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O Tempo e o Vento (2013)

Tem que ter coragem pra fazer uma adaptação de O Tempo e o Vento. O risco é altíssimo. As consequências de uma adaptação infeliz seriam desastrosas. Exagero? Não mesmo. O Tempo e o Vento é uma obra querida ao Rio Grande do Sul, porque conta com genialidade e um sotaque muito próprio a formação do povo gaúcho. Ninguém queira brincar com isso, porque, se a gauchada não gostar, responde a laço e espora.

No Vinte de Setembro de 2013, o Rio Grande do Sul foi presenteado com a estreia exclusiva do filme O Tempo e o Vento (2013) (imdb e site oficial) dirigido por Jayme Monjardim. O filme é uma adaptação ao cinema que Tabajara Ruas e Letícia Wierzchowski fizeram de O Continente, primeira parte da trilogia O Tempo e o Vento, do escritor gaúcho Érico Verissimo.

No elenco, ninguém menos que Fernanda Montenegro (como Bibiana Terra na terceira idade), além de Thiago Lacerda (como o Capitão Rodrigo Cambará), Marjorie Estiano (Bibiana Terra na juventude), Cléo Pires (Ana Terra), entre outros.

* Alerta de spoiler *

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O editor de texto é teu amigo

Estejas escrevendo uma minuta de contrato a partir de uma folha em branco ou revisando uma preparada pela pessoa com quem vais contratar, um aspecto é essencial: precisas conhecer bem teu editor de texto e usar as ferramentas que ele disponibiliza:

  • Se estiveres na pele de revisor, usa controle de alterações. Assim, sinalizas tua intenção de negociar de boa-fé e com transparência, sem alterar sorrateiramente a minuta para passar o outro contratante para trás. Lembrete básico: sem um mínimo de confiança não há contrato.
  • Se te couber preparar a primeira minuta, pede ao outro contratante que, ao revisá-la, use controle de alterações. Se ele não o fizer (por não saber ou, cuidado!, por não querer ser transparente), podes fazer isso por ele: quando te devolver a minuta alterada, usa a comparação de documentos para compará-la com a minuta inicial.
  • Usa comentários para esclarecimentos ou questionamentos sobre pontos específicos da minuta (palavras, expressões, cláusulas). Inserir esses esclarecimentos ou questionamentos ao longo do texto – por exemplo, EM LETRAS TODAS MAIÚSCULAS, ou em fonte de outra cor, ou em negrito, itálico e sublinhado – é confuso, trabalhoso e um pouco histérico. Se há uma ferramenta específica e automática para comentários, por que não usá-la?
  • Forma é importante: não é perfumaria. É preciso pensar em legibilidade, para viabilizar a leitura fluida do contrato. Para isso, usa fontes não muito heterodoxas, como Arial e Times New Roman, que são de fácil leitura e certamente estarão no computador do outro contratante. Usa tamanhos de fonte razoáveis, entre 10 e 12 pontos, para o texto (se for um contrato regido pelo Direito do Consumidor, não há opção: precisa ter 12 pontos!). Pensa num espaçamento entre linhas que te pareça confortável: para mim, espaço simples é pouco, mas duplo é muito. As margens da página também devem ser razoáveis (não muito grandes nem muito pequenas) e equilibradas; melhor se todas (superior, inferior, direita e esquerda) forem iguais (2 cm, 1 polegada = 2,54 cm, ou 3 cm).
  • Forma é importante, mas conteúdo é muito mais, certo? Por isso, automatiza tanto quanto possível a formatação da minuta, para ter mais tempo de pensar no conteúdo. Uma forma interessante de fazer isso é criar um modelo com estilos diferentes para títulos de cláusulas, textos de cláusulas, textos de subcláusulas etc.
  • Uma cláusula com título “CLÁUSULA VINTE E CINCO – DA MULTA” tem exatamente o mesmo valor jurídico de uma com título “25 [tabulação] MULTA“. Há quem diga que a primeira forma é mais clássica e, por isso, mais bonita. Eu, que sou superclássico em muito ou quase tudo, discordo: recomendo a segunda, por ser mais objetiva, legível e funcional. Imagina se algum dos contratantes inventa, em algum momento da negociação, de incluir uma cláusula antes dessa: a Cláusula Vinte e Cinco passará a ser Cláusula Vinte e Seis; a Cláusula Vinte e Seis passará a ser Cláusula Vinte e Sete… Quem tem tempo para ficar redigitando tudo isso?
  • Mais que objetividade nos títulos, recomendo numeração automática de cláusulas. Fez bem mais sentido usar um sistema numérico em níveis, como “11.1 1.1.1“, que um clássico “Cláusula Primeira ( = 1), Parágrafo Primeiro ( = 1.1), Alínea Primeira ( = 1.1.1)”. A numeração automática, além de ser mais objetiva e legível, é mais funcional: permite o uso dos itens numerados como indicadores, aos quais se podem fazer referências cruzadas. Essas ferramentas serão muito úteis em contratos longos, para garantir que referências como “nos termos da Cláusula 25” sejam automaticamente corrigidas para “nos termos da Cláusula 26” se uma cláusula for acrescentada antes da Cláusula 25, fazendo com que ela se torne 26.

