade é meu ouvido seja muito burro, mas a verdade é que me soa muito mais fácil de compreender o espanhol do que o português chiado e quase desprovido de vogais que se pode escutar na RTP, ora pois.

Voltando ao meu argumento: se o português brasileiro na sua modalidade gaudéria (1) está mais distante do português europeu (2) do que do espanhol argentino (3), por exemplo, por que (1) e (2) formam um idioma, e não (1) e (3)?

Porque o critério é arbitrário. Exagero meu, porque não se trata de pura e simples arbitrariedade: deve ser cultural ou histórico ou algo do estilo. Pois bem: por esse critério, todos nós – brasileiros, argentinos, italianos, franco-canadenses e romenos, para citar apenas alguns – deveríamos falar diferentes dialetos de latim.

Toda essa digressão boba sobre lingüística (e para quem estudou tão pouco de lingüística, melhor era ter ficado quieto, mas quis brincar um pouco!) era para dizer que, se existisse o idioma brasileiro, talvez também pudesse existir o argentino. De um lado, temos o latim; de outro, o idioma brasileiro, o argentino, o canadense… Onde fica o meio termo?

De qualquer forma, o idioma argentino certamente teria suas peculiaridades. Ao longo de meus primeiros dias aqui, já assimilei algumas delas, e sigo aprendendo. Vejamos…

  • não existe na Argentina. Aqui se usa o voseo – tratamento por vos em situações informais. Nas formais, usa-se o Usted. Então temos: yo, vos, él/Usted, nosotros, ellos/Ustedes. Aqui tampouco existe o vosotros: seja formal ou informalmente, o tratamento no plural é Ustedes.
  • A letra ll (que em espanhol é uma letra só) e a letra y, quando seguidas de vogal, são pronunciadas como algo entre j do espanhol e o x do português. Yo me llamo Yolanda se pronuncia como algo do tipo xô me xamo Xolanda. Um quadrinho.
  • Um aspecto que achei muito interessante é o do s em fim de sílabas ou palavras, que às vezes se pronuncia como um h aspirado: ¿cómo estás? = ¿cómo ehtah?
  • A distinção entre b e v não é muito clara. Para mim soam iguais; não como b nem como v, mas como um som intermediário.
  • Também notei que muitas pessoas dizem “esteee…” no meio do nada. E não é que encontrei na internet? Trata-se de uma muletilla coloquial, assim como temos, no português: assim… tipo assim… então…

Uma de minhas irmãs (como sei que ela vai ler isto, vou ter que dizer: não me refiro a minha irmã que mora na Alemanha, mas À OUTRA) queria que eu falasse espanhol… direito: tú, vosotros etc. E vim pra cá com essa intenção. Mas desisti rápido. É como pedir que eu fale português em vez de brasileiro; não faz sentido! Aqui, não falo espanhol – falo argentino!

Confesiones o confusiones de un tonto

Decididamente tenho que dormir mais cedo hoje. Deve ser por causa da exaustão que começo a fazer tonterías… Saí um pouco mais cedo da fundación para passar em um caixa automático e sacar plata para pagar à hospedería.

(Agora me dou conta que estou post após post aumentando a densidade de castellanismos, todos, aliás, dispensáveis porque perfeitamente conhecidos seus equivalentes em português. Daqui a uns dias estarei escrevendo tudo em espanhol, até parece. Me emborracho com esse idioma!)

Bueno (mas este é por conta do gauchês, mesmo!), como dizia: saí da fundação e atravessei a Diagonal 78, até chegar em casa. Tentei insistentemente abrir a porta, e nada. A chave não girava. Mas como?! Até que me dou conta – e nisso já estou enrubescido de vergonha – que estava tentando abrir a porta da casa ao lado. Em verdade, não é a casa ao lado, mas sim uma porta ao lado, idêntica à da hospedería, mas que dá para outra casa que fica na parte dos fundos.

Quase acabou chamando a polícia a vizinha Gabriela, pensando que alguém estava tentando arrombar a porta de sua casa. Chamou pelo interfone, a pobre, sem poder esconder do tom de voz o medo que sentia. Acho que de nervosa não me entendeu, e eu de vergonha tampouco pude explicar bem o que se passava.

Entrei em casa – na casa certa! – e ela logo telefonou, para ver se alguém daqui sabia o que estava acontecendo. Enrique atendeu e mandei através ele mil desculpas… Já tinha até decidido escrever uma carta e colocá-la por debaixo da porta – da porta errada, quer dizer, da porta da casa da vizinha.

Contei a Virginia o acontecido. Ela achou graça e me disse, para meu alívio, que isso já acontecera com outros hóspedes ou visitantes seus. Antes de sairmos a procurar um caixa automático, Virginia, a pedido meu, tocou o interfone da porta ao lado e lhe disse que estava eu ali para desculpar-me. A vizinha estava mais aliviada. Eu a ouvi dizer, em tom tranqüilo e tranqüilizador: ¡No pasa nada! Menos mal…

Depois do trabalho… ¡el tango!

Trabalhei muito no primeiro dia de pasantía (estágio) na Fundación Biosfera. Comecei às 8h e fiquei até as 19h, com pausa para almoço. Elaborei o projeto da pesquisa que vou desenvolver durante minha temporada em La Plata, para chegar a um paper científico sobre economia e mudança climática. Depois discuti o projeto com Horacio, el jefe, presidente da fundação.

É curioso que tenha arranjado tudo para um trabalho de pesquisa na Argentina e não tenha percebido que teria de escrever em espanhol. Só me dei conta desse detalhe depois de escrever o projeto. Nunca escrevi nada de muito sério em espanhol, embora tenha estudado o idioma por um ano. Vai ser no mínimo hilário!

Voltei tarde para a hospedería e estava bastante cansado. Além do trabalho ao longo de todo o dia, senti falta das horas de sono das duas últimas noites, que foram bastante curtas. Ademais, os passeios a pé dos dias anteriores – em La Plata e Buenos Aires – e a caminhada de 25 minutos da fundación até a hospedería em um dia de calor deixaram meus pés inchados e… bem, com algumas inevitáveis bolhas. Mas decidi que não dava nada e, além disso, que merecia lazer: pus calça comprida, sapato e fui à aula de tango com Enrique e três americanos que estão hospedados aqui por uns dias.

Fiz algumas aulas de tango no Brasil, anos atrás, mas nem de longe foram tão divertidas como a de hoje. No início fizemos alguns exercícios para aquecer, como caminhar ao ritmo da música e com a postura adequada. Em seguida, o instrutor nos ensinou (no meu caso, reensinou) o passo “básico” de tango.

Em mim não corre sangue argentino, tampouco tenho qualquer talento para a baila, mas o fato é que o tango me encanta de forma inexplicável. A música, o movimento, a paixão – tudo se concatena de forma perfeita e me desperta sensações singulares. Já está decidido que vou sempre que puder às aulas, pois assim na volta ao Brasil levarei comigo um pouco do que há de mais intenso na cultura argentina.