Felizmente se foi a época em que contratos precisavam ser escritos à mão ou numa máquina de escrever. Editores de texto podem não ser tudo de bom, mas sem dúvida permitem tornar bem mais eficientes a negociação, revisão e redação de contratos. Não aproveitar esse ganho de eficiência é ser [relativamente] ineficiente. Desconhecimento das ferramentas não é desculpa, principalmente para o advogado: no mínimo, gera uma obrigação de aprender a usá-las – ou de retirar do currículo aquela linhazinha que diz “domínio de programas da suíte MS Office”.

Meu blog, minha vida

Criei a página martinbrauch.com no facebook, por onde vou canalizar os textos que publico aqui. Também atualizei a versão do WordPress do site. Reorganizei as categorias, como se pode ver na lista à direita. E enfim concluí e incluí as informações do autor e de contato – o menu “SOBRE”.

À medida que realizei essas tarefas ao longo do final de semana, revi (ainda que superficialmente, em alguns casos) cada um dos mais de 400 textos publicados neste site. Em dois dias, revivi os últimos sete anos. Relendo os textos, eu me senti exatamente como me sentia quando os escrevi. A experiência foi, ao mesmo tempo, emocionante e assustadora (eu não esperava por ela).

A alegria e a expectativa após ser aprovado para o Mestrado na NYU. A angústia de não conseguir uma bolsa de estudos. As delícias de viajar e conhecer outros mundos. Minhas características constantes: a busca pelo artístico (a Fotografia, a Música), a reflexão, a crítica, a nostalgia.

Todos os registros escritos confirmam quem sou. Eu agora sou essencialmente o mesmo que sempre fui; agora apenas conheço melhor a minha essência (e agora mais) (e agora ainda mais). E reconheço no exercício de manter um blog uma ferramenta útil para o autoconhecimento.

Sim, os textos que escrevi e publiquei contam a respeito de quem sou e de meus sentimentos em tempos específicos. Mas há também um aspecto não tão trivial: os textos que não escrevi também contam sobre mim e sobre o que vivi. O silêncio, no meu blog como na Música, pode ser solene e significativo. Os intervalos silenciosos (normalmente seguidos de pedidos de desculpas aos leitores!) até resultaram, em alguns casos, de falta de tempo para escrever, mas, em regra, corresponderam aos meus momentos de maior ansiedade, num sentido bem autodestrutivo.

Por fim, rever os 400 posts e reviver os sete anos também me fez lembrar da minha motivação primeira para começar um blog: escrever pelo gosto de escrever. Comunicar “porque sim“, nos termos do primeiro post publicado. Hoje eu também poderia dizer: escrever simplesmente pelo bem de produzir conteúdo original, num mundo cada vez mais (mal-)acostumado a não produzir, mas apenas replicar, em suas diversas formas: encaminhar, retweetar, compartilhar.

Não só de pão, mas também de café

(Quase) todos precisamos trabalhar. “Do suor do teu rosto comerás o teu pão”, diz o Gênesis. Ora, se é pra suar tanto, que se tenha ao lado pelo menos uma toalhinha ou uma água gelada.

Ou um café. Para os envolvidos com trabalhos acadêmicos ou intelectuais, desses que não requerem muito mais infraestrutura que um notebook e uma conexão à Internet, tem sido muito comum a procura por cafés como locais de trabalho – muito além do aproveitamento mais tradicional dos cafés como lugares de encontro com amigos, à la Central Perk.

Nos últimos dois anos, tenho trabalhado em “escritórios” no conceito tradicional da palavra, mas por um tempinho antes disso fui consultor jurídico e tradutor freelance. Nesse período de mais flexibilidade para escolher (e variar) meu local de trabalho, saindo às vezes do home office e de bibliotecas, segui a tendência e tentei alguns cafés. Encontrei uns onde foi muito bom trabalhar.

Em NYC

Minha frequência a cafés certamente começou em NYC, onde eu aprendi a apreciar café, a bebida, e os cafés, os lugares. Nos arredores de Greenwich Village, essa vila cosmopolita onde cursei Mestrado (e morei e fiz amigos e participei de uma igreja e fiz natação e – enfim, onde vivi intensamente!), não faltavam opções de cafés.

Começo, claro, pelos da rede Starbucks. Há quem não goste. “Enlatado.” Nunca tive problemas com a Starbucks. Penso nostalgicamente nos sabores natalinos: o Gingerbread Latte, o Peppermint Mocha. Perto da NYU tinha a loja mais óbvia, a da Washington Square, que eu não frequentava muito, até porque era muito estudantil para o meu gosto. Gostava de blogar na da Astor Place e me lembro de ter feito uma tradução na da Broadway com Bond.

Mesmo não tendo problema com a rede, reconheço: o encanto maior está nos cafés menores, os que não são de rede ou pertencem a redes pequenas, locais.

Um deles era o VBar&Café, na Sullivan Street, ao lado de onde funcionava a igreja (que se mudou, mas o VBar continua). Algumas vezes fui lá para estudar – tanto para o Mestrado quanto para um experimento de estudos e discussões de Teologia que comecei com o pastor Ben.

Outro era o Think Coffee, na Mercer Street. Esse também era bastante lotado de estudantes, mas tinha um café ótimo e uma ênfase bem legal em sustentabilidade.

Um longínquo era a Hungarian Pastry Shop, na Amsterdam Avenue, quase em frente à Catedral de St. John the Divine e perto daquela outra universidade que fica mais no Norte de Manhattan. Valia a pena percorrer a distância até lá, o que fiz algumas vezes. É uma confeitaria que se enquadra perfeitamente no conceito de “café” usado neste texto. Também se enquadra no conceito de fazer a pessoa comer coisas gostosas até estourar, porque os doces e os cafés húngaros são tão divinos quanto o São João da Catedral em frente.

Uma das minhas últimas experiências em cafés de NYC, quando estava trabalhando em projetos de consultoria e procurando outras oportunidades, foi no Café Grumpy de Greenpoint, que está na lista do Zagat de melhores cafés de NYC. Ambiente descontraído, ótimo atendimento.

Em POA

Porto Alegre também anda aderindo à tendência de transformar cafés em escritório. Antes de começar a trabalhar em escritórios tradicionais – ou mesmo depois, para colocar os e-mails em dia num lugar que não fosse a poltrona e ao sabor de um café que não fosse o que eu mesmo tinha de passar –, testei alguns por aqui também.

Como não moro perto do bairro Moinhos, a maioria dos sugeridos na matéria do link acima não são muito pra mim. Um de que gosto bastante, sugerido pelo meu primo Fer, é o Fran’s Café, na Nilo, que me ganhou pelo conforto, pela seleção de cafés saborosos e, num dia em particular, pelo Sinatra como música ambiente.

Tem também a Confraria do Café ali no Bourbon Country. O segredo é o mezanino, onde há um pouco mais de sossego que no piso principal do shopping. A desvantagem (ou outra vantagem, dependendo do ponto de vista) é que às vezes os atendentes te esquecem ali.

Outros cafés de Porto Alegre eu visitei na qualidade de mero bebedor de café, não como prospector de escritório. O Press Café é conveniente para quem visita o Iberê Camargo, Melhor se for no fim da tarde, claro, para aproveitar também o pôr-do-sol sobre o Guaíba.

Um tempo atrás fui com a Rezita (aquela amiga ingrata que não lê meu blog) ao ZCafé, não para trabalhar, mas porque me cansei de acompanhar o desfile da Rezita pela Padre Chagas e disse a ela que precisava de café para continuar a viver. Não cheguei a pensar se o ambiente era bom para trabalhar. Só me lembro de que estava exausto e de que o café foi bom.

O último que conheci, a convite da amiga Fah Heinrich, foi o Baden Cafés Especiais, na Jerônimo de Ornelas. Mesmo que a intenção da visita tenha sido puramente social e gastronômica e nada laboral, aprovei o lugar também para trabalhar. Os papéis de parede estampados se mordem um pouco (e depois se juntam como velhos amigos para morder meu senso estético), mas tudo bem: mesmo nisso se reconhece a intenção de deixar o ambiente aconchegante.

Pretendo continuar indo a cafés, aqui e ali, e coletando minhas impressões. Se for para trabalhar (o que inclui organizar as ideias e colocar os e-mails em dia), ótimo. Ainda melhor se for só para saborear um bom café – sem precisar derramar uma gota de suor.

Um celular deveria bastar

Primeiro comprei um número daquela azul dos 25 centavos por dia. Estava indo muito bem, até que comprei meu primeiro celular (todos até então tinham sido os antigos de pais, irmãs e cunhados). No novo aparelho, a conexão à Internet por aquela azul dos 25 centavos não funcionou, não sei por quê. Migrei meu número para aquela vermelha dos 21 centavos.

Só que eu já estava mal-acostumado a falar com muita gente por 25 centavos. Além disso, muita gente estava acostumada a falar comigo por 25 centavos e não conseguiu se acostumar com o fato de que meu número passou a ser da vermelha de 21 centavos. Causei confusão.

Então resolvi comprar mais um número da azul de 25 centavos, e usá-lo em um dos celulares antigos, herdados, sobressalentes. Anunciei o novo número ao pessoal da azul de 25 centavos. Continuei usando o número da vermelha de 21 centavos no telefone novo, principal, com Internet.

Ambos são pré-pagos. Gasto no máximo 40 reais por mês e me recuso a gastar mais com celular.

Confusão resolvida – para todos, menos pra mim. Tenho de andar por aí com dois aparelho. Às vezes me esqueço de levar ou de carregar um deles (o sem Internet, o secundário, só para chamadas da azul de 25 centavos). Ou perco chamadas de um ou de outro. Ou me esqueço de bloquear o teclado e faço ligações sem saber. Ou todas as anteriores incontrolavelmente.

Tenho uma colega que optou por não ter celular (mais ou menos como estou quase por optar por não ter carro). Acho admirável. É um fator de estresse a menos.

Pra mim, estresse seria ficar sem celular: não tanto pela telefonia (quase não uso), mas pela Internet. Não me imagino sem. A regra pra mim quanto ao número de celulares é a do “um é pouco, dois é bom, três é de mais”, mas menos um. Nenhum celular seria pouco. Um seria bom. Dois já são de mais.

O problema é que não se tem outra opção. Conheço muita gente que, para economizar, tem números de mais de uma operadora, aproveitando as vantagens de cada uma. Fora dos 21 ou 25 centavos nas chamadas para números da mesma operadora, as tarifas são altíssimas – quatro ou cinco vezes as promocionais. As prestadoras de serviço de telefonia móvel não competem: somente dividem, fidelizam, escravizam. E lucram, claro.

Enquanto isso, na Suíça, uma operadora oferece chamadas internacionais por 5 centavos por minuto. Nos EUA, por menos de 50 dólares tinha um pacote ilimitado em tudo: ligações para fixos e celulares em todo o país, SMS para celulares de todo o país e de qualquer operadora, Internet todos os dias sem limitação de volume de tráfego. Todas as operadoras ofereciam pacotes assim.

Um dia a telefonia no Brasil chega lá. Por enquanto, a dica pra quem quer ter telefone móvel sem gastar um absurdo é confundir os amigos tendo vários celulares pré-pagos, um de cada operadora disponível no mercado, para aproveitar as vantagens de cada uma delas.

E, pra carregar tudo isso, com muito estilo, uma pochete.

Repensando necessidades

Acostumar-se com um aumento no padrão de vida é tranquilo; difícil é aceitar uma diminuição. Desde os casos mais trágicos (perder bens por causa de uma enchente) aos tragicômicos (depois de ter banda larga, mudar-se para uma cidade onde não há portas de banda larga disponíveis e, por isso, ter de voltar à conexão discada), o padrão inferior incomoda e infelicita a vida.

Mas e se, em vez de acidental e súbita, a diminuição no padrão de vida for deliberada? E se for insignificante ou apenas aparente?

É o que tenho pensado ultimamente quanto a deixar de ter um carro. Na linha do último texto, andei conversando sobre o assunto com amigos e parentes no último final de semana. Cada vez fico mais convicto de que o custo de ter um carro não cobre a comodidade.*

Pelo menos para mim. Claro que isso é muito pessoal. Para um pai de família que mora no subúrbio (como a Zona Sul de Porto Alegre), ter carro é muito mais importante que para um solteiro que mora ao lado de dois shopping centers e pode chegar ao trabalho com um só ônibus.

As pessoas com quem tenho conversado parecem um pouco preocupadas: “pensa bem; não age impulsivamente”. Claro. Tenho pensado bastante.

Mas me parece que em parte a preocupação das pessoas (bem-intencionada, sim) se deve a pressupostos diferentes dos meus. Muitos pensam “por que não ter um carro, podendo ter um?” em vez de “por que ter um carro, não precisando de um?”. Talvez pensem mais que eu no status social. Talvez pensem que deliberadamente deixar de ter um carro seria um retrocesso: querer trocar banda larga de 10 Mbps por discada de 56 Kbps… ou por uma vida sem conexão à Internet!

Quando me sinto mais próximo de uma decisão, as dúvidas dos outros me contaminam, mas não num sentido ruim: é bom ter essas dúvidas, porque assim me resguardo de uma decisão impulsiva. Vou seguir brincando de não ter carro (já voltou do conserto, mas ainda não chegou minha carteira de habilitação renovada) e ver como me sinto nas próximas semanas. E aí decidirei.

* Cada vez fico mais convicto de que o custo de ter um carro não cobre a comodidade. Hoje estou aliterando como se não houvesse amanhã. E na verdade não há.

Encanto arranhado

Ontem, a caminho da parada de ônibus, fiquei sabendo que os ônibus não circulariam todo o dia. Paralisação. Poucos dias depois de ter ficado sem carteira nem carro e de ter escrito o seguinte:

[S]ou superpró-ônibus, desde que não esteja superlotado. É bem mais sustentável e bem menos estressante que enfrentar o trânsito sozinho. Leio, ouço música, até escrevo. Foi o que consegui fazer hoje. Vamos ver quanto tempo dura o encanto.

A paralisação me forçou a enfrentar uma corrida de táxi de 60 minutos e 33 reais para chegar ao trabalho. O encanto ficou um pouco arranhado depois dessa, mas não desistirei.

Primeiro, porque ir ao trabalho todos os dias de táxi seria impo$$ível.

Segundo, porque o problema não é o ônibus como meio de transporte – é a impossibilidade de depender exclusivamente do ônibus, por causa do descaso público quanto ao transporte público.

Terceiro, porque tenho uma dorzinha moral quando uso o transporte individual. Usar o carro pode até ser mais cômodo e econômico para mim, mas impõe custos sociais que eu poderia ajudar a evitar: o trânsito, a poluição (sonora, atmosférica) e a emissão de gases estufa, principalmente.

Aliás, tenho dúvidas se usar o carro é mais cômodo. Dirigindo, não posso ler nem escrever. Digo sem orgulho que escrevo, mesmo assim, mas cuidando para apenas digitar rapidamente no celular enquanto espero um sinal verde – e, mesmo com esse cuidado, assumo conscientemente o risco de uma multa. Dirigir na cidade é tempo improdutivo e estressante. Comodidade há, mas até ali.

Também tenho dúvidas se usar o carro é mais econômico: combustível, estacionamento, seguro (que não custa pouco para um carro modesto de um guri solteiro em uma capital cara e com alto índice de furtos e roubos), IPVA e outros tributos, manutenção, lavagens, consertos eventuais, o preço pago pelo próprio carro, a depreciação do carro e a economia necessária para a compra de outro quando o atual deixar de andar bem e tiver de ser trocado (senão antes). Se colocar tudo na ponta do lápis (leia-se “planilha”), o custo não cobre nem a (questionável) comodidade do carro.

Barbeiragens

Estou legalmente proibido de dirigir automóveis de passeio em todo o território nacional da República Federativa do Brasil, porque fiz a maior barbeiragem dos últimos dez anos, desde que tenho carteira de habilitação: deixei-a vencer.

Felizmente, vencida a carteira de habilitação, ainda se pode circular por trinta dias portando a vencida, enquanto se providencia a renovação. Felizmente, mas não para mim, porque ironicamente só no trigésimo dia após o vencimento percebi que a carteira tinha vencido.

Até que não poder dirigir por um tempo foi conveniente, de certa forma. Levei (digo: deixei meu pai levar, porque não posso dirigir) o carro para o conserto de outra grande barbeiragem que fiz: estacionei o carro na rua, onde um barbeiro pior que eu bateu no meu carro. Estacionado.

Sem carteira de habilitação nem carro. Foi assim que ontem, uma linda segunda-feira de inverno, dessas em que parece chover de baixo para cima, fui de ônibus ao trabalho, e de lá a pé para o centro de formação de condutores, encaminhar a renovação da carteira, e de lá a pé ao trabalho.

Classe média sofre.

Sem nojinho, a verdade é que sou superpró-ônibus, desde que não esteja superlotado. É bem mais sustentável e bem menos estressante que enfrentar o trânsito sozinho. Leio, ouço música, até escrevo. Foi o que consegui fazer hoje. Vamos ver quanto tempo dura o encanto.

Coisa de novo-rico

No fim do século XIX, os novos-ricos da Segunda Revolução Industrial adquiriam bens e serviços supérfluos para obter prestígio ou poder e ascender socialmente. O economista e sociólogo Thorstein Veblen, em livro escrito em 1899, chamou essa atitude de “consumo conspícuo”.

“Bem coisa de novo-rico do século retrasado, isso”, né?

Um estudo prevê que o aumento do consumo de bens de luxo ficará 50% acima do crescimento do PIB global em 2013. É um aumento surpreendente, em especial quando só se fala em crise.

A demanda por bens de luxo pode até aumentar por causa da percepção dos consumidores de que esses bens são mais caros por terem mais qualidade. Porém, pensando na decisão de compra de carros esportivos e bolsas de marca, por exemplo, o efeito Veblen (compro porque quero status) parece mais importante que essa percepção (compro porque quero qualidade).

Da mesma forma, na decisão de gastar R$ 3 milhões de reais ganhos na Mega(s)Sena para comprar um apartamento, talvez o efeito Veblen seja mais importante que a percepção de que esse apartamento realmente é tão melhor em comparação aos demais e vale o que custa.

Outro estudo sugere que um comprador pode tender a pagar mais por um apartamento dependendo do nome do condomínio. Os autores analisaram o efeito que a inclusão de “country” e “country club” no nome de condomínios semelhantes num mesmo bairro teve sobre os preços pagos pelos apartamentos. Concluíram que os compradores tendem a pagar 4,2% a mais se o nome incluir “country”, ou 5,1% a mais se incluir “country club”. Também concluíram que os compradores mais ricos tendem a ser os líderes na disposição a pagar esse adicional.

Em outras palavras: se o apartamento for no condomínio “Jardim Aterro Sanitário”, estou disposto a pagar R$ 3 milhões; se for no condomínio “Jardim Aterro Sanitário Country Club“, próximo e quase equivalente ao primeiro, estou disposto a pagar R$ 153.000,00 além dos R$ 3 milhões.

Bem coisa de novo-rico do século retrasado, isso.

Ganhei na Mega-Sena

Agora tenho três milhões de reais para comprar o apartamento que descrevi no texto de ontem. Vou pagar com um milhão de notas de três reais.

Vamos ao jogo dos quatro erros:

  1. Para começar pelo mais óbvio: notas de três reais? Essa foi só para dar a dica de que eu obviamente não ganhei na Mega-Sena. (E, se tivesse ganhado, não anunciaria publicamente!)
  2. A Caixa insiste com “Mega-Sena”, mas deveria ser “Megassena” depois da reforma ortográfica. Só comentando. E não é “sem querer ser chato”. Comento querendo ser chato, mesmo.
  3. Seria logicamente impossível eu ter ganhado na Mega(s)Sena, porque só ganha quem joga, e eu não jogo. Já joguei uma ou duas vezes, com amigos, mas só pra poder dizer que já joguei.
  4. Se eu tivesse três milhões de reais sobrando (o “sobrando” é pra dar a entender que “ter, até tenho, só não sobrando”), eu não compraria um apartamento de três milhões de reais.

Pobrinho! Diz isso só porque não tem dinheiro para comprar um apartamento assim.

Invejoso! Diz isso só porque mora num apartamento de um quarto (não suíte), sem lareira e sem vista para área verde ou lago, com uma vaga de garagem, num condomínio sem piscina nem sala de ginástica nem salão de festas nem quadra de tênis nem sala de jogos nem sala de brinquedos nem elevador nem portaria nem eira nem beira onde às vezes se publicam cartazinhos feios.

Comunista! Diz isso porque é um monstro devorador de criancinhas e odeia a burguesia.

Não. Digo isso por uma questão de perspectiva (não vale a pena acumular “tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam e furtam”, Mateus 6:19) que orienta meus princípios (frugalidade é um deles) e prioridades (patrimônio não é uma delas).

P.S.: Se alguém quiser me doar um apartamento de três milhões de reais, até aceito